16 março 2015, Odiario.info http://www.odiario.info (Portugal)
Samuel Pinheiro Guimarães*
A concentração do rendimento e da riqueza em mãos de uma ínfima
minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema
democrático e sobre os episódios de corrupção. Os indivíduos detentores de
riqueza e renda têm interesse em preservar os mecanismos de concentração e
interesse em que não surjam instrumentos legais (leis ou programas) que
desconcentrem riqueza e renda.
Há um clamor público, uma revolta de todas as classes da sociedade, contra as revelações de corrupção.
Quando terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um
fenómeno exclusivamente brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em
geral? A quem interessa? Ocorre apenas no sector público? Será uma
característica inata da sociedade brasileira?
Os incidentes de corrupção que a operação Lava Jato vêm desvendando
e que vazam para a imprensa, sem provas e a conta-gotas, por quem deveria
preservar o sigilo das investigações e a reputação dos
acusados (mas não
culpados por que não foram julgados) estariam relacionados com o financiamento
de campanhas eleitorais.
O sistema de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à
representação de interesses económicos no Legislativo e no Executivo. O caso do
Judiciário é um tema a parte, ainda que de grande interesse.
O candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo
com as declarações ao TSE, cerca de 201 milhões de reais [€60,9 milhões]. A
candidata Dilma Rousseff gastou cerca de 318 milhões de reais [€96,4 milhões].
O custo total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi
de cinco mil milhões de reais [€1,5 mil milhões].
De onde vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não
vieram da fortuna pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou
quase exclusivamente, de grandes empresas privadas.
O custo das campanhas é em extremo elevado devido aos custos de
produção e de veiculação de programas de televisão, das viagens que se fazem
necessárias devido à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda
e de sua distribuição.
O objectivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas
eleitorais está vinculado à principal característica da sociedade brasileira
que é a concentração do rendimento e da riqueza.
A concentração do rendimento é, em geral, estimada a partir dos
rendimentos do trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Os rendimentos do capital, isto é os lucros, os juros, os aluguéis,
são subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses
dados de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem
quebra de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda.
A estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam a
cerca de 48% da renda nacional.
O salário mínimo é de 788 reais [€239], o salário médio do
trabalhador brasileiro é inferior a 2.300 reais [€697] por mês e 90% dos
brasileiros ganham até cinco salários mínimos por mês.
São 13,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto
significa que cerca de 50 milhões de brasileiros tem rendimento mensal inferior
a 77 reais [€23,3]. Por outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários e
10.300 multimilionários, estes com patrimónios pessoais superiores a 23 milhões
de reais [€6,9 milhões].
Muitos são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza.
Entre esses mecanismos estão as taxas de juros, o sistema
tributário, os créditos do Estado a empresas e o sistema de aluguéis.
Quanto mais elevadas as taxas de juros “autorizadas” ou permitidas
pelas autoridades monetárias maior a transferência de riqueza de devedores, que
são a enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do
capital, e do Estado para os seus credores.
O sistema tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema
se diz regressivo quando a maior parte dos impostos arrecadados provêm da
maioria da população, sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o
consumo, por exemplo) e se diz progressivo quando os indivíduos detentores de
maior riqueza ou de mais alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em
proporção a sua riqueza ou renda. É fato que um sistema regressivo de
tributação concentra renda e riqueza. As isenções de impostos, as restituições
e as desonerações para empresas ou indivíduos acentuam a concentração de renda.
Os créditos fornecidos pelo Estado privilegiam em geral as maiores
empresas e, portanto, seus proprietários que são os indivíduos mais ricos da sociedade.
A leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não
pagamento (por exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e
perdão das dívidas tributárias) também concentra rendimento e riqueza. São
brasileiros os proprietários de 530 bilhões de dólares depositados em paraísos
fiscais.
A concentração do rendimento e da riqueza em mãos de uma ínfima
minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema
democrático e sobre os episódios de corrupção.
Os indivíduos detentores de riqueza e renda têm interesse em
preservar os mecanismos de concentração e interesse em que não surjam
instrumentos legais (leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda.
Ora, as normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de
riqueza, propriedade e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da
propriedade rural e urbana, etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente
no Executivo e cada vez mais no Judiciário.
Em um país de grande concentração de riqueza e do rendimento, de
elevado grau de urbanização, de grande penetração dos meios de comunicação, de
sistema democrático e eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural
que a enorme maioria da população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse
a maioria dos representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e
remediados e, portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a
renda ou pelo menos a minorar os mecanismos de concentração.
Não é isto o que ocorre.
A ínfima minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar
instrumentos para influir no processo político para evitar esse tipo de
legislação e de acção redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são
taxadas de comunistas, socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de
bolivarianas.
O primeiro e mais importante desses instrumentos é o
financiamento privado (empresarial) das campanhas eleitorais.
O segundo instrumento é o controlo dos Partidos para que
estes escolham como seus candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão
(isto é, daquela minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do
ponto de vista pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas.
O terceiro instrumento é o controlo dos meios de
comunicação para convencer a população das deficiências do Estado, do carácter
corrupto dos candidatos dos Partidos e das políticas populares (isto é,
daqueles comprometidos com programas de reforma social que leva à
desconcentração de riqueza e renda).
O quarto instrumento é a campanha permanente dos meios de
comunicação de desmoralização da actividade política, do Estado e dos políticos
para manter a maioria do povo afastada da política. Uma das formas de manter o
povo afastado da política seria a aprovação do voto facultativo como se este fosse
apenas um direito e não um dever.
A campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central
do financiamento empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de
corrupção e de controlo oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que
concentram o poder económico e controlam os meios de comunicação.
Os representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já
se empenham para votar o projecto que consagra o financiamento privado, isto é,
empresarial, das campanhas eleitorais.
A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema
fundamental de corrupção do processo político que tem como objectivo impedir a
desconcentração de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais
injustos do mundo.
*Diplomata brasileiro.
O original encontra-se em cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Reforma-Politica-e-Corrupcao/4/32877
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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