3 agosto 2015, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)
Kumuênho da Rosa
Há sensivelmente um ano, Luanda
acolhia a reunião do Bureau de Ministros Responsáveis pelos Recursos Minerais
em África, na qual foi reforçado o compromisso de uma acção conjugada pela
apropriação dos recursos naturais pelos africanos.
Na entrevista que concedeu ao
Jornal de Angola, o ministro da Geologia e Minas, Francisco Queiroz, faz uma
radiografia do sector mineiro africano e traça um quadro optimista em relação
ao futuro do continente.
Jornal de Angola - Depois da reunião do Bureau de Ministros Responsáveis pelos Recursos Minerais em África, há sensivelmente um ano, a que distância ficou o continente da materialização da Visão Mineira Africana?
Francisco Queiroz - O objectivo desse Bureau foi cumprir uma deliberação dos Chefes de Estado e de Governo africanos sobre a criação de um Centro Africano para o Desenvolvimento Mineiro, como resultado da Visão Mineira Africana, aprovada na reunião de Adis Abeba em 2008. A Visão Mineira Africana é um conjunto de princípios que devem ser adoptados pelos Estados nas suas políticas de exploração dos recursos naturais. É desse conjunto de princípios que avulta o conceito “África 2063”. Na reunião de Luanda ficou definido que
em
2063, nos 100 anos da União Africana, seja feito um balanço da exploração dos
recursos minerais no nosso continente.Jornal de Angola - Depois da reunião do Bureau de Ministros Responsáveis pelos Recursos Minerais em África, há sensivelmente um ano, a que distância ficou o continente da materialização da Visão Mineira Africana?
Francisco Queiroz - O objectivo desse Bureau foi cumprir uma deliberação dos Chefes de Estado e de Governo africanos sobre a criação de um Centro Africano para o Desenvolvimento Mineiro, como resultado da Visão Mineira Africana, aprovada na reunião de Adis Abeba em 2008. A Visão Mineira Africana é um conjunto de princípios que devem ser adoptados pelos Estados nas suas políticas de exploração dos recursos naturais. É desse conjunto de princípios que avulta o conceito “África 2063”. Na reunião de Luanda ficou definido que
Jornal de Angola - Qual tem sido o contributo de Angola nesse processo?
Francisco Queiroz - É peciso lembrar que Angola não fazia parte desse bureau. Apenas participou por acolher a reunião. Foi, na verdade, uma oportunidade soberana para dar a conhecer a visão de Angola em matéria de exploração de recursos naturais e explicar aos parceiros africanos, com exemplos concretos, como funciona a política e a estratégia de exploração de recursos naturais, especialmente o petróleo e os diamantes.
Jornal de Angola - O que distingue Angola nessa matéria?
Francisco Queiroz - Angola tem uma metodologia que assenta na existência de concessionárias nacionais para a exploração de recursos estratégicos. É com base nesse sistema que o Estado está sempre presente nas explorações mineiras. Falamos da Sonangol, da Endiama, da Ferrangol e da Agrominas. Esta última está em fase de constituição e vai representar o Estado nos agro-minérios. Essa estratégia permite ao Estado obter receitas fiscais e patrimoniais, além de ter sempre uma palavra a dizer na forma de explorar os recursos e as responsabilidades sociais das empresas.
Jornal de Angola - Qual tem sido a receptividade dos parceiros africanos?
Francisco Queiroz - Muitos países com quem temos mantido contacto estão a estudar o modelo angolano com objectivo de replicar. O nosso conceito foi igualmente bem acolhido pela União Africana que está a convidar Angola, entre outros países, para sede do Centro Africano de Desenvolvimento Mineiro. Estamos a estudar essa matéria, já produzimos um relatório fundamentado numa análise do interesse político-diplomático, mas também as componentes financeiras, já que implica gastos.
Jornal de Angola - Que referências são apontadas sobre o Código Mineiro Angolano e o PLANAGEO?
Francisco Queiroz - O nosso quadro legislativo tem servido de modelo para muitos países. Angola tem um Código Mineiro que é exemplo de legislação mineira em África e não só, por ser muito detalhado em termos de definição dos direitos e obrigações das partes na relação jurídico-mineira, e conferir segurança ao investidor. Quanto ao PLANAGEO, é a primeira vez no continente africano que é feito um levantamento geológico em todo o território de um país. O Governo angolano apostou num levantamento aéreo geofísico, geológico e geoquímico de todo o território, e vamos ter o mapeamento de todo o território com a localização das ocorrências mineiras.
Jornal de Angola - Em que pé está esse processo?
FQ - Os levantamentos aero-geofísicos começaram no ano passado e terminam no final deste ano. Vamos passar à fase geológica, que é ir ao terreno. Ali, onde forem detectadas ocorrências geológicas, vamos recolher amostras que vão para os laboratórios geoquímicos.
Jornal de Angola - Em Angola ou no estrangeiro?
Francisco Queiroz - Os laboratórios estão em construção e devem ser inaugurados a partir de Janeiro ou Fevereiro do próximo ano. Depois da análise laboratorial, as amostras vão ser classificadas. Serão produzidos mapas e armazenados numa base de dados. Está tudo dentro dos prazos previstos.
Jornal de Angola - Porque é recorrente a associação da Visão Mineira Africana à liberdade económica?
Francisco Queiroz - Nós, Angola, embora estejamos alinhados e nos revejamos na Visão Mineira Africana, temos tido uma atitude um pouco mais pragmática. A Visão Mineira Africana parece estar muito inspirada em pressupostos que não são tão africanos assim. Isto, porque aquilo que entendemos como princípio básico da Visão Mineira Africana é a exploração dos recursos naturais numa perspectiva de apropriação destes recursos pelos próprios africanos, mas, depois, a concretização desse princípio é discutível.
Jornal de Angola - Porquê discutível?
Francisco Queiroz - União Africana defende como princípio a apropriação dos recursos minerais pelos próprios africanos e quando se pergunta como é que isso se concretiza, responde-nos que é com base nos princípios da democracia, da boa governação e da transparência. Ora, apesar de serem valores muito elevados, são muito abstractos e também manipuláveis. São usados muitas vezes por potências com quem nos relacionamos para subjugarem e terem acesso aos recursos naturais com base na manipulação desses valores. Nós, em Angola, temos perfeita noção disso. Respeitamos esses valores e fazemos com que cada vez mais esses princípios sejam aplicados, mas não ficamos por aí. Nós fazemos com que haja, de facto, apropriação dos recursos naturais pelos angolanos, representados pelo seu Estado, estando presente em todos os grandes projectos de aproveitamento de recursos naturais estratégicos através das concessionárias nacionais e das empresas públicas participadas. Os outros países africanos não têm esses mecanismos.
Jornal de Angola - Esse modelo está longe de obter a simpatia de quem domina os mercados. Tem sido fácil lidar com isso?
Francisco Queiroz - A nossa política segue um pouco a contragosto daquilo que algumas potências mundiais gostariam que fosse. Refiro-me aqueles países que têm os olhos nos nossos recursos naturais. Esses países preferem que os Estados não estejam presentes nas explorações mineiras, esperam apenas que haja um ambiente institucional favorável, acesso aos recursos e às licenças de uma forma célere e facilitada e isenções fiscais e o mínimo possível de “royalties”. Quando falam em democracia, transparência e boa governação, estão a referir-se às condições e facilidades para terem acesso aos recursos. Nós procuramos conciliar esse ambiente favorável a todo o investidor conjugado com a nossa presença na exploração dos recursos, que é a tal apropriação que a UA defende.
Jornal de Angola - São assim tão acentuadas as diferenças?
Francisco Queiroz - Alguns países africanos com quem temos falado, têm, de facto, grandes companhias internacionais a explorarem recursos, mas não vêm dinheiro, nem resultados. Isso acontece porque elas, para investir nesses países, exigem isenções fiscais, não pagam impostos durante anos, sob o pretexto de criarem empregos. Só que os Estados não têm participação nas explorações, não têm capacidade de intervenção no mercado e não recebem impostos, além de os empregos serem mal remunerados. Essa é a grande diferença entre a política africana em geral e a política angolana em particular.
Jornal de Angola - Em 2014, num encontro com diplomatas africanos em Brasília, o Presidente José Eduardo dos Santos defendeu a emancipação económica do continente e criticou o facto de a África perder muito ao vender matéria-prima bruta e barata e importar produtos industrializados muito caros.
Francisco Queiroz - Perfeitamente. Faz parte da Visão Mineira Africana que os produtos resultantes da exploração mineira não sejam exportados em bruto. É que a exploração mineira não se esgota na extracção em si. Existe uma cadeia de valor e há até dentro dela aspectos muito mais rentáveis do que a exploração em si dos recursos naturais. Há todo um conjunto de valores acrescidos que é preciso explorar dentro do território. E não tem estado a acontecer na maioria dos casos. Mesmo nós ainda não chegámos a esse ponto, principalmente nos diamantes, em que mesmo sendo um dos maiores produtores do Mundo, não conseguimos trabalhar esse recurso internamente. No ano passado, explorámos em quilates o equivalente a 1,3 mil milhões de dólares. E não transformámos esses diamantes internamente, pois foi tudo exportado.
Jornal de Angola - Que importância tem para a economia?
Francisco Queiroz - Significa que transferimos para o exterior as mais-valias que resultam da transformação desses minerais. Queremos inverter esse quadro, para sermos capazes de transformar, enriquecer e comercializar todos os minerais explorados em Angola. Ou seja, temos de aproveitar toda a cadeia de serviços da indústria mineira, quer a montante, quer a jusante.
Jornal de Angola - É um negócio rentável?
Francisco Queiroz - O negócio é altamente rentável.
Jornal de Angola - É possível quantificar as perdas para o continente africano?
Francisco Queiroz - África perde largos biliões de dólares por ano com a exportação de matéria-prima bruta. Com isso, acabamos por criar riqueza e empregos nos países que importam essas matérias-primas, quando nós temos imensa carência desse dinheiro para investir em infra-estruturas e na melhoria da qualidade de vida da nossa população.
Jornal de Angola - Sete das dez economias que mais crescem no Mundo estão localizadas em África. Além disso, o continente responde, de acordo com os especialistas, por três quartos do fornecimento mundial de platina e mais de metade dos diamantes e crómio. Como é que os africanos encaram esses dados, tendo em conta a realidade sócio-económica do continente?
Francisco Queiroz - Essa constatação é pertinente, porque são realidades que entram em conflito de uma forma escandalosa. África é um depósito enorme de recursos. É talvez o continente mais rico em termos de recursos naturais, incluindo terras aráveis, água e as condições climatéricas muito favoráveis. Mas, paradoxalmente, é o continente mais pobre e que mais sofre com as doenças endémicas.
Jornal de Angola - A que se deve isso?
Francisco Queiroz - Há factores de natureza histórica. A colonização a que os países africanos estiveram sujeitos durante mais de quatro séculos é um dos principais factores que está na base desse atraso em relação aos outros povos. Embora os países africanos se tenham libertado da colonização, a realidade actual é que não conseguiram ainda libertar-se da colonização económica. É certo que conseguimos resgatar os nossos valores políticos, culturais e de identidade, mas não resgatámos o poder económico que continua nas mãos dos mesmos que nos colonizaram. As relações são desiquilibradas. São impostas regras para manter-nos em permanente dependência. Utilizam rótulos como corrupção, de falta de transparência e boa governação, que eles próprios também não têm. Utilizam essa táctica para implantar o medo, porque são os africanos que são julgados no Tribunal de Haia. Esses valores estão a ser politizados com fins de dominação.
Jornal de Angola - Qual é o papel dos privados e dos governos na agenda mineira africana?
Francisco Queiroz - O sector privado tem um papel primordial, pois toda a nossa política está focada na captação de investimento privado. Sem ele não vamos conseguir nada do que ambicionamos. Os Estados devem criar condições pararelacionamentos com base em interesses, sim, mas que sejam atingidos de uma forma justa.
Jornal de Angola - O que se pode esperar de parceiros como o Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras organizações?
Francisco Queiroz - Todas essas instituições acabam por ser instrumentos ao serviço das políticas dos Estados. Era de esperar que fossem os principais promotores de relações justas e equilibradas, mas de facto não são.
Jornal de Angola - Qual tem sido o papel dessas instituições?
Francisco Queiroz - São instrumentos que acabam por ser dominados pelas nações com maior peso de influência no Mundo. Na sua origem, quer a ONU, em particular o Conselho de Segurança, o Banco Mundial e o FMI foram criados com o objectivo de estabelecer uma relação justa e equilibrada entre todas as nações. Mas quem faz parte dessas organizações são os Estados e uns têm mais força do que outros. Os que têm mais força, procuram defender os seus interesses, impondo a sua influência. Daí o clima de desconfiança. Os países mais fracos desconfiam dessas instituições, porque no final de contas imperam as posições das nações mais fortes.
Jornal de Angola - A recente criação do banco dos BRICS é uma boa notícia?
Francisco Queiroz - É uma iniciativa louvável. Esse banco tem como finalidade financiar infra-estruturas, a educação e a saúde nos países em desenvolvimento. Angola identifica-se muito com os propósitos dessa iniciativa. É preciso ver se os mesmos são materializados. Desde logo há um dado que é relevante, que é o facto de a China, o Brasil, a Rússia e a Índia não terem um passado ligado à colonização e o pós-colonização, como é o caso das potências económicas que hoje dominam as instituições internacionais.
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