segunda-feira, 3 de maio de 2010

CONVOCATÓRIA DA CIMEIRA ALTERNATIVA DOS POVOS

27 abril 2010/Esquerda.Net http://www.esquerda.net

Texto da convocatória da Cimeira Alternativa dos Povos, Enlazando Alternativas 4 - Madrid, 14 a 18 de maio de 2010.

Em Maio de 2010, sob a Presidência espanhola da União Europeia, reunir-se-ão na cidade de Madrid os presidentes e chefes de Estado da União Europeia, América Latina e das Caraíbas. O "Velho Continente", convertido hoje na Europa do capital e da guerra, buscará nesta nova Cimeira impulsionar políticas e mecanismos para favorecer o capital financeiro e as grandes corporações transnacionais, por meio da usurpação dos recursos naturais e da privatização dos serviços públicos, disfarçados de promessas de desenvolvimento.

Esta Cimeira será realizada sob os efeitos de uma crise financeira, económica, ambiental e social que resultaram em mais desemprego e precariedade na Europa e mais pobreza e exclusão social na América Latina.

Na Europa, movimentos e organizações sociais assistem ao avanço progressivo da direita e ao ataque cada vez mais forte e agressivo ao conjunto de direitos e conquistas laborais, económicas, sociais, culturais e ambientais. A recente aprovação do Tratado de Lisboa - feito de maneira antidemocrática por ter negado a participação directa da população - favorecerá, entre outras coisas, os interesses das corporações transnacionais, por meio dos acordos de livre comércio e da liberalização dos investimentos, prejudicando os direitos dos povos e o meio ambiente. A Europa fortaleza, militarizada, xenófoba, desumana, com menos serviços públicos e mais privatizações, não é nossa Europa. A esta Europa do capital, da guerra e à sua crise contrapomos a solidariedade entre os povos.

Na América Latina e Caraíbas, a resistência dos movimentos sociais continua a crescer, e ao lado de alguns governos latino-americanos, estão a lutar para defender a sua soberania e implementar novos projectos políticos de mudança social. Estes esforços são alvo de acções criminosas, como o golpe de Estado nas Honduras, uma ameaça concreta para todo o continente.

Assim como a chegada de Barack Obama, que não provocou mudança na política dos Estados Unidos para a região - como ficou demonstrado pela instalação de bases militares na Colômbia - da mesma forma e coincidindo com o aniversário do bicentenário das independências, a União Europeia ataca os processos de integração regional, tendo como carro-chefe o governo espanhol e as suas transnacionais. Disfarçadas de cooperação e desenvolvimento com os tratados de livre comércio, as novas caravelas da reconquista buscam consolidar o seu domínio na região.

A rede Birregional Europa, América Latina e Caraíbas "Enlazando Alternativas", e outras redes, mobilizam-se pela quarta vez para a construção de um espaço político birregional. Como fizemos em Guadalajara, México (2004), Viena, Áustria (2006) e Lima, Peru (2008), a Cúpula Alternativa dos Povos, Enlazando Alternativas 4, que será realizada de 14 a 18 de Maio de 2010, servirá para fortalecer novas convergências solidárias entre os nossos povos, resistências populares emergentes e para construir um espaço político e de mobilização birregional, apesar da criminalização dos movimentos sociais.

Convocamos todas as redes sociais, sindicatos, forças políticas e movimentos da sociedade civil para se somarem ao processo de preparação e participar da Cúpula Alternativa dos Povos, Enlazando Alternativas 4, em Madrid, em defesa da soberania dos povos, dos direitos humanos, da democracia participativa, dos direitos sindicais, das mulheres, dos povos indígenas, da justiça social, da protecção do meio ambiente, da paz e contra as mudanças climáticas, onde quer que seja.

Não somos invisíveis, nós temos demonstrado isso. Gandhi disse: "Primeiro eles ignoram-te, depois riem de ti, então tu lutas. E então vences."

Eles estão a lutar contra nós.

Para assinar a convocatória, envie um email para: red.enlazandoalternativas@gmail.com Este endereço de email está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email


------------------ LER TAMBEM


I -- "AMÉRICA LATINA DEIXOU DE SER FUNDO DE QUINTAL DOS EUA"
II -- AMÉRICA LATINA E EUROPA: RELAÇÃO AINDA INTERMEDIADA PELA ESPANHA?


I -- "AMÉRICA LATINA DEIXOU DE SER FUNDO DE QUINTAL DOS EUA"
29 abril 2010/Esquerda.Net http://www.esquerda.net

A região estabilizou as suas moedas e índices inflacionários, crescem a procura interna e a exportação. Apesar da crise e dos desafios sociais em aberto, as perspectivas latino-americanas são optimistas, com o Brasil à frente. Por Pablo Kummetz, da Deutsche Welle.

Enquanto a China e a Índia avançavam na economia, a América Latina permaneceu longo tempo à sombra. Mas na última década a região fez grandes progressos. A cotação das moedas nacionais e a inflação estabilizaram-se, em grande parte; as taxas de juros retrocederam; a procura interna e a exportação cresceram.

É verdade que nem todas as expectativas foram preenchidas - as desigualdades sociais e a pobreza permanecem uma tarefa em aberto. Porém a democratização e a boa governança na maioria dos países latino-americanos dão esperança de que o curso ascendente seja retomado após a actual crise económica global.

Participação modesta
Segundo o professor Federico Foders, integrante do directório do Instituto de Economia Mundial da Universidade de Kiel, o peso económico da América Latina no mundo reside sobretudo no seu potencial como fornecedor de matérias-primas e agroprodutos, função que tem preenchido nos últimos 200 anos.

Tal papel, no entanto, reduz as possibilidades da região de garantir uma participação no comércio mundial e de se beneficiar de forma duradoura da globalização.

"Se considerarmos a soma dos produtos internos brutos latino-americanos, o seu peso quantitativo na economia mundial fica abaixo de 1%, o que não é muito. No comércio mundial, a percentagem é também pequena, entre 2% e 3%, tanto no que concerne à expansão do comércio exterior como o próprio crescimento, ou seja, o aumento do próprio PIB", analisa Foders.

Latinos em ascensão nos EUA
Para os Estados Unidos sob a administração de George W. Bush, a América Latina era um campo secundário. Exceptuadas a integração do México no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) e a luta contra a máfia das drogas, os norte-americanos não pareciam ter maior interesse pela região.

Mas há muito ela deixou de ser mero "fundo de quintal" dos EUA, constituindo importante fonte de matérias-primas. "E neste meio tempo, os latinos representam uma parcela muito importante da população norte-americana", acrescenta Federico Foders.

A sua integração na sociedade norte-americana tem sido extremamente bem-sucedida, com a ocupação de cargos importantes, como os de ministros ou professores. "Assim, o recrutamento de pessoas da América Latina é parte importante do desenvolvimento demográfico dos EUA."

Concorrência chinesa
Entre admiração e medo, os latino-americanos observam a crescente presença da China na sua região. Pois por um lado aquele país asiático é bem-vindo como comprador de matérias-primas e produtos agrários. Mas por outro é um duro concorrente nos mercados internacionais, além de inundar os mercados nacionais com produtos baratos.

"A China possui o mais alto índice de crescimento económico do mundo, entre 8% e 10%. Apesar da crise, o país continua crescendo e tem enorme fome de matérias-primas", comenta o professor da Universidade de Kiel. Assim, o seu interesse na América Latina é, em primeira linha, como fornecedora de matéria-prima, em segundo lugar como mercado para os produtos industriais chineses.

"A China já é membro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e contribui no financiamento de medidas para infraestrutura em toda a América Latina. Essas medidas visam levar as matérias-primas até os portos e, de lá, para a China."

Presença do Bric
Mas a China não é tudo. Um outro importante actor da economia mundial é o assim chamado grupo Bric, dos principais países emergentes - Brasil, Rússia, Índia e China.

Independente do contexto latino-americano, o Brasil assume uma posição de destaque cada vez maior na política mundial, devido a suas iniciativas - a exemplo do G20 ou do "grupo do Lula" - e seu papel em fóruns internacionais.

Na opinião de Foders, o significado do Bric ainda vai crescer. "Trata-se de um grupo muito importante. Os seus integrantes dominam actualmente o comércio externo com os países em desenvolvimento, e ditarão fortemente o tom nos próximos anos."

Dificuldades multilaterais
O que parece não funcionar tão bem na América Latina é a integração regional. Inúmeras tentativas - seja com a Comunidade Andina, o Sistema de Integração Centro-Americana (Sica) ou o Mercosul - não deram muito resultado até hoje. Assim, cada vez mais nações latino-americanos procuram fechar acordos de cooperação bilateral.

O professor Foders atribui o problema à lentidão das negociações na Rodada de Doha. Enquanto esta não for concluída, "não haverá avanço no comércio multilateral", afirma. Nestas circunstâncias, ele considera a preferência pelos acertos bilaterais "perfeitamente normal". "E nisto a América Latina não está só. Os asiáticos fazem o mesmo, outros países também."

Revisão: Roselaine Wandscheer, adaptação para Portugal de Luis Leiria

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II -- AMÉRICA LATINA E EUROPA: RELAÇÃO AINDA INTERMEDIADA PELA ESPANHA?

29 abril 2010/Esquerda.Net http://www.esquerda.net

Ninguém na Europa questiona a relação especial de idioma e raízes comuns. Mas será que, 200 anos depois das independências, a Espanha ainda representa as suas ex-colónias na União Europeia? Por Luna Bolívar Manaut, da Deutsche Welle.

Desde que em 28 de Julho de 1977 a Espanha solicitou formalmente, e pela segunda vez na sua história, a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE, precursora da União Europeia), passaram-se nove anos até o país passar efectivamente a fazer parte do bloco. Embora os vizinhos europeus reconhecessem que a Espanha era parte indiscutível do continente, as negociações foram árduas. Madrid teve de jogar com todas as suas cartas, e uma delas foi a América Latina.

Na época, via-se a Espanha como possível interlocutora com a América Latina, como intérprete cultural, como "ponte" de ligação entre ambos os lados do Atlântico, como "voz" da América Latina nas instituições europeias e "representante" da Europa diante dos países do subcontinente.

Espanha e Portugal passaram a ser membros plenos da CEE em 1º de Janeiro de 1986. Neste ano, o diplomata espanhol Carlos Westendorp passou a ocupar em Bruxelas o cargo de embaixador permanente do seu governo para Assuntos Comunitários.
Dez anos mais tarde, Westendorp diria numa conferência que a Europa havia "descoberto" a América Latina em 1986.

Muito mudou ao longo dos séculos, ao longo dos 30 anos da Espanha como democracia e dos 24 anos como membro da União Europeia, mas ainda hoje paira no ar a pergunta: mesmo 200 anos depois, a Espanha ainda detém o monopólio nas relações entre Europa e América Latina?

"Ponte de quê?"
Para Rafael Grasa, professor de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Barcelona e director do Instituto Catalão Internacional pela Paz, e Carlos Malamud, do Real Instituto Elcano de Madrid, a resposta à questão sobre o monopólio é "não". Segundo os especialistas, a Espanha não é e nunca foi rota obrigatória para os intercâmbios entre a América Latina e a Europa.

"Essa função de porta-voz não existe na prática, nem formalmente", comenta Malamud. "A ideia de 'ponte' provém do período em que a Espanha negociou a sua entrada na CEE, quando o governo espanhol tentou desempenhar este papel", explica Grasa. "Entretanto, já naquela época, outros países-membros, como a Alemanha, mantinham relações mais estreitas com a América Latina e se perguntavam: Ponte de quê?"
O argumento não serviu, portanto, nas negociações espanholas pela sua entrada na Comunidade. Até o início da década de 1990, o investimento da Espanha em outros mercados - inclusive nos latino-americanos - era baixo, enquanto Alemanha, França, Holanda, Reino Unido e Itália cultivavam os seus interesses e haviam se posicionado comodamente na região.

Além disso, com o aumento do comprometimento da Espanha com a Europa, acreditava-se que o país se esqueceria da América Latina. Entretanto, Madrid soube, principalmente na última década, explorar de facto a relativa vantagem histórica, caracterizada de "vínculo singular" e "sensibilidade especial".

Com isso, converteu o subcontinente numa "dimensão natural da política externa da Espanha", como defende o secretário de Estado espanhol para a região ibero-americana, Juan Pablo de Laiglesia. De últimos entre os investidores estrangeiros em 1986, os espanhóis passaram, no final dos anos 1990, a superar os Estados Unidos em investimentos directos na região.

"A Espanha não aspira nem jamais pretendeu a função de intérprete entre a União Europeia e a América Latina. Os países latino-americanos são maiores de idade, celebram agora 200 anos de independência e não precisam de intermediadores para se relacionar com a Europa. Contudo, estamos sempre dispostos a empregar o nosso melhor conhecimento e nossos contactos mais estreitos para melhorar o diálogo com a América Latina," sintetiza Laiglesia.

"América Latina não é o hobby dos espanhóis"
"De modo algum eu diria que a Espanha é a voz da América Latina na Europa," diz a directora geral da Fundação Euroamérica, Asunción Valdés. "Mas é realidade que a entrada da Espanha e de Portugal na CEE provocou um salto qualitativo na relação entre ambas as regiões, transformando-a de económica em associação estratégica", complementa. Essa declaração remete-nos novamente ao que Westendorp disse em 1996.

Rafael Grasa e Carlos Malamud não concordam. Grasa explica que, "com o final da Guerra Fria, a América Latina tornou-se menos atraente para a Europa". "E, se a atenção dada a uma Europa com 15 membros já era pequena", prossegue Malamud, "com 27 membros, decaiu ainda mais". Portanto, conforme a sua presença económica foi crescendo no continente latino-americano, a Espanha simplesmente preencheu o vazio político deixado por outros países.

Por fim, "a América Latina deixou de ser a mera questão de prestígio que era para os espanhóis em 1986 e tornou-se, principalmente na última década, um tema de verdadeiros interesses", afirma Grasa. Entretanto, para o professor de relações internacionais, isso não confere a Madrid nada além da posição mais destacada de mera "interlocutor privilegiado".

Hoje, diferentemente de 20 anos atrás, a América Latina é um elemento real - seja a dimensão "natural" ou não - da política externa espanhola. O conceito de ponte com a Europa já não é mais verbalizado. Contudo, Grasa acha que ainda existe "dentro da União Europeia essa ideia de que a Espanha é uma espécie de defensora dos interesses da região".

Bruxelas deixa para Madrid assuntos ligados à América Latina. Para Malamud, "isso não é nada extraordinário", devido à característica divisão de tarefas dentro da União Europeia. "Outros países com maior interesse na África e na Ásia ocupam-se mais dessas partes do mundo", conta o especialista. Enquanto o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, critica o golpe de Estado nas Honduras diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, ouve-se a chanceler federal alemã, Angela Merkel, falar dos direitos humanos na China.

"A política externa espanhola não teria credibilidade se na Assembleia Geral [da ONU] a Espanha não se alinhasse com a postura, seja na teoria ou na prática, defendida pela maioria dos Estados latino-americanos. A Europa sabe e entende que a Espanha não pode fazer outra coisa. Além disso, convém à União Europeia e aos Estados Unidos que a Espanha se encarregue dos discursos duros", assinala Grasa.

Para o professor catalão, o título de porta-voz da América Ibérica não passa de uma pretensão espanhola que não condiz com a realidade. Porém, Grasa recorda que "política externa é uma mescla de história com ambições e interesses". Por isso, conclui: "Costumamos dizer que, nessa área, quem souber fazer propaganda de uma função criada para si próprio pode acabar tornando-a real, por mais retórica que pareça no início".

Mais do que ajuda
Norbert Glante conhece a União Europeia e as suas relações com a América Latina de perto. O social-democrata alemão é membro do Parlamento Europeu desde 1994 e da Assembleia Parlamentar UE-América Latina (EuroLat) desde 2009. Além disso, passou por diversos organismos encarregados dos contratos com sócios latino-americanos. Segundo ele, acontecem muitas coisas no dia a dia, mas que não geram grandes manchetes.

"Não acredito que o interesse pela América Latina tenha diminuído na Europa. Com a última ampliação do bloco, tivemos que empreender grandes esforços para decidir que colegas formariam os grupos de trabalho do subcontinente porque os postos eram muito concorridos", conta Glante. "Não posso dizer o que acontece no Conselho [Europeu, órgão da UE em que estão representados os chefes de Estado e de governo dos 27 países do bloco] porque, ao contrário do Parlamento, as suas sessões são realizadas a portas fechadas. Nos nossos grémios, porém, todos os países participam de forma igual, também a Espanha", conta
.
Para Norbet Glante, os latino-americanos encontrariam o caminho até ao Velho Continente mesmo sem a Espanha. "A Europa não mantém relações com a América Latina só porque somos muito bonzinhos, e sim porque há importantes interesses económicos, os quais seriam activados com ou sem a ajuda da Espanha", explica. Também o facto de o presidente da EuroLat, José Ignácio Salafranca, ser espanhol não significa nada. "Esse não é um cargo hereditário reservado a determinada nacionalidade", justifica Glante.

"É claro que os contactos, o conhecimento e o interesse que os colegas espanhóis têm na região ajudam", reconhece Glance, "mas não se pode dizer que a América Latina seja o hobby dos espanhóis na Europa".

Revisão: Roselaine Wandscheer, adaptação para Portugal de Luis Leiria

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