12 março 2015, Redecastorphoto
http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
Como inventar
uma “Extraordinária Ameaça à Segurança Nacional”
11/3/2015, Mark Weisbrot*, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
2ª-feira (9/3/2015), a Casa Branca
deu mais um passo rumo ao teatro do absurdo, ao declarar “emergência nacional
com respeito à inusual e extraordinária ameaça à segurança nacional e à
política exterior dos EUA que se manifesta na situação na Venezuela” – como o
presidente Obama escreveu em carta que enviou ao presidente do Congresso, John
Boehner.
Falta ver se alguém, do valente
corpo de jornalistas que cobre a Casa Branca, terá coragem de perguntar o quê,
afinal, diabos, o chefe do executivo da nação mais poderosa do universo pensou
que estivesse dizendo na tal carta. O quê?! Estará a Venezuela financiando
iminente ataque de terroristas contra o território dos EUA? Planeja invadir
território norte-americano? Está construindo bomba atômica?
A quem essa gente pensa que engana?
Alguns alegaram que o linguajar tinha de ser esse, porque é o que a lei dos EUA
exige, para impor a mais recente rodada de sanções contra a Venezuela. Mas não
melhora coisa alguma alegar, como se fosse defesa, que
a lei norte-americana é
negócio em cujo processo de manipular e fraudar o presidente pode dizer
mentiras à vontade, para contornar o que não queira confessar.
Foi precisamente o que fez o
presidente Ronald Reagan em 1985, quando fez declaração semelhante
para impor sanções – inclusive um embargo econômico – contra a Nicarágua.
Como Obama em 2015, Reagan
também tentava derrubar governo eleito que não agradava a
Washington. Conseguiu usar violência paramilitar e terrorista, além de um embargo,
no esforço bem-sucedido para destruir a economia da Nicarágua e, afinal,
derrubar o governo do país. (Em 2007, os sandinistas voltaram ao poder e são
hoje o partido governante.) O mundo andou adiante. Washington, não.
A Venezuela hoje conta com o forte
apoio dos países vizinhos contra o que praticamente todos os governos na
América Latina veem como tentativa do governo Obama para desestabilizar o país.
“A Comunidade
de Estados Latino-Americanos e Caribe (CELAC) reitera seu forte repúdio à
aplicação de medidas unilaterais coercitivas que violentam a lei internacional” – como se lia na declaração assinada por todos os países do
hemisfério, exceto EUA e Canadá, dia 11/2/2015. Respondiam às sanções que os
EUA haviam imposto à Venezuela, sancionadas por Obama em dezembro passado
(2014).
Alguém leu alguma coisa sobre isso
na imprensa-empresa em língua inglesa? Então, você provavelmente não leu
tampouco sobre a imediata reação ao golpe da Casa Branca, ontem, do
Presidente da União de Nações Sul-Americanas:
A UNASUL
rejeita qualquer tentativa externa ou interna de interferência que busque
qualquer violência contra o processo democrático na Venezuela.
Washington já esteve
envolvida na tentativa de golpe militar, rapidamente derrotada em 2002, na
Venezuela; deu “treinamento, construção de instituição e outros apoios a
indivíduos e organizações que se sabia que estavam ativamente envolvidos no
golpe” contra o presidente Hugo Chávez (golpe que durou apenas algumas horas) –
segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Os EUA não mudaram sua política para
a Venezuela depois daquilo e continuaram a financiar grupos de oposição naquele país.
Assim sendo, nada mais normal do que todos que conheçam essa história recente e
conheçam o conflito entre EUA e América Latina também no golpe militar de 2009 em Honduras, sabendo agora
das atuais sanções contra a Venezuela, imediatamente concluam que, sim,
Washington está novamente envolvida em golpismos para derrubar governo
democraticamente eleito que está na mira dos EUA, para ‘mudança de regime’, já
há mais de uma década.
O governo da Venezuela já exibiu
provas perfeitamente aceitáveis de que há um golpe em marcha no país: a gravação de um ex-Vice-Ministro do Interior lendo
o que obviamente é um comunicado a ser lançado depois que (se) os militares
derrubarem o atual governo; confissões de oficiais militares acusados; e
uma conversa telefônica gravada entre chefes da
oposição que admitem que há um golpe em preparação.
Independente de que se considerem
suficientes essas provas (a imprensa-empresa norte-americana não noticiou
praticamente coisa alguma), não surpreende que os governos regionais tenham-se
dado por convencidos. Praticamente há 15 anos, sem interrupção, veem-se
esforços para derrubar o governo democraticamente eleito da Venezuela. Por que
seria diferente agora, quando a economia está em recessão e houve tentativa
para derrubar o governo venezuelano ainda no ano passado?
Aliás... alguém alguma vez ouviu
falar de tentativa de golpe para derrubar governo democrático, independente e
progressista na América Latina, na qual Washington não estivesse metida?
Pergunto, porque eu, nunca.
A grande imprensa-empresa
norte-americana e internacional fez grande alarde em torno do começo da
normalização de relações entre EUA e Cuba. Mas entre os governos
latino-americanos, qualquer traço de credibilidade que aquele movimento do
governo de Obama talvez tivesse, acaba de ser radicalmente desmentido pela
violenta agressão contra a Venezuela.
Duvido que alguém encontre um
presidente, presidenta, Ministro ou Ministra de Relações Exteriores na região,
que acredite que as sanções impostas à Venezuela teriam algo a ver com direitos
humanos ou democracia. Absolutamente não têm.
Considerem por exemplo o México, onde trabalhadores de direitos humanos e jornalistas
são regularmente assassinados; ou a Colômbia, estado líder há anos no número de
sindicalistas assassinados. Nada sequer comparável a esses pesadelos de
violação a direitos humanos jamais aconteceu na Venezuela em 16 anos de
governos do presidente Chávez e do presidente Nicolás Maduro. E apesar disso
México e Colômbia são os principais recebedores de ajuda dos EUA na região,
incluindo financiamento para militares e policiais e para comprar armas.
O governo Obama está mais isolado hoje, na América Latina que,
até, o governo de George W. Bush. Por causa da ravina profunda que separa a
grande imprensa-empresa internacional e o pensamento de governos regionais,
nada disso é óbvio para os que não sejam dedicados estudiosos das relações
hemisféricas.
Veja-se, por exemplo, quem são os
autores da legislação que impôs sanções contra a Venezuela, em dezembro: os
Senadores Robert Menendez (que está prestes a ser indiciado
criminalmente por corrupção ativa de funcionário público) e o Republicano da
Flórida, Marco Rubio, ambos ardentes defensores do embargo contra Cuba. Pois e
o governo Obama anunciou, com orgulho – e sem vergonha – que as novas sanções “vão além do
que essa legislação exige”.
Washington mostra, frente à América
Latina, a face do extremismo. Apesar de algumas mudanças em algumas áreas da
política exterior (por exemplo, a abertura de Obama em relação ao Irã), a face
do extremismo norte-americano não mudou em nada, desde os dias em que Reagan
“alertava” o país de que os sandinistas nicaraguenses estavam “a apenas dois dias de viagem, de carro, de Harlingen, Texas”.
Foi ridicularizado por Garry Trudeau em “Doonesbury” e por outros chargistas.
A Casa Branca de Obama, Regan redux,
merece o mesmo tratamento.
*Mark Weisbrot é um economista americano, colunista e co-diretor, com Dean
Baker, do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas (Center for
Economic and Policy Research - CEPR) em Washington. Como comentarista, ele
contribui em publicações como The New York Times, The Guardian e a Folha de S.
Paulo.
Como economista, Weisbrot criticou a
privatização do sistema norte-americano de seguridade social e foi um grande
crítico da globalização e do FMI. Os trabalhos de Weisbrot a respeito dos
países latino-americanos (incluindo Argentina, Bolívia, Brasil, Equador e
Venezuela) atraíram interesse nacional e internacional, e em 2008 ele foi
mencionado pelo ex-Ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
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