19
de Agosto, 2015, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao
(Angola)
José
Goulão
Os
grupos declaradamente racistas e xenófobos do Reino Unido, como por exemplo o
UKIP, não conseguiram transformar os seus milhões de votos em deputados, mas a
mensagem segregacionista não se perdeu e foi tomada em mãos pelo
primeiro-ministro David Cameron e respectivo governo.
Reeleito
de fresco, Cameron soltou a língua e escancarou o que lhe vai na alma a
propósito da “ameaça” que a “praga” da emigração representa para a loira pureza
britânica.
“Praga” foi a palavra escolhida pelo chefe do governo de Sua Majestade para citar o movimento de refugiados desejando entrar no Reino Unido, onde muitos têm familiares, a partir do porto francês de Calais. Autorizado pela franqueza do discurso do seu chefe, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Philip Hammond, assumiu essa preocupação de maneira mais abrangente, em nome de toda a Europa, durante uma entrevista à BBC. “A Europa não conseguirá proteger-se e preservar o seu estilo de vida e a sua estrutura social se absorver os milhões de imigrantes vindos de África”, disse. E logo a comunicação social tablóide e não só se sentiu encorajada a soltar os impropérios racistas, até agora tão dificilmente recalcados, para associar os refugiados e imigrantes a “pilhagens”, “marés de desordeiros”, “correntes de malfeitores” – enfim, a escalada verbal corresponde
O reaparecimento da insolência racista através da Europa, observável em comportamentos como estes, da construção de vedações, redes e muros anti-refugiados e também da instauração de governos de índole fascista, é inquietante.
O que torna ainda mais assustadora a proliferação destas manifestações de desassombro racista é a sua conjugação com a irresponsabilidade política dos dirigentes que as proferem. Enquanto se queixa da “praga” de refugiados, David Cameron defende como uma das panaceias para o problema a restauração da estabilidade política em países de onde chegam os imigrantes, citando explicitamente a Líbia, a Síria, o Iraque e o Afeganistão. Precisamente as nações onde ele mesmo, parceiros, antecessores e aliados instauraram o caos de onde fogem aqueles que tudo arriscam, inclusive a vida, para chegarem à Europa. Isto é, queixam-se da “praga” e barricam-se contra ela os mesmos que a criaram. Os mais cegos dos cegos são os que não querem ver.
No caso de David Cameron e respectivo ministro dos Negócios Estrangeiros – que por sinal foi conselheiro avençado do governo do Malawi antes de se dedicar a altas cavalarias políticas – registe-se que tinham o racismo à flor da pele, de tal modo que nem precisaram que o problema assumisse dimensões exasperantes para gritarem o que lhes vai na alma.
Os pedidos de entrada no Reino Unido nos primeiros meses deste ano foram da ordem dos 7.500, cerca de quatro por cento dos registados em toda a União Europeia, número muito inferior ao de países como a Áustria, Suécia, França, Itália, Alemanha e da própria Grécia, onde o pedido de entradas foi 16 vezes superior. Um valor que representa, aliás, uma ínfima gota de água quando comparado com os refugiados sírios no Líbano (1,1 milhões, um quarto da população do país), na Turquia (1,8 milhões) ou na Jordânia (630 mil), países assim atingidos devido à irresponsabilidade de um governo fazedor de guerras como é o do Reino Unido – entre alguns outros aliados, claro.
Se a Europa “não consegue preservar o seu estilo de vida e a sua estrutura social”, como se queixa o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, então os principais responsáveis são os dirigentes políticos que tomaram conta dos países e instituições da União Europeia.
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