4 abril 2016, Outras Palavras http://outraspalavras.net
(Brasil)
Por Pepe Escobar
Em meio a cenário global turbulento,
Pequim prepara-se mergulhar na economia da inovação, unir a Ásia por rede de
ferrovias e infra-estrutura e enfrentar hegemonia financeira de Washington
Consumido por incontáveis
manifestações da própria crise existencial, mais uma vez o ‘ocidente’ não viu
ou subestimou o mais importante show na política chinesa – as famosas “duas sessões”, a Conferência Política Popular
Consultiva e o Congresso Nacional do Povo, o mais alto corpo legiferante do
país – que concluiu com a aprovação do 13º Plano Quinquenal da China.
Evento chave foi o comunicado, pelo
premiê Li Keqiang, de que Pequim trabalha para alcançar crescimento médio, de
2016 a 2020, superior a 6,5% ao ano – baseado em “inovação”. Se forem bem-sucedidos,
à altura de 2020 nada menos que
60% do crescimento econômico da China virá de
avanços no campo da tecnologia e da ciência.
O presidente Xi Jinping foi ainda
mais ousado, e prometeu duplicar o PIB da China até 2020, considerados os
números de 2010; e a renda dos chineses, habitantes urbanos e rurais. Esse é o
sentido prático do Sonho Chinês, a política oficial de Xi, imensamente
ambiciosa, e tradução contemporânea de “uma vida satisfatoriamente confortável
para todos” – que o Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping prometeu aos chineses há
quase meio século.
Economicamente, o mapa de Pequim
para o caminho adiante inclui liberar taxas de juros; manter estável o yuan
(tipo sem-desvalorizações-espetaculosas); e controlar “efetivamente o fluxo
anormal de capital através das fronteiras”. Para que esse maciço esforço
coletivo dê frutos, o premiê Li foi diretamente ao ponto, é essencial trabalhar
muito duro. O que se traduzirá em “tolerância zero” para quem boicotar ou
frustrar os planos e “sala de correição” para quem cometa erros. Os inovadores
serão lindamente recompensados.
O Sonho Chinês de Xi alcança agora
velocidade de trens-cometas. O 100º aniversário do Partido Comunista
Chinês (PPC), em 2021, é praticamente amanhã; daí a pressa para alcançar o
objetivo já declarado de “construir um país socialista moderno”. Mesmo assim,
duplicar o PIB é tarefa para titãs, se você tem população que envelhece muito
rapidamente, propriedade privada massiva acintosa (e isso ainda é eufemismo) e
dívida crescente.
Tudo terá de ser perfeitamente
calibrado. Por exemplo, a China usou mais cimento entre 2011 e 2013 do que os
EUA usaram durante todo o século 20; grande parte disso, para nada. Como destacou Jia Kang, membro da Comissão
Política Consultiva, “a meta dos 6,5% [de crescimento] é o mínimo que de modo
algum poderá ser atropelado (…) se o crescimento se tornar lento demais ao se
aproximar daquela meta mínima, haverá políticas pró-crescimento”.
Entra em cena a Xi-conomia
Mesmo com a economia organizada para
“encolher” até crescimento de 6,5% ao ano, o PIB chinês previsto para 2020 deve
alcançar 25 trilhões de yuan ($3,8 trilhões) a mais, em relação a 2014.
Significa crescer, em 5 anos, uma Alemanha: a diferença entre 2014 e 2020
equivale praticamente a todo o PIB alemão.
O premiê Li, bem à maneira chinesa,
comentou que em 2016, “Ano do Macaco”, terá de empunhar o bastão mágico com ponteiras de
ouro de Sun Wukong, o macaco mítico, para “vencer
todos os obstáculos” que apareçam para impedir que Pequim alcance suas
ambiciosas metas econômicas.
E assim entra em cena a Xi-conomia.
A Xi-conomia é sucessora da Li-conomia –, o que significa dizer que Xi, não Li,
é o real timoneiro à frente das reformas econômicas chinesas, embora Li, não
Xi, seja o doutor em Economia, diplomado na Universidade de Pequim.
Todos, na China, estão falando da
Xi-conomia, porque o People’s Daily está publicando uma série de artigos
elogiando “o pensamento econômico de Xi Jinping”. Na prática, o pensamento está
resumido na informação de que Xi preside o Grupo Condutor Central para Reformas
Profundas Abrangentes e o Grupo Condutor Central para Assuntos de Finança e
Economia. Na China, esses dois corpos são, normalmente, presididos pelo
primeiro-ministro.
O 13º Plano Quinquenal está fortemente
marcado pela Xi-conomia. É crucialmente importante saber que, antes de a versão
final estar redigida, Liu He, principal assessor de Xi, falou muitas e muitas
vezes ao telefone com Jacob Lew, secretário do Tesouro dos EUA; os dois
discutiram detalhadamente as políticas de câmbio da China.
Um dos aspectos-chave da Xi-conomia
é que Pequim dará preferência a aquisições e fusões de empresas estatais, não a
privatizações. Economistas interpretaram o movimento como um estímulo de Xi ao
capitalismo de Estado para avançar sobre muitos mercados externos – muitos dos
quais virgens –, para compensar o crescimento doméstico mais lento.
E isso, afinal, leva à importância
crucial atribuída às Novas Rotas da Seda – ou grande plano “Um Cinturão, Uma
Estrada” [ing. One Belt, One Road (OBOR)], na terminologia oficial
chinesa. Empresas estatais terão papel chave no OBOR – o qual, estará,
essencialmente, construindo a Eurásia em integração mediante um imenso empório
transeurasiano.
O plano “Um Cinturão, Uma Estrada” é
o único plano de integração econômica global hoje em operação (não há planos
B), e implica quase $1 trilhão em investimentos futuros já anunciados. Em junho
passado, o Banco de Desenvolvimento da China anunciou que investirá alucinantes
$890 bilhões em 900 projetos do plano “Um Cinturão, Uma Estrada” distribuídos
em 60 países. Aí se inclui uma ferrovia crucialmente importante, de 2.000 km de
extensão, para trens de alta velocidade, que ligará Xinjiang a Teerã, item
essencial da crescente parceira estratégica para energia/negócios/comércio
entre China e Irã.
Internamente, o principal desafio de
Pequim parece ser a pacificação de Xinjiang – nodo chave do plano “Um Cinturão,
Uma Estrada”. Há um esforço para encorajar a construção de blocos residenciais
integrados, como destacou o premiê Li, em cidades onde uigures e chineses hans
vivem ainda segregados desde os tumultos de 2009, especialmente em Urumqi,
capital da província de Xinjiang. Estudantes uigures também serão estimulados a
frequentar escolas dos hans chineses. Se tudo isso dará certo ou não dependerá
em grande medida de os quadros encarregados dos governos provinciais seguirem
estritamente a orientação integracionista de Pequim.
Tudo tem a ver com Xi
Pequim está sem descanso aumentando
o próprio poder soft, paralelo ao poder econômico; o lançamento do Banco
Asiático de Infraestrutura e Investimento (BAII) – que será chave para muitos projetos
do plano Um Cinturão, Uma Estrada – corresponde ao estabelecimento de uma Zona
de Identificação Aérea de Defesa , ZIAD [ing. Air Defense Identification
Zone (ADIZ)] no Mar do Leste da China e construção turbo-rápida em vários
locais do disputado Mar do Sul da China.
Não por acaso, a CIA envia
seus próprios sinais, insistindo em que os EUA “ficariam incomodados” [orig. would
be uneasy] ante a probabilidade, no longo prazo, de a China dominar a
segurança da Ásia Central e do Sul.
Pequim não parece exatamente
preocupadíssima. A reforma do Exército Popular de Libertação (EPL) também
avança – e estará completada em 2020. A reforma, coordenada pela Comissão
Militar Central, visa promover melhor coordenação entre as quatro forças
armadas “para vencer guerras”, nas palavras do próprio Xi.
Xi já anunciou que antes de 2017 o
EPL será suportado por nada menos que 300 mil empregos – mas continuará a
contar com 2 milhões de soldados na ativa. Outro objetivo chave é desenvolver a
China como potência marítima – totalmente capaz de monitorar o tráfego aéreo e
de superfície em todo o Mar do Sul da China.
Por exemplo, Pequim instalou o
poderoso sistema de defesa HQ-9 aéreo e de mísseis em Yongxing no arquipélago
Paracel – habitado por cerca de mil chineses desde 1956, mas também reclamado
pelo Vietnã e por Taiwan. O HQ-9 tem potência suficiente para converter áreas
enormes de território em virtuais zonas aéreas de exclusão. Só os bombardeiros stealth
F-22 Raptor e B-2 Spirit podem operar com relativa facilidade nas vizinhanças
de um HQ-9.
Por trás dessas reformas militares
chinesas, o objetivo jamais enunciado é bem claro: melhor os militares
norte-americanos não começarem a ter ideias engraçadinhas; e não só no Mar do
Sul da China, mas, também, em todo o Pacífico Oriental.
A estratégia chinesa de
antiacesso/áreas vedadas está em pleno andamento. E Xi está ali, bem atrás dela
– agora já amplamente considerado, mesmo no nível das províncias, como o
“núcleo” (hexin) de todas essas reformas. Podem chamar de consolidação
do poder em velocidade de raio. E podem espalhar que toda a China já fala
muito, muito, sobre setembro, quando o país hospedará a próxima reunião do G20,
em Hangzhou. O 13º Plano Quinquenal acaba apenas de ser aprovado, mas a China
já pensa, e mentalmente já vive, em 2020.
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