Dom Pedro Casaldáliga *
Como fica então? Política sim ou política não?
Nesta nossa Agenda Latino-americana Mundial de 2008, depois de termos falado de democracia na Agenda 2007, achamos mais que oportuno falarmos de política.
Deve-se reconhecer que a decepção que vem provocando a política, praticamente em todos os países, cria uma atitude de desconfiança, de desprezo e até de indignação frente à política. Quais são as causas? Infelizmente é fácil enunciá-las: os escândalos de corrupção e nepotismo, a falsidade das promessas eleitorais, as alianças espúrias, a inércia interesseira das oligarquias nacionais e a submissão dos governos e políticos à macro-ditadura do capitalismo neoliberal...
A experiência coletiva, em quase todos os países, sobretudo no Terceiro Mundo, é de uma dança de siglas que encobrem, todas elas, a mesma pseudopolítica reinante no poder, no lucro, no privilégio. Tem-se feito da política um negócio, o recurso das elites que se sucedem, sempre as mesmas, abertamente na direita, consagrando o status quo. A charge diz: "Chega de fazer política com a política! Deixem a política para o que ela é: para fazer negócios!".
Essa política deve morrer. Já é mundialmente uma política morta para a sociedade que quer viver humanamente e construir um futuro autenticamente democrático, humanizador, participativo, sem essas desigualdades que clamam ao céu. A economia cresce, mas cresce simultaneamente a desigualdade. Os planos estruturais de ajuste, exigidos dos países pobres, pela política em exercício, fracassaram, cobrando-se muita dor, muita miséria e até muito sangue. "O processo atual de globalização, escreve Stiglitz em seu livro Como fazer que funcione a globalização, está provocando uns resultados desequilibrados tanto entre países como dentro dos mesmos. Cria-se riqueza, mas são demais os países e as pessoas que não partilham seus benefícios... Estes desequilíbrios globais são moralmente inaceitáveis e politicamente insustentáveis". Tem-se afirmado oportunamente que a desigualdade assassina a mundialização; e se convoca para um processo múltiplo em lugares e em modos a serviço de uma "mundialização eqüitativa", que reparta o bem-estar e que suprima a miséria.
Temos que fazer da política um exercício básico de cidadania. A cidadania é o reconhecimento político dos direitos humanos. Porque somos humanidade, somos sociedade. O filósofo italiano Giorgio Agamben afirma: "A separação entre o humano e o político que estamos vivendo na atualidade é a fase extrema da excisão entre os direitos do homem e os direitos do cidadão".
Nossa Agenda faz um percurso pela história da política. Confronta o exercício da política real com os direitos humanos, com a cidadania, com as culturas, com a laicidade e o diálogo inter-religioso, com a ecologia, com os meios de comunicação. Essa política real tem nas mãos a manipulação da opinião pública e «a colonização das subjetividades». Para a maior parte da humanidade é uma política que deve morrer, que já é uma política morta. E, entretanto, a política, a outra política, não pode morrer, precisamente porque a humanidade não pode viver sem ela. A política é a organização da vida humana, o processo da sociedade. A política é mais que uma dimensão, abrange todas as dimensões da vida social.
Denunciando em nossa Agenda a política iníqua, reivindicamos a verdadeira política. Uma política «outra», de justiça, de transparência, de serviço, de participação. Programada e vivida localmente e mundialmente. Renovando as instâncias tradicionais, muitas delas caducas e injustas, e propiciando instâncias novas. Formando politicamente a cidadania. Sugerindo atitudes, processos, campanhas; ajudando a buscar soluções. Sabemos que «agenda» é «o que se deve fazer». Esta edição da nossa Agenda, então, quer ajudar a pensar e a assumir o que se deve fazer para que a política viva, ressuscitada, longe dos «sepulcros caiados», e seja uma política humana e humanizadora.
Com Max Weber, queremos distinguir entre a política como profissão e a política como vocação. Rubem Alves escreveu, num memorável artigo "Sobre política e jardinagem": "De todas as vocações, a política é a mais nobre... De todas as profissões, a profissão política é a mais vil".
Vários especialistas escrevem em nossa Agenda, propiciando informação e pistas de ação, particularmente em áreas mais profanadas ou mais esquecidas: política e direitos humanos, a mulher e a política, a política e os meios de comunicação, a política e o movimento popular, a política e as culturas, a política e a religião, a política e a economia.
* Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) e um dos mais importantes militantes brasileiros pelos direitos humanos
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