30 julho 2015, ADITAL Agência Frei Tito para a America Latina http://www.adital.com.br (Brasil)
Érica Aragão
cut.org.br
"Hoje, nós
estamos vendo aí jogadas políticas que nos lembram muito 1964”, afirma o filho
do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart. Para ele, as semelhanças são
reconhecíveis. João Vicente está se referindo à comparação do momento que vive
o Brasil com aquilo que seu pai, João Goulart, viveu no processo da derrubada
do governo. Em sua avaliação, o financiamento empresarial é a grande conexão
entre hoje e 1964.
Segundo o
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), uma campanha para
eleger um deputado não sai por menos de R$ 2 milhões, e a de senador, por menos
de 5 milhões.
"É onde entram
as grandes empresas. Financiam campanhas em forma de doações e seus benefícios
garantidos através de acordos. É aí que se criam as bancadas de interesses
empresariais. A bancada da bala, a bancada evangélica, a bancada ruralista,
entre outras, que criam segmentações de bancadas que fazem políticas pelos
interesses daqueles que os financiaram. Temos aí uma semelhança muito grande
com a eleição de 1962, ano em que se iniciou o processo do golpe”, explica João
Vicente.
João Goulart ficou
conhecido como o presidente brasileiro que propôs reformas estruturais e
aprovou direitos trabalhistas, como o 13º salário, e direitos eleitorais, como
o voto para analfabetos. Isto agradou uma grande parte da população, mas não
agradou muito a elite, que teria menos lucros com os benefícios dados aos
trabalhadores.
Segundo João Vicente,
João Goulart, conhecido popularmente como Jango, teve seu mandato de presidente
da República interrompido por um golpe parlamentar financiado pela CIA, agência
de
inteligência estadunidense, com interesses baseados nos grandes lucros.
Jango substituiu Jânio Quadros, que renunciou em 1961. "A eleição para o
Congresso, em 1962, financiada pela CIA, elegeu mais de 140 parlamentares,
entre deputados e senadores, para derrubarem Jango”, observa ele.
O ex-embaixador dos
EUA no Brasil Lincoln Gordon, quando esteve no Brasil, em 2002, para lançar um
livro sobre o período de 1964, afirmou, no programa Roda Viva, da TV Cultura,
que usou a CIA, com dinheiro americano, para depor o presidente João Goulart.
"Lincoln falou que foram usados 5 milhões de dólares de verba secreta para
derrubar Jango, que já era presidente na época e propunha várias reformas que
atingiriam os privilégios das elites, que é o que está acontecendo hoje”,
afirma João Vicente.
A mídia também teve
grande participação no golpe. "Jango ficou taxado pela grande mídia de
comunista, porque quando o presidente Jânio Quadros renunciou, ele, que era
vice e deveria assumir o poder, estava na China. Na época, quem era amigo da
China era comunista”, explica.
Várias manchetes
foram decisivas para aumentar a quantidade de pessoas nas marchas que
aconteciam naquela época, tudo articulado para o golpe. Uma marcha bem
conhecida e que contribuiu para a derrubada de Jango foi a "Marcha da Família
com Deus pela Liberdade”, que reuniu mais de 500 mil pessoas na Praça da Sé.
Eventos considerados
aparentemente "desconexos” foram tomados como reações espontâneas de
segmentos da população. Na verdade, essas manifestações apresentavam uma sólida
coordenação por parte da elite através da imprensa.
Para o sociólogo e
jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, a mídia sempre esteve ao lado das forças
das elites mais conservadoras contra os movimentos populares, contra os
governos que têm origens mais populares. "Isso se mantém até hoje quase
que de forma indistinta. Talvez, até em 1964, a gente pode dizer que a força da
imprensa, apesar de poderosa, inclusive, teve participação decisiva no golpe,
era ainda naquela época menor do que é hoje”, afirma o jornalista.
Naquela época, a
televisão não estava em todas as casas. Hoje, mais de 90% têm televisão em casa
e 95% das pessoas se informam pela TV. "A televisão é mais concentrada
ainda, do ponto de vista político e ideológico, do que os jornais que ainda abrem
um espaço ou outro para um comentário alternativo, para falarem que são
imparciais. A televisão não. A televisão é monolítica e faz esse papel com
muita força e é ela que encabeça o processo golpista no Brasil, isso sem
dúvida”, destaca Lalo.
O Diap também cita,
em sua publicação, "Radiografia do novo Congresso, legislatura 2015-2019”,
que o Congresso Nacional é, hoje, o mais conservador desde a redemocratização
do país, no fim da década de 1980.
"Esse congresso
eleito em 2014 está comprometido com o dinheiro, com o qual eles foram
financiados. É por isso que eles não têm nenhum pouco de responsabilidade com o
povo brasileiro, sequer obrigação”, diz, emocionado, João Vicente ao comparar
com a história em 1964.
"Esse presidente
da Câmara, Eduardo Cunha, por exemplo, é unha e cara lavada do então presidente
do Senado, Aldo Moura de Andrade, que decretou vaga a Presidência da República,
em 1964, legitimando o golpe civil e militar com o presidente dentro do país,
em Porto Alegre [Estado do Rio Grande do Sul], tentando resistir”, destaca o
filho do Jango.
"As elites não
aguentam mais perder eleição. Estão se articulando tipo um cavalo de corrida
paraguaio, como aconteceu com o presidente Lugo [Fernando Lugo, do Paraguai],
com um Congresso comprometido com essas elites, comprometido com grandes
financiamentos, e isso é uma consequência da falta de uma reforma política,
assim como Jango queria na época, reformas estruturais para o país. Nós estamos
falando de reformas há 50 anos e até hoje não houve”, critica João Vicente.
"As semelhanças
que estão aí, apesar da grande diferença temporal, são semelhanças muito
cognitivas: o Congresso da época, o golpe que estava sendo preparado em 1964 e
as movimentações de traições políticas, como as que vêm acontecendo hoje,
principalmente na base parlamentar de sustentação ao governo”, lembra João
Vicente.
"Hoje, nós
estamos na mesma situação, tanto no que se refere à mídia quanto ao Congresso e
ao financiamento empresarial. Está na hora de uma grande frente nacional. Acho
que os partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e populares
deveriam fazer essa frente e lutarem por alguns pontos comuns, que são: não ao
retrocesso, não ao ajuste fiscal, e para exigir mais direito para os
trabalhadores e mais conquistas sociais”, finaliza João Vicente, que também é
diretor do Instituto João Goulart, no Rio de Janeiro.
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