30 julho 2015, Gazeta Russa http://br.rbth.com/brics (Rússia)
Resultados
gerados entre cúpulas de Fortaleza e Ufá começam a criar estruturas paralelas
às do "Ocidente global".
A cúpula do Brics,
que ocorreu em julho na cidade russa de Ufá, concomitantemente à cúpula da
Organização para Cooperação de Xangai, não foi apenas a prova simbólica de que
o Ocidente não conseguiu isolar a Rússia com suas sanções. No ápice da presidência
russa no Brics, a reunião introduziu elementos importantes no novo cenário
multipolar mundial, resultando em uma série de soluções práticas.
Nesse sentido,
justifica-se o investimento que a Rússia fez na cúpula. Segundo as autoridades
da Bachquíria, ela custou 14 bilhões de rublos (R$ 790 milhões), embora há dois
anos seus custos fossem estimados em 65 bilhões de rublos (R$ 3,65 bilhões).
A população total dos
países representados em Ufá soma mais de 40% da população mundial. Além disso,
eles produzem um terço do PIB global.
No entanto, o Brics
não é um bloco no sentido tradicional da palavra, e dele não devemos esperar os
resultados que se esperam de tais alianças. O grupo está mais para uma
organização para a cooperação, com trocas de experiências e a esperança do
desenvolvimento de um novo conceito nas relações econômicas.
Os países
do Brics divergem em seus valores e objetivos geopolíticos. Cada um vive
situação econômica diferente.
A China está
desacelerando o crescimento para menos de 7% ao ano. As economias brasileira e
russa vão diminuir neste ano entre 1,5% e 3,5%.
A Índia exibe,
otimista, quase 8% de crescimento, enquanto a África do Sul, de 1% a 2%.
Mas até economias que
não sejam tenham ligações de sinergia podem influenciar em uma arquitetura da
cooperação econômica internacional que, pela primeira vez após a 2ª Guerra Mundial,
não tem a participação dos Estados Unidos ou de qualquer dos países do G-7.
Os países-membros do
Brics mantêm hoje suas relações econômicas mais focadas no "Ocidente
global" (União Europeia e Estados Unidos, além de Japão). O volume de
negócios que a China e o Brasil têm com os Estados Unidos, por exemplo, é muito
superior ao volume de negócios que têm com a Rússia.
Ninguém pretende
abandonar voluntariamente essa estrutura de relações econômicas externas em um
futuro próximo (as sanções impostas à Rússia, que precisa buscar alternativas
ao Ocidente, é outra história).
E isso de modo algum
interfere na diversificação das relações externas, principalmente com a criação
de uma ferramenta para tomada de decisões coletivas que seja independente do
"Ocidente global".
O Brics procura novas
fontes de crescimento. Um exemplo disso é a integração da União Econômica da
Eurásia com a Rota da Seda, criada pela China, que atravessará o sul e centro
da Ásia para chegar à UE.
Em maio, os
presidentes russo e chinês, Vladímir Pútin e Xi Jinping, chegaram a um acordo
para atenuar a competição demasiada entre a União Econômica da Eurásia e a
"Rota da Seda".
A Organização para
Cooperação de Xangai, que integra países participantes de ambos os projetos, é
uma plataforma conveniente para alcançar esse objetivo, especialmente após a
adesão da Índia e do Paquistão.
Muitos se perguntam o
que pode haver em comum entre a África do Sul, cuja economia na atualidade está
mais perto da estagnação, e os autossuficientes Índia e Brasil. Quem não
encontra respostas a essa questão está olhando para o dia de hoje, e não para o
amanhã.
A África do Sul é, em
muito, uma porta de entrada para toda a África. E não só porque se trata de um
dos países mais desenvolvidos do continente, mas também porque, com os devidos
investimentos infraestruturais (já ativamente feitos pela China), é justamente
a África, continente que mais cresce no planeta, quem tomará a dianteira como
uma das maiores produtoras de minerais para alimentar a economia global.
Após a cúpula de Ufá,
entrou em atividade o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, cujo capital tem
potencial para chegar a US$ 100 bilhões. Trata-se de uma estrutura de
financiamento independente das demais organizações financeiras internacionais –
fator importante uma série de empresas russas que se encontram na mira das
sanções ocidentais. Ou, por exemplo, para a Crimeia.
A função do banco é
semelhante, por exemplo, à do Banco Europeu de Desenvolvimento, ou seja, apoiar
pequenas e médias empresas, conceder créditos aos bancos comerciais e dar apoio
a projetos individuais dos países do Brics.
O banco será parte de
uma nova rede financeira internacional, paralela à já existente sob os
auspícios do FMI e do Banco Mundial.
Assim, sob a
iniciativa da República Popular da China, criou-se anteriormente o Banco
Asiático de Investimentos em Infraestrutura, com capital que chega aos US$ 100
bilhões, dos quais a China detém 16% e a Rússia, cerca de 6%.
A esse já se uniram
mais de 40 países. O Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura deve
competir com o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento, dominado
pelos Estados Unidos e Japão, que não participam da nova instituição.
É significativo o
fato de a China, a segunda maior economia do mundo, estar, no Banco Mundial,
classificada entre os votantes de "segunda categoria" e possuir
apenas 5% de participação do Banco Asiático de Desenvolvimento, contra os 15%
detidos por EUA e Japão.
No âmbito do Brics
está sendo criado um fundo condicional de reservas cambiais. Ele será uma
ferramenta de estabilização dos mercados de capitais nacionais em casos de
crise.
Além disso, o fundo
independe do Banco Mundial e do FMI, que, por vezes impõem condições de
motivação política para conceder ajuda.
Em caso de
necessidade, a China fornecerá US$ 41 bilhões ao fundo de reserva,
Rússia, Índia e Brasil entrarão, cada um, com US$ 18 bilhões e África do
Sul, com US$ 5 bilhões.
O Brics ainda planeja
criar um sistema de pagamentos próprio, para deixar de depender das estruturas
ocidentais também nesse quesito. Afinal, a Rússia já enfrentou dificuldades
quando a Visa e a MasterCard impuseram sanções contra seus bancos. Já a China,
que primeiro criou seu próprio sistema de pagamento e só depois abriu seu
mercado aos sistemas ocidentais, evitou maus bocados.
No ano passado, na
cúpula de Fortaleza, falou-se muito da possibilidade de se criar uma moeda
única que pudesse substituir o dólar e o euro. Os problemas crônicos do euro e
do dólar não desapareceram, e o distanciamento desses está, de uma forma ou de
outra, na agenda dos países que não querem ser passivos à atuação do Ocidente.
Começando pela
transição para seu próprio sistema de pagamento eletrônico, os países do Brics
chegarão, mais cedo ou mais tarde, à criação de uma moeda comum. No entanto,
isso deverá acontecer em condições completamente novas, onde não apenas o dólar
e o euro dominarão o mundo, mas também o yuan conversível, assim como as moedas
digitais intituladas "criptomoedas" (como os bitcoins).
Além disso o Brics
poderá implementar um projeto em grande escala de diversificação de fontes de
financiamento. Essa necessidade é premente não apenas na Rússia, mas em muitos
países que se encontram insatisfeitos com a política do FMI e a incapacidade
deste em se reformular e se tornar mais adequado ao cenário mundial
contemporâneo.
Assim, comparar as
novas estruturas financeiras do Brics, que têm a sua disposição cerca de US$
200 bilhões, com as do Banco Mundial, que maneja US$ 2 trilhões, não é correto.
Afinal, se, por exemplo, contabilizarmos em dólares, no valor de hoje, o Plano
Marshall norte-americano do pós-guerra, teremos um valor de apenas US$ 103
bilhões. No entanto, a seu tempo, ele foi mais que suficiente para implementar
as metas a que se propôs.
Ou seja, a
importância, aqui, está não só no montante total de investimentos, mas no
funcionamento apropriado de um mecanismo novo de tomada de decisões para a
criação de uma infraestrutura financeira alternativa ao FMI e ao Banco Mundial.
Infraestrutura essa que seja mais justa, e não baseada na dominação de um país
ou grupo de países.
*Gueórgui Bovt é cientista político e
membro do Conselho de Política Externa e Defesa
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