15 abril 2016, Sputnik Brasil http://br.sputniknews.com
(Rússia)
Pepe
Escobar
O analista de geopolítica internacional Pepe Escobar* escreve: "Como uma metáfora do estado avançado de putrefação que assola todo o sistema político de uma das principais nações do Sul Global, nada chega perto do que está prestes a acontecer no Brasil."
O líder notoriamente
corrupto da câmara baixa do Parlamento Brasileiro, Eduardo Cunha — titular
de 11 contas suíças ilegais, indicado na documentação do Panamá e indiciado no
Supremo Tribunal Federal — tem agendada uma votação em plenário crucial
sobre a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff para este
próximo domingo. Domingo, tradicionalmente, é o dia em que a esmagadora maioria
dos brasileiros relaxa assistindo a futebol na TV.
Cunha também tentou
definir as regras do jogo; a chamada iria começar com os estados do sul
mais ricos, que são mais favoráveis ao impeachment – um eufemismo para a
mudança de golpe, o culminar da estratégia de guerra híbrido suave implantado
desde o início pelos suspeitos sempre aliados com a oligarquia, as elites
brasileiras.
Este procedimento de
votação
agora mudou — irá alternar estados do norte e do sul – para criar
uma onda no plenário da Câmara no sentido de impeachment, permitindo assim a
entrada gloriosa de outro bandido, o atual vice-presidente Michel Temer. De
qualquer forma, a magnífica peça da dupla deve produzir Temer como presidente e
Cunha como vice.
A corrida em direção
à farsa de domingo foi monopolizada pela mídia mainstream, controlada por
quatro famílias, pretendendo criar uma inevitabilidade do impeachment. E, no
entanto, todas as apostas estão fora. A oposição à Rousseff, cada vez mais
desesperada, não arregimentou todos os dois terços necessários dos traidores no
momento da votação na Câmara. A questão deve, então, ser encaminhada ao Senado.
E a Suprema Corte também deve pronunciar-se sobre se Rousseff cometeu um “crime
de responsabilidade”. Ela está sendo acusada de truques de contabilidade que
supostamente deturpou o estatuto fiscal do governo, algo que todo presidente
brasileiro tem feito, para não mencionar líderes em todo o mundo. Em paralelo,
grandes vertentes da sociedade civil estão agora se mobilizando para garantir
que o golpe será derrotado no Congresso e nas ruas.
Esta saga não tem
nada a ver com corrupção, supostamente o principal motivo. É tudo oportunismo
político sujo. O plano do conspirador vice-presidente Michel Temer foi revelado
através de um vazamento de áudio no noticiário noturno do império Globo. O
ângulo era criar um clima positivo no sentido do impeachment, com Temer já
atuando como presidente e posicionando-se como o portador pródigo (e
facilitador) de boas notícias.
Temer em seguida
passou a ultrapassagem da mídia, afirmando que, sim, ele está qualificado para
a presidência. Se o movimento de impeachment for derrotado, ele deve
permanecer como vice-presidente. Ele insiste que não há golpe, enquanto
abominando a possibilidade de uma nova eleição geral, porque isso representaria
uma “ruptura constitucional”. Macbeth? Não, apenas um oportunista paroquial
humilde. Então, onde está Lula em toda essa confusão?
Gleen Greenwald
conduziu uma extensa entrevista com o ex-ícone político presidente, onde ele
defende o governo. Compare-o com a vista da cidade de Londres, para qual, é
claro, isso não é um golpe. O que importa é o bem-estar dos “investidores
estrangeiros”, como se o governo brasileiro tivesse a obrigação em primeiro
lugar em relação a eles. Bem, é factível. Mesmo com Rousseff não acusada de
qualquer delito, ao contrário do mote do Congresso farsa que quer derrubar seu
governo. Dos 65 membros da comissão do Congresso farsa que votaram no
impeachment, 35 dos 38 votos dos que votaram a favor estão sendo investigados
por corrupção.
A maior parte da
sociedade civil, liderada por movimentos sociais e universidades e círculos de
intelectuais, se posicionaram com força sobre o golpe. Com uma nuance crucial,
eles estão atrás de Lula, pessoalmente, não o Partido dos Trabalhadores, que é
de fato contaminado pela corrupção.
Os grandes interesses
industriais/bancários concentrados em São Paulo – estado mais rico do Brasil e
superpotência econômica do país – apoiados pela maioria dos meios de
comunicação agora mudam-se para o centro, com o lema “Não Dilma e nenhum
Temer”, já concentrados nas eleições de 2018. No entanto, o que já aconteceu no
tabuleiro de xadrez em constante evolução foi a dizimação dos
ex-social-democratas, o PSDB.
Esses comparsas de
Wall Street/City of London só podem contar com a Lava Jato e
as investigações relacionadas com o escândalo e a influência de CEOs de
grandes empresas com sede em São Paulo. Seu santo padroeiro é o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, ex-desenvolvimentista social, “Príncipe dos
Sociólogos”, que virou um mero paperboy das elites. Ele conseguiu alienar tanto
os sociais-democratas quanto os direitistas estridentes.
Sim, isso é tudo
sobre as eleições de 2018, porque o impeachment significa, em poucas
palavras, a reversão judicial através de um golpe branco do resultado de 2014,
quando Rousseff foi reeleita. No entanto, todas simulações recentes revelam que
Lula ainda tem chance para 2018, embora sua percentagem de rejeição popular
permaneça elevada. Por mais que emerja como o grande conciliador, estes números
vão ser revertidos.
O governo de
Rousseff, nos últimos dias, conseguiu organizar uma base um pouco minimalista
capaz de impedir o impeachment, mas ainda incapaz de assegurar a
governabilidade. Pelo menos o Supremo Tribunal agora parece estar finalmente
inclinado a examinar os méritos jurídicos do processo de impeachment. O que é
certo é que o império da Globo, no último trecho, vai torcer o voto no sentido
do impeachment. É assim que o complexo judicial/mídia funciona.
A Operação Lava Jato
é o remix brasileiro da década de 1990 com a Operação Mãos Limpas da Itália. O
juiz Gherardo Colombo, que fez parte da Operação Mãos Limpas, visitou o Brasil
e explicou o que aconteceu a seguir: a investigação correu para baixo, porque o
cidadão italiano médio ficou desmotivado com a divulgação de escândalo após
escândalo.
Esta nova luz sobre a
Operação Lava Jato de tentar incriminar Lula por todos os meios foi a gota
d´água que pôs a nu para a maioria o “Brasil profundo”, o fato incontestável de
uma “luta contra a corrupção” altamente politizada. A bola está agora com o
procurador-geral. Ou ele se posiciona como um partidário humilde ou com um
Ministério Público necessariamente imparcial. Isto poderá implicar “salvar”
Rousseff, mas ao mesmo tempo pode manchar o capital político de Lula.
Para o Supremo
Tribunal, agora é mais do que óbvio que eles devem autorizar uma ação legal
contra Cunha, tendendo pelo afastamento inevitável como presidente da Câmara.
Até mesmo o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, apelidou-o de uma farsa
surrealista, “o mundo de cabeça para baixo” e de tentar afastar um presidente
honesto que sempre favoreceu a luta contra a corrupção. O “segredo” de toda a
conspiração parlamentar – alheia para a mídia corporativa ocidental – é que
esses bandidos que votarão pelo impeachment no domingo tentam, por todos
os meios, escapar das garras da Operação Lava a Jato.
Em meio a esse bando
é difícil encontrar uma saída pacífica. Supondo que o movimento pelo
impeachment seja aprovado na Câmara, o Senado poderia ter até 11 de maio para,
finalmente, entregar seu veredito. Rousseff seria então automaticamente
suspensa por até 180 dias, durante os quais a presidente será julgada. Missão
cumprida?
*Pepe Escobar,
jornalista investigativo independente
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