15 de Abril de 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br
Reunidos em Brasília nesta quinta-feira (15), os dirigentes dos países que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) se defrontam com o desafio de debater, propor e começar a construir uma nova ordem econômica e política mundial num cenário ainda marcado pela mais grave crise do capitalismo desde o pós-guerra, o declínio dos EUA e a mudança da correlação de forças da geopolítica internacional, com a emergência de novos protagonistas de peso.
Por Umberto Martins
BRIC é um acrônimo criado em novembro de 2001 pelo economista Jim O´Neill, do banco Goldman Sachs, que reuniu os quatro países por características comuns como a dimensão territorial, a demografia e o potencial de crescimento. O´Neill estimou, na época, que até o final de 2050 o grupo vai se transformar na principal força da economia mundial.
Interesses convergentes
Inicialmente, o conceito não teve grande repercussão, mas o caminho percorrido pela história desde então parece justificar as previsões de O´Neill, enquanto a necessidade de fortalecer os laços econômicos e políticos entre os países do BRIC levou à formação de um bloco político informal, que realiza agora no Brasil a sua segunda reunião.
Brasil, Rússia, Índia e China detêm 26% do território, 42% da população e 14,5% do PIB mundial. Nos últimos cinco anos, contribuíram com mais de 50% da expansão do PIB mundial, de acordo com estatísticas exibidas por acadêmicos no seminário realizado em Brasília 4ª feira (14) pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).
Os laços econômicos e políticos no interior do BRIC também foram fortalecidos. Um sinal disto, entre outros, é o fato da China ter se transformado, em 2009, na principal parceira comercial do Brasil, desbancando os EUA. As dessemelhanças e assimetrias, assim como a proeminência chinesa, também são notáveis, embora aparentemente não constituam um obstáculo intransponível à unidade política.
Proeminência chinesa
De acordo com informações do pesquisador Zhang Yuyan, da Academia de Ciências chinesa, apresentados no seminário do IPEA, a China, sozinha, responde por 7,1% do PIB mundial e se os países do BRIC realizam 14,5% das exportações mundiais, nada menos que 9,1% são responsabilidade daquela nação asiática, que lidera o ranking das vendas internacionais e vem também ocupando fatia crescente do comércio com Brasil, Rússia e Índia.
Todavia, os interesses comuns são consideráveis e cresceram no rastro da crise mundial. O BRIC sofreu menos os impactos da recessão americana e se recuperou mais rapidamente, puxando a economia internacional para o leito do desenvolvimento. Isto fortaleceu politicamente o “bloco”.
Conforme afirmou o diretor do Instituto de Estudos da Ásia e Pacífico, Li Xiangyang, durante o seminário, enquanto as potências europeias, o Japão e os EUA continuam atolados na crise, com pálidos sinais de recuperação e lidando com assombrosos déficits fiscais, os problemas dos países do BRIC decorrem do crescimento, que alguns consideram excessivo, pressões inflacionárias e fluxo de capitais estrangeiros especulativos.
Ordem mundial caducou
A crise evidenciou o esgotamento da ordem capitalista mundial, herdada do pós-guerra e ancorada na supremacia do dólar, e acentuou a necessidade de uma nova ordem, em harmonia com o desenvolvimento desigual, especialmente da China, e a mudança consequente da correlação de forças no plano econômico.
O que está em foco, de acordo com o ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, é “saber se algumas nações continuarão a se achar superiores e, portanto, com mais direito ou não”. Na mesma linha, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ponderou que a intenção não é formar uma “aristocracia dos emergentes”, mas dar voz e poder aos mais pobres.
“Essa perspectiva”, observa o presidente do IPEA, Marcio Polchmann, “nos coloca numa posição estratégica para fazer proposições que estejam em sintonia com os desafios mundiais. São problemas comuns, como é o caso do meio ambiente, a mudança do perfil de consumo nos países, a questão monetária e a governança global".
Questão nuclear
“Estamos num processo de rearticulação do sistema político e econômico internacional e, nesse processo ou as regras continuarão a privilegiar alguns países ou teremos uma situação de acordo com a dimensão das nossas sociedades”, salientou Pinheiro Guimarães. Entre os problemas candentes destaca-se os da chamada questão nuclear.
“Precisamos saber quem controlará o processo nuclear”, disse o ministro de Assuntos Estratégicos. “No fundo há uma disputa tecnológica e científica entre países”. A tentativa das potências ocidentais de impedir o desenvolvimento da tecnologia nuclear no Irã, Coreia do Norte e outros países reflete isto.
O Brasil adotou uma posição firme a este respeito, apesar da pressão dos EUA, rejeitando sanções contra o país persa e pregando o diálogo e, a julgar pelo ministro Celso Amorim, a posição do Brasil se aproxima da que é defendida hoje pela China, apesar da mídia americana ter divulgado a falsa versão de que os dirigentes chineses estão afinados com a tática do imperialismo americano, de impor novas sanções aos iranianos.
Substituição do dólar
Outro dilema avaliado pelo BRIC é de um novo Sistema Monetário Internacional (SMI), que passa pela substituição do padrão dólar como moeda internacional. Isto não vai ser resolvido a curto prazo, mas iniciativas embrionárias neste sentido como a diversificação das reservas (ainda atreladas ao dólar) e experiências de trocas comerciais com moedas locais na América Latina e na Ásia.
“O atual sistema monetário internacional é desfavorável aos países em desenvolvimento”, comentou Li Yang, que também defendeu mudanças no FMI e, segundo o jornal Valor (15-4), foi apoiado por Marcio Polchmann, que preconizou uma aliança entre os países do BRIC para “um novo padrão de consumo e produção”. O Brasil e a Rússia também estão defendendo transações comerciais entre os países do grupo com base nas moedas próprias, descartando o dólar.
Ao lado da reunião do BRIC, Brasília também foi palco de uma outra importante reunião, a 4ª Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo do IBAS (grupo composto por Índia, Brasil e África do Sul), cujo documento final (Declaração de Brasília) defende uma reforma urgente da ONU e a conclusão da Rodada Doha no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
As duas reuniões (do BRIC e do IBAS) apontam a mesma necessidade de uma reformulação urgente e ampla da ordem econômica e política internacional, que ficou ainda mais caduca após o estouro da crise mundial do capitalismo nos EUA.
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