quinta-feira, 19 de março de 2015

Angola/MEMÓRIA DA GRANDE BATALHA

19 março 2015, Jornal de Angola EDITORIAL http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

O céu do Cuando Cubango no mês de Março está frequentemente carregado de nuvens e os fortes aguaceiros fazem transbordar os rios. As chanas alagadas e os lamaçais isolam vastas áreas da província. Neste quadro, há 27 anos, os angolanos escreviam páginas de ouro da História Universal.

O regime racista de Pretória começava a atolar-se nos pantanais do Chambinga, na nascente do Dala, nos afluentes do Tumpo, nas colinas que circundam o Cuito. E a vila do Cuito Cuanavale, com a sua preciosa base aérea, ali tão perto, dando às tropas invasoras e seus aliados internos, a ilusão de que era fácil conquistar o alvo.

Os dias de paz, estabilidade e democracia que hoje vivemos tiveram um ponto de partida: A estrondosa vitória dos angolanos na Batalha do Cuito Cuanavale. É da mais elementar justiça, mesmo uma obrigação, hoje honrar os heróis que defenderam a soberania nacional e libertaram o mundo do regime do apartheid de Pretória, o maior crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade, apoiado, directa ou indirectamente, pelas grandes potências ocidentais e os seus satélites amestrados. Os aviões que a 19 de Março de 1988 bombardearam o Triângulo do Tumpo eram “Mirage” franceses. Os “stingers” da UNITA disparados contra os MIG da Força Aérea Nacional foram oferecidos pelos EUA. As tropas de elite da artilharia sul-africana que
bombardeavam as posições das FAPLA tinham as costas quentes por uma comunidade internacional que fingia desconhecer o óbvio: P W Botha e Savimbi estavam a ultrapassar largamente os crimes do III Reich. 
Os “judeus” a exterminar pelas tropas de Pretória eram angolanos patriotas que juraram defender a Pátria, mesmo com o sacrifício das suas vidas. E milhares dos melhores filhos de Angola morreram nas batalhas do Cuando Cubango, para que o inimigo não ficasse com um só palmo da nossa terra.
 
Mas há 27 anos, nestes dias de Março, os racistas de Pretória começaram a perceber que a derrota estava próxima e com ela, o fim do regime de apartheid. Mike Muller, comandante do 61º Batalhão de Tanques, estava tão desmoralizado que pediu ao seu chefe directo, o brigadeiro Smith, para adiar o ataque ao Triângulo do Tumpo.  Dos 11 “super tanques” Oliphant que lançou no campo de batalha, logo nas primeiras horas ficou apenas com cinco operacionais. Precisava de tempo para reparar as avarias.
 
Os senhores da guerra perceberam que ele tinha de sair da frente de combate. E foi “evacuado” para bem longe. O coronel McLoughlin, seu chefe directo, começou a mentir sobre a realidade no terreno. Pedia desesperadamente a intervenção dos “Mirage” mas as condições meteorológicas não permitiam. Muitas nuvens e demasiado baixas. Os “stingers” da UNITA falhavam os alvos. Os MIG começaram a bombardear o inimigo em áreas onde os generais sul-africanos nunca pensaram ser possível. A ousadia dos nossos pilotos semeou o pânico entre os invasores. McLoughlin foi também substituído. Acumulou fracassos e saiu vergado ao peso da derrota. Para o seu posto veio o coronel Fouché. Gerhard Louw, um tanquista cheio de prestígio, rendeu o deprimido Mike Muller que, desolado, dizia aos seus chefes: “se eu tomasse o Tumpo ia direito ao Cuito Cuanavale”. Foi para casa, derrotado. Mas não estava só. A UNITA colocou no campo de batalha, nada menos que os 3º, 4º e 5º batalhões regulares. Mais os 18º, 66º, 75º e 118º batalhões semi-regulares. Todos os “stingers” oferecidos pelos EUA.
 
Na segunda investida contra o Triângulo do Tumpo foram desbaratados. Soldados da UNITA iam sentados nas traseiras dos tanques. Como quase todos foram atingidos pela artilharia angolana, morreram. Quem mandou aquelas centenas de soldados para a morte, para garantir uma absolvição no “tribunal” da consciência, hoje diz que a Batalha do Cuito Cuanavale “foi um mito”. Esta hipocrisia faz dos comandantes e dirigentes da UNITA inquestionavelmente criminosos de guerra. Tanto crime!
 
A humanidade não pode deixar passar incólumes os que submeteram os povos da África do Sul e da Namíbia aos horrores do nazismo. Quem fez do racismo uma política de Estado tem de pagar por esse crime. Todos os seus aliados são coniventes.
 
Apenas os angolanos combateram no Triângulo do Tumpo. Só angolanos dirigiram e travaram os combates que levaram ao esmagamento do apartheid. No dia 19 de Março de 1988, no posto de comando avançado, os invasores sul-africanos e os oficiais da UNITA delineavam o terceiro assalto ao Triângulo do Tumpo. Mas no íntimo, todos sabiam que a luta de um povo pela liberdade, é invencível. Apenas estavam a adiar a derrota final por alguns dias.

   

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