20 Abril 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br
Aldo Rebelo*
Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Cecília Meireles, em O Romanceiro da Inconfidência
A atualidade de Joaquim José da Silva Xavier deve ser celebrada no 218º aniversário de sua imolação como símbolo de um movimento de autonomia nacional que ainda hoje está por se completar na formação social brasileira. A Conjuração Mineira foi um daqueles sonhos a que os homens se entregam por intuírem o caminho da História antes de a História lhes oferecer as condições determinantes para a materialização do sonho. Assim ocorreu com a Comuna de Paris, em 1791, definida por Karl Marx como uma tentativa de tomar o céu de assalto. Como já tive oportunidade de observar, também aos revolucionários de Vila Rica a História não recusou a razão, mas lhes negou a oportunidade.
O projeto político de conquistar a Independência e proclamar a República do Brasil foi muito além da troça que certos centros de pensamento querem lhe atribuir, apontando os conjurados como mais interessados em não pagar impostos à Coroa portuguesa do que em fundar uma nação. Joaquim José da Silva Xavier foi líder visionário, não um fantoche manipulado pela elite de Vila Rica, que, afinal, se era elite interessada na Independência do Brasil, constituía o povo da época. Como na memorável luta contra os holandeses no Nordeste, no século anterior, em Minas também se reuniam pela causa nacional os reinóis, os mazombos, os mestiços. Todos foram punidos, uns com a morte na cadeia, outros com o degredo e Tiradentes com a forca. Os banidos para a África e que lá morreram só voltariam à pátria por ordem do presidente Getúlio Vargas, que em 1942 mandou buscar um a um os heróis falecidos no desterro.
Inspirados por versos de Virgílio [Libertas quae sera tamen], reivindicavam liberdade ainda que tarde, e tinham como fonte os filósofos do Século das Luzes que refletiam a crise do Absolutismo e do Colonialismo no século XVIII e forjavam novas idéias e poliam os homens que iriam lutar e morrer por elas. Os conjurados de Minas Gerais miravam as nuvens que a Ilustração espalhara no céu da democracia, do que foram exemplos mais eloqüentes a Independência dos Estados Unidos da América, que nasciam como república, e a gloriosa Revolução Francesa. Nações em formação no Novo Mundo, como a americana e a brasileira, e as Colômbias de Simon Bolívar, já eram grandes demais para caber no apertado gibão da Europa feudal em transição para o capitalismo.
O sonho dos conjurados era implantar fábricas de tecidos e siderurgias na colônia que queriam tornar país. Tiradentes desenvolveu sua consciência política patrulhando o Caminho Novo, que ligava Minas ao Rio, por onde via passar as riquezas das jazidas auríferas do Brasil desviadas para Portugal, na quota de 100 arrobas de ouro por ano, aumentada em 1762 para oito mil quilos a título de dívida fiscal atrasada. O esbulho levava o nome de derrama.
Preterido nas promoções da Cavalaria, nunca tendo passado do posto de alferes, estabeleceu-se no Rio, levando a vida como qualquer do povo, trabalhando de mascate, tropeiro, boticário e dentista. Não era um homem sem luzes: órfão, sem nunca ter feito estudos regulares, projetou a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar o abastecimento de água da sede do vice-reino. Há notícias de que admirava o progresso industrial da Inglaterra, guardava um exemplar da Constituição dos Estados Unidos e citava a figura do presidente da República em oposição a um rei distante.
Depois de enforcado, em 21 de abril de 1792, no Largo de Lampadosa, atual Praça de Tiradentes, no Rio de Janeiro, teve os restos mortais espalhados na estrada que patrulhara e onde tecera seu sonho de Independência política, econômica e cultural do Brasil. Seus algozes o queriam maldito e esquecido, mas cada parte de seu corpo esquartejado parece ter servido de semente para a árvore da liberdade que germinou no Brasil e ornamentou os versos de Cecília Meireles. O povo do Rio de Janeiro logo mandou celebrar missas na intenção da alma do herói, e, pelo repúdio público, fez com que o traidor Joaquim Silvério dos Reis mudasse o nome para Montenegro e o domicílio para o Maranhão.
A atualidade de Tiradentes é a mesma da Questão Nacional que ele antecipou antes da expressão. Seu vulto histórico nos repõe a importância e urgência de um projeto de autonomia nacional com vistas à consolidação de um País forte, soberano, próspero, que produza e distribua riquezas suficientes para assegurar o bem-estar material e espiritual desta civilização única que erguemos nos tópicos.
Desde a infância da Nação esta tem sido uma empreitada difícil. A mesma rainha louca Maria I que mandou esquartejar Tiradentes, promulgou um alvará proibindo fábricas no Brasil e mandou destruir até os teares em que as mulheres fiavam a roupa dos filhos. Quase um século depois, os próceres da República, empenhados em industrializar o Brasil, eram dissuadidos pela casa bancária inglesa dos Rotschild, que nos recomendava exportar café e deles comprar linha, agulhas e botões. Foi na construção da identidade nacional que a República resgatou o heroísmo de Tiradentes.
As lutas do passado continuam, por outros meios e caminhos, no presente. Os embates que o Brasil trava contra o protecionismo das grandes potências, as pressões para a liberalização comercial que nos engoliria como país produtor de riquezas, e tantas outras ofensivas, fortalecem a convicção de que a Questão Nacional está viva, e aponta para a necessidade de mantermos a soberania nacional como atributo essencial do Estado.
Nos dias de hoje, sofremos um tipo novo de intervenção que nos limita a autonomia de dispormos de nosso território e recursos naturais em benefício do desenvolvimento e do bem-estar do povo. A abertura de estradas, construção de hidrelétricas, vivificação das zonas de fronteira, modernização de leis para ampliação da agricultura e democratização da propriedade da terra são boicotadas por governos estrangeiros e suas cabeças de ponte chamadas ONGs do meio ambiente. O exemplo histórico de Tiradentes é um alento para continuarmos a luta pela autonomia de um projeto nacional e soberania do Brasil.
*Aldo Rebelo é jornalista, escritor e deputado federal (PCdoB-SP). Recebeu em 10 de novembro de 2003 a Medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário