20 agosto 2015, Agência Sputnik http://br.sputniknews.com (Rússia)
O jornal britânico “The Independent” publicou artigo de autoria do
jornalista Chris Blackhurst intitulado “Tudo Acabado para os Países do BRICS”.
No texto, Blackhurst faz uma série de críticas aos BRICS como conjunto e a cada
um dos seus integrantes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Especialista contesta matéria do “Independent”.
Sobre o conteúdo e as possíveis motivações desta matéria do
jornal inglês, o especialista em BRICS e em Relações Internacionais Diego
Pautasso, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio Grande
do Sul, do Colégio Militar de Porto Alegre e da Unisinos – Universidade do Vale
dos Sinos, falou com exclusividade para a Sputnik Brasil.
Sputnik: Como o
senhor interpreta este artigo e que motivações podem estar por detrás dos
argumentos expostos pelo jornalista inglês?
Diego Pautasso: Trata-se
de um artigo nitidamente direcionado, com conteúdo ideológico muito claro de
quem está tentando deslegitimar a iniciativa dos BRICS, e
é aquela coisa de
quem desdenha porque tem interesse e percebe a importância e a envergadura que
o bloco possui. Para destacar as maiores iniciativas do organismo
multilateral, sem sombra de dúvida o Novo Banco do BRICS e o Arranjo
Contingente de Reservas representam, por exemplo, iniciativas de grande envergadura
que redefinem a arquitetura financeira global no médio e no longo prazo.
S: As duas instituições
citadas começam suas atividades com um capital inicial de 100 bilhões de
dólares cada uma.
DP: Exatamente. Mas mais
do que iniciativas importantes que os BRICS têm desenvolvido, tanto do ponto de
vista financeiro quanto em diversas inciativas de cooperação bilateral entre
seus sócios, ou mesmo o grande avanço do comércio intrabloco que foi notado, o
artigo está meio enviesado porque é a famosa leitura do “copo meio vazio, meio
cheio”. Ele identifica alguns elementos, alguns problemas pelos quais
eventualmente Rússia, China, Brasil, África do Sul e Índia vêm passando e
utiliza isso para chegar a uma conclusão, na melhor das hipóteses, apressada,
e, na pior das hipóteses, como já comentei, ideológica. Ao mesmo tempo que ele
destaca os problemas que os BRICS vêm apresentando, em nenhum momento cita que
foram os países que mais cresceram no mundo na última década. Ele não cita que
foram os países que mais eliminaram a pobreza. Não cita que o Brasil, por
exemplo, foi citado pela ONU como um dos países que cumpriram as metas do
milênio. E de outro lado ele fala disso como se a situação do centro do sistema
mundial – no caso, Europa, EUA e Japão – estivesse às mil maravilhas quando
desde 2008, sobretudo depois de 2011, os países estão numa situação
econômico-financeira e social muito grave.
S: Neste artigo o
jornalista Chris Blackhurst critica também o economista Jim O'Neill, que criou
o acrônimo BRIC – que depois recebeu a letra S de África do Sul –, e critica
também outro grande economista de renome mundial, Joseph Stiglitz, por ter
apoiado a visão de Jim O'Neill de que os 5 BRICS, ou na época os 4, quando
foram criados (Brasil, Rússia, Índia e China), seriam as futuras potências
econômicas do mundo. Numa passagem deste artigo, Chris Blackhurst diz o
seguinte: nos últimos 13 meses quase 1 trilhão de dólares deixou os mercados
emergentes, como são chamados os 5 países dos BRICS. E, referindo-se a cada um,
ele diz o seguinte: a recente desvalorização da moeda da China assustou o
mundo; a Rússia está sendo penalizada pelas suas sanções devido à sua política
para a Ucrânia; o Brasil está tomado por protestos com quase 1 milhão de
pessoas nas ruas criticando o Governo; a África do Sul está lidando com
corrupção e com diminuição de sua atividade econômica. E ele diz que somente a
Índia, destes 5 países BRICS, está mantendo um momento de prosperidade.
DP: É curiosa esta
conclusão do autor porque a Índia é justamente o país que os EUA percebem como
um freio potencial para a ascensão chinesa na Ásia, embora eu ache que a Índia
é grande demais para se subordinar ao guarda-chuva político e diplomático dos
EUA na Ásia e cumprir o papel de pião norte-americano. De todo modo ele afirma,
de novo, as coisas de forma completamente parcial. Ele diz que a Rússia
está envolvida em sanções mas não fala das respostas que a Rússia deu às
sanções e da reafirmação diplomática que isso representou em termos globais, a
presença da Rússia na América Latina e o fortalecimento das relações com a
China. Ao constatar, por exemplo, que a desvalorização do yuan afeta a economia
mundial, ele está provando o peso econômico que a China tem. Há 20 anos a moeda
da China sequer era lembrada quando se falava de conjuntura econômica e
política internacional. Hoje qualquer oscilação nas Bolsas e na moeda chinesa
são monitoradas em escala global, justamente pela importância que o país tem.
Afinal, em 2014 a China se transformou na primeira economia do mundo, medida em
poder de paridade de compra. Acho que isso é bastante elucidativo da maneira
como o autor aborda e de que a tentativa dele, entretanto, não é suficiente
para frear o reordenamento de poder no mundo, que vem ocorrendo na última
década.
S: A quem interessa enfraquecer o BRICS?
DP: Interessa, primeiro, às potências antigas, que em alguma
medida são consideradas potências decadentes, pelo menos do ponto de visto
relativo, em face aos famosos emergentes; e de outro lado, mesmo dentro dos
países que compõem o BRICS, sempre há segmentos da elite interessados com o
velho alinhamento com as potências mundiais. Geralmente esses segmentos da
elite acabam reverberando esse tipo de argumento de que os BRICS têm problemas,
de que os BRICS são assimétricos, de que os BRICS não conseguem alcançar os
objetivos propostos. Então faz parte também do jogo político doméstico, mas,
sem sombra de dúvida, de todo um rearranjo de poder em escala global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário