quarta-feira, 18 de março de 2015

Moçambique/MÚLTIPLAS GUERRAS DA RENAMO E SEUS APOIANTES

18 de Março de 2015, Jornal Notícias http://www.jornalnoticias.co.mz (Moçambique)
Gustavo Mavie*

Muitos moçambicanos que não estudaram a estratégia da guerra ou que não leram sequer os livros que se debruçam sobre ela, como  “Arte da Guerra”, escrito por Sun Tzu há já 3000 anos, e “As 33 Estratégias da Guerra”, do conceituado académico norte-americano, Robert Green, não percebem por que é que a delegação da Renamo que dialoga em Maputo com a contraparte do Governo tem estado a fazer exigências difíceis, senão mesmo impossíveis de aceitar e que acabam imperando o seu desfecho, como quando exige que lhe seja dado o direito de nomear comandantes nas Forças Armadas de Defesa e Segurança do Estado moçambicano.
     
Na verdade, o que a Renamo está a fazer, está explicado no tal livro de Robert Green, mais concretamente na sua 21.ª estratégia com o título em Inglês “The Diplomatic-War Strategy”, o que em Português se pode traduzir em “A Estratégia da Guerra-Diplomática”,  desvenda que a “negociação” visa a obtenção do que não se consegue pela guerra e revela a táctica muito usada de se negociar enquanto se mantém a confrontação ou o espectro bélico para forçar o adversário ou inimigo a fazer cedências e assim ganhar-se o que não se consegue pela força das armas.

Esta tese
de Robert Green reza o seguinte: “As pessoas irão sempre tentar levar de si nas negociações o que não conseguem obter de si numa batalha ou numa confrontação bélica directa. Elas irão mesmo usar os apelos à transparência e moralidade, como uma cobertura apenas para avançarem mais as suas posições. Não se deixa tomar as negociações, envolvem manobras em prol do poder ou do apoderamento e deverá sempre projectar uma atitude de quem é mais forte de modo que faça com que não seja a outra parte quem se impõe e sair a ganhar durante as conversações. Antes e durante as negociações deve manter-se no avanço, mantendo uma pressão determinante e forçar a outra parte a se submeter aos seus termos. O mais que pegar poderá dar em concessões que sejam insignificantes para si. Cria a reputação de ser obstinado e não fácil de vergar de modo que os seus adversários se sintam inibidas de tentar sequer lograr algo de si”.

Creio que, com esta asserção, se percebe melhor por que é que a Renamo mantém-se no diálogo ao mesmo tempo que se recusa intransigentemente a desmobilizar as suas forças residuais. É para se servir delas como meio de pressão para forçar o Governo a dar-lhe mais o que não tem conseguido pela guerra desde 1977. A leitura desta asserção, longe de ser uma acessória à Renamo que já a tem em sobra das forças externas que a usam como seu instrumento de guerra para poderem se apoderar dos nossos imensuráveis recursos, acredito que nos ajuda como povo a percebermos melhor que a Renamo não quer um outro desfecho deste diálogo, que não seja aquilo que não conquistou pelas armas.

É por isso que faz exigências tão abusivas como preconizar que lhe seja dado o comando das Forças de Defesa e Segurança e a que é agora feita pelo seu próprio líder, Afonso Dhlakama, de se dar-lhe seis das dez províncias do país. Para tanto Afonso Dhlakama vai tão longe, como quando diz que a Assembleia da República deverá carimbar apenas o seu anteprojecto com que pretende proclamar essas “províncias autónomas”. O que prova que usa essa estratégia de negociar enquanto mantém a pressão militar e é quando diz que caso seja chumbado reactivará a guerra. Ele está a imitar o imperador Filipe, da antiga Grécia, que já no ano de 336 a.C encarava as negociações como não sendo algo separado da guerra, mas antes uma extensão da mesma.

Trouxe de volta este facto histórico para permitir que não haja mais compatriotas que culpem o Governo ou o ministro Pacheco pela estagnação do diálogo. O diálogo não avança na medida que seria possível, porque o único desfecho que agradará a Renamo será quando o Governo lhe entregar tudo o que não conseguiu no campo da batalha e da guerra em si – que neste caso é o poder do Estado –, que agora quer que se materialize parcialmente através das “províncias autónomas”. É importante destacar que a alegação da fraude com que justifica essas “províncias autónomas” não passa duma justificação descabida, como bem o diz o antigo Presidente Chissano. Ele diz que Dhlakama sabe e acredita que não houve algum acto fraudulento que tenha permitido a vitória da Frelimo e de Nyusi. O que Dhlakama quer é conseguir obter negociavelmente o que não conseguiu pela guerra e eleições. Isto é o que ele e todos os que se valem dele, como instrumento, querem que seja feito. O que mais catalisa a mente de Dhlakama para manter as suas forças armadas privadas como um meio para forçar o Governo a dar-lhe tudo o que quer foram as fabulosas regalias e fortunas que lhe foram outorgadas a seguir ao Acordo de Paz de Roma e as excessivas concessões que lhe foram outorgadas no ano passado, como uma das formas de levá-lo a parar com as mortíferas escaramuças que protagonizava em Muxúnguè. Estas concessões levaram-no a acreditar fortemente que vale apena o recurso às armas como meio de pressão para obter na mesa das negociações o que não se pode arrancar pela força.

Cedências são convites para mais exigências
Ao contrário da crendice dominante, está mais que provado que a docilidade e a generosidade, como as próprias cedências, não têm tido, regra geral, uma reciprocidade por parte dos beneficiários. Muito pelo contrário, como bem o vinca outra vez Green quando diz o seguinte:  “Conflito e confrontação são geralmente questões desagradáveis e causam emoções insatisfatórias. Na tentativa de evitarmos tais insatisfações as pessoas tendem muitas vezes a tentar ser doces e conciliatórias, convencidas de que os que estão à sua volta terão delas a mesma resposta em retribuição. Mas, muitas vezes, a experiência provou que esta lógica é errada. Ao longo dos tempos, as pessoas que você trata benevolentemente não te tomam a sério e o mais provável é que te prejudicarão. Ver-te-ão como um fraco e explorável. Ser generoso não atrai gratidão, mas sim, animosidade e confrontação contra si. Os que são contra esta verdade e que acreditam que a bondade tem como retribuição uma bondade recíproca estão condenados a fracassar em qualquer negociação a que se possam envolver, muito mais ainda no jogo da vida particular. As pessoas respondem benevolentemente apenas quando está no seu interesse e quando assim o fazem por outras razões. O seu objectivo é catalisar a pressão disfarçada, que atice ainda mais a realização da sua vontade para que possam ganhar o que querem de si. Doutra forma elas vão-te decepcionar e tomarem vantagens dessa sua bondade. Infelizmente, esta é a natureza humana.

Ao longo de séculos os que moveram guerras aprenderam esta licção de forma tão dura quanto amarga e às vezes trágica.  Um dos exemplos é a própria Renamo que já teve muitas cedências dos governos de Chissano e Guebuza e agora espera ter de Nyusi, mas que nunca se mostrou agradecida e nunca deixou de ameaçar e reactivar a guerra, como o faz agora, não obstante as últimas eleições gerais tenham sido feitas nos termos e práticas por si exigidos, que foi longamente negociada “paridade”. Apesar desta “paridade” a Renamo diz que a Frelimo fez fraude, que não consegue provar porque está a mentir. Alega isto porque não conseguiu o resultado que esperava – que era ganhar e poder governar também. É isto que agora está a tentar obter pela via negocial, porque tal como a guerra as negociações envolvem manobras, decepções e estratégias, como esta realização constante de comícios com que Dhlakama tenta provar que tem apoio da maioria dos moçambicanos, mas que não se provou nas urnas que, como sabemos, são a prova mais evidente e irrefutável nas sociedades democráticas como a nossa.

Desinformar e diabolizar G40 como parte desta guerra
Algumas das facetas desta guerra da Renamo e dos seus multiplicados apoiantes que buscam através dela os seus próprios interesses é a desinformação e a diabolização de todos os que se identificam com a Frelimo e seu Governo ou assim são encarados. A desinformação é uma técnica milenar que visa a subversão das mentes e que consiste em disseminar mentiras, meias verdades e acusações infundadas, que possam levar as pessoas a perderem a crença, simpatia ou apoio em algo ou a alguém, como a Frelimo e seu Governo neste caso.
A recente culpabilização automática e não comprovada da Frelimo e do chamado G40, em torno do bárbaro e hediondo assassinato do Professor Gilles Cistac é uma de entre tantas provas da desinformação e diabolização. Essa acusação visa levar as pessoas a verem na Frelimo e seus membros como ruins, que devem ser atirados ao lixo. Também a alegação de que a Frelimo ordenou os cortes de energia ou apagões durante as eleições de 15 de Outubro passado, para que os seus membros nas urnas pudessem fazer a tal fraude, é outra das mentiras que deu corpo e vida à táctica de desinformação para desacreditar a Frelimo. É uma acusação tão infundada, porque não há quem possa ver as escuras, até ao ponto de introduzir cartões de voto nas urnas, sem que os vigilantes doutros partidos da oposição vissem ou se apercebessem de que alguém está mexendo em papéis.

No que tange ainda a diabolização como tal, o chamado G40 é um dos exemplos que expõe claramente esta estratégia de guerra. Na verdade, o chamado G40 de que eu próprio sou tido como cabeça de lista não existe como tal e foi uma forja das mesmas pessoas que sendo anti-Frelimo decidiram identificar e diabolizar os outros analistas e colunistas que interpretam diferentemente a mesma realidade ou factos.  Os analistas que eles arrolaram nessa lista que depois rotularam por G40 são tão analistas e colunistas quanto o são Machado da Graça, Fernando Lima e tantos outros que são pro-oposição ou contra a Frelimo e seu Governo por tendência quase doentia.  A diabolização do rotulado G40 por estes analistas é apenas porque não tem essa tendência doentia de falar mal contra a “maçaroca” e o seu Executivo. Esta diabolização recorda-me, vivamente, a antiga diabolização que se fazia contra os chineses, quando a Frelimo lutava contra o regime colonial português pela conquista da independência. Recordo-me, que já nessa altura, e na sua inglória tentativa de travar essa luta patriótica dos moçambicanos, os mesmos apregoavam, através dos seus jornais e rádios, que os chineses comiam pessoas e que caso a Frelimo ganhasse os traria para Moçambique para nos comerem. Mesmo agora que os chineses nos ajudam a desenvolver o país e toda a Africa os acusam de cá virem para abocanhar os nossos imensuráveis recursos, quando eles é que os pilharam durante séculos e nos colonizaram e escravizaram.

Como se vê a diabolização dos que lutam pelo bem comum é uma velha estratégia de guerra. Esta diabolização dos outros analistas pelos Machado, Limas e companhia visa acabar com a contra desinformação que tem sido feita pelos analistas rotulados de G40, e que com as suas teses, tem limpado o joio que esses Machados tem semeado nas mentes de muitos moçambicanos e assim levá-los a apoiar, ingenuamente, por exemplo, a campanha divisionista e regionalista que Afonso Dhlakama quer implantar através deste seu projecto sobre “províncias autónomas” que diz ter já pronto para submeter na Assembleia da Republica.

*Gustavo Mavie, diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM).


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