sexta-feira, 26 de junho de 2015

Portugal/VASCO GONÇALVES, SEMPRE CONNOSCO

23 junho 2015, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)



Os grandes patrões da comunicação social silenciam a figura de Vasco Gonçalves, falecido há 10 anos. Continuam a ter medo dele porque sabem que ele está presente, no meio dos trabalhadores, em todas as lutas que estes travam contra a ditadura do grande capital financeiro e contra as suas políticas atentatórias da dignidade dos povos.

Queridos Amigos e Companheiros

É uma honra, para mim, usar aqui da palavra como Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Conquistas da Revolução, nesta cerimónia evocativa do 10º aniversário da morte do General Vasco Gonçalves.

1. - Esta não é uma romagem de saudade. É uma jornada de luta.

Viemos hoje aqui porque este nosso companheiro general nunca abandonou os seus homens, nunca desertou das lutas necessárias em cada momento, e esteve sempre na linha da frente, ao lado do povo, no combate à injustiça, na luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna, na defesa da dignidade da nossa Pátria.

Viemos hoje aqui porque temos a certeza de que Vasco Gonçalves tem estado sempre connosco, a dar força à nossa luta, fazendo greve quando nós fazemos greve, saindo à rua quando o povo sai à rua, como o fez no passado dia 6.

Esta foi uma manifestação como há muito não se via, a mostrar bem a força do povo! Os grandes jornais e as televisões fizeram tudo para a ignorar, mostrando bem o que é, para os grandes patrões da comunicação social, a liberdade de imprensa.

Pelas mesmas razões, não falam de Vasco Gonçalves, talvez convencidos de que conseguem ‘matá-lo’ pelo silêncio. Pura ilusão. Por mais que esforcem, não conseguem retirá-lo
do retrato. Vasco Gonçalves tem, por direito próprio, um lugar de relevo na História do Portugal contemporâneo, na História do Portugal de Abril, que ele ajudou a construir antes e depois de Abril!

Mas há silêncios esclarecedores.

Eles querem esquecê-lo porque continuam a ter medo dele.

E têm medo dele porque sabem muito bem que Vasco Gonçalves continua vivo e atuante nas lutas dos trabalhadores, que não esquecem esse símbolo maior da unidade Povo-MFA.
Têm medo dele porque não podem ignorar o respeito que lhe devotam as massas trabalhadoras.

Continuam a ter medo do testemunho que nos deixou, de homem sério, de engenheiro competente e respeitado, de militar comprometido com os valores de Abril, de cidadão empenhado na defesa da sua Pátria.

Continuam a ter medo dele porque sabem que ele está presente, no meio dos trabalhadores, em todas as lutas que estes travam contra a ditadura do grande capital financeiro e contra as suas políticas atentatórias da dignidade dos povos.

Continuam a ter medo dele porque ele encarnou a esperança do socialismo no nosso País e os seus inimigos (que não se assumem apenas como seus adversários) são também inimigos jurados do socialismo, fugindo, como o diabo da cruz, de uma sociedade socialista, uma sociedade em que, como escreveu Vasco Gonçalves, “cada cidadão [possa] ser um homem de lisura, um homem limpo, um homem íntegro, um homem transparente”, em síntese, um homem livre de todas amarras e de todas as sujeições.

2. - Nós compreendemos que os que defendem ou se conformam com este capitalismo do crime sistémico não gostem de Vasco Gonçalves.
Compreendemos que não gostem de Vasco Gonçalves

-- os que se submetem aos ditames desta Europa do capital, submissos, “carneiros todos com carne de obedecer” (J. Gomes Ferreira),

-- os que nunca questionam nada (e por isso nunca entendem nada), repetindo sempre, como fiéis discípulos da Srª Thatcher, que não há alternativa a estas políticas que atentam contra a dignidade dos povos, cometendo sobre eles verdadeiros crimes contra a humanidade.

Compreendemos que não goste de Vasco Gonçalves uma certa “esquerda choramingas” (Frédéric Lordon), a ‘esquerda’ que lamenta, com uma lágrima ao canto do olho, o desemprego e o emprego sem direitos, a desigualdade crescente, a pobreza e a exclusão social, o défice democrático, a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, a impunidade do crime sistémico, mas que se recusa a identificar as suas causas estruturais, para não ter de as combater, levando tudo à conta de consequências inevitáveis da globalização incontornável (talvez a “globalização feliz” de que falam alguns…).

3. - Mas nós, amigos de Vasco Gonçalves, gostamos dele e respeitamo-lo no convívio diário com ele. Por isso viemos aqui hoje, para o homenagear, que ele merece todas as nossas homenagens.

Viemos aqui proclamar que Abril valeu a pena e que vale a pena continuar a lutar pelos valores de Abril e pela Constituição de Abril.

Viemos aqui recordar as conquistas da Revolução, as conquistas que mudaram o País, apesar dos esforços em contrário dos inimigos de Abril: a taxa de analfabetismo baixou de 25,7% para cerca de 5%; o número de alunos no ensino superior multiplicou por dez; a água potável, o saneamento básico, a eletricidade e o telefone chegaram praticamente a todo o País; o número de médicos por habitante quadruplicou; o número de partos no domicílio baixou praticamente para zero; a taxa de mortalidade infantil baixou de cerca de 45 por mil em 1973 para 3,4% em 2012; a esperança média de vida aumentou de 70,6 para 82,6 anos.

Estas são algumas das portas que Abril abriu. Elas são a cara nova do Portugal de Abril.

4. - Os inimigos de Abril estão a tentar anular os direitos que os trabalhadores e o povo conquistaram com a Revolução de Abril, apostados em nos fazer regressar ao reino salazarento da ‘caridadezinha’.

Nós não vamos deixá-los fazer andar para trás o relógio da História. Por isso também viemos hoje aqui para dizer a Vasco Gonçalves que, como sempre, contamos com a força do seu exemplo e com a força da sua presença ao nosso lado.

Como ele, sabemos que a História da Humanidade até aos nossos dias é, essencialmente, a história da luta de classes.

Sabemos também que “é o povo português – como ele escreveu um dia, com inteira razão – o sujeito da sua própria história”.

E sabemos – porque ele não se esqueceu de o sublinhar, corajosa e lucidamente – que “os povos só se libertam pela luta intensa, incansável, de todos dos dias, contra a opressão. Quando se cansam, perdem”.

Como ele, somos corredores da maratona. Estamos preparados para uma luta prolongada, mentalizamo-nos para não nos deixarmos cansar. 

Porque sabemos que o futuro com que sonhou (e com que sonhamos) “não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais, necessidade imperiosa”, como um dia escreveu o nosso companheiro que aqui recordamos.
 Porque sabemos que o futuro está do nosso lado.

Porque sabemos que o sonho de Vasco Gonçalves é também o sonho dos trabalhadores, o sonho que comanda a vida.

Porque sabemos que os trabalhadores são o futuro do mundo!

E, porque sabemos que a sua presença dá mais força ao povo, aqui estamos nós para lhe dizer, como sempre lhe disseram os trabalhadores portugueses: “Força, força, companheiro Vasco”!

5. - Vivemos numa ‘Europa’ construída “à porta fechada” (Habermas), uma ‘Europa’ construída contra os povos da Europa, uma ‘Europa’ maastrichtiana, que representa a submissão da União Europeia ao Consenso de Washington e ao neoliberalismo mais extremo, uma ‘Europa’ que viu agravada a sua matriz de Europa do capital com o Tratado Orçamental, que o PS aprovou, na AR, “em plena paz de consciência”.

Vivemos numa Europa alemã, que “viola as condições fundamentais de uma sociedade europeia em que valha a pena viver.” (Ulrich Beck)

Uma Europa esquizofrénica, com um banco central que oferece milhões e milhões à banca privada mas não empresta dinheiro aos estados-membros da UE.

Uma ‘Europa’ que impõe políticas de austeridade que conduzem à recessão, ao desemprego em massa e ao empobrecimento dos povos, mas não admite que o pagamento dos subsídios de desemprego deve ser assumido como uma obrigação comunitária, e muito menos se dispõe a prosseguir uma política ativa de combate ao desemprego e de promoção do emprego.

Porque tal política – escreveu um antigo ministro socialista de um governo espanhol, numa ‘confissão’ comovedora –, “se fosse levada à prática, poderia acarretar prejuízos a muitos grupos de interesses e a alguns grupos de opinião pública”.

Vivemos numa ‘Europa’ que obriga os estados-membros mais fracos a endividar-se para salvar os bancos especuladores, mas não assume uma dívida comunitária (mesmo no espaço em que existe uma moeda única), acusando depois os povos desses países do ‘crime’ de viverem acima das suas posses, e obrigando-os a pagar, sozinhos, as dívidas contraídas, nas costas dos povos, para salvar a banca e para ‘colonizar’ esses mesmos povos.

6. - Conhecemos bem o contexto em que surgiu o estado social e não ignoramos o significado que ele assume na história do capitalismo do século XX.

Invocando o estado social, alguns foram ao ponto de defender que deixara de fazer sentido a luta pelo socialismo como alternativa ao capitalismo, porque o capitalismo deixara de o ser, integrando “elementos de socialismo” (os direitos decorrentes do estado social, uma solução de compromisso inventada para salvar o capitalismo de uma morte que parecia certa).

Foi este o caminho que levou a social-democracia europeia a assumir, com grande sentido de estado…, o seu papel de gestora leal do capitalismo, proclamando os seus dirigentes (que sempre gostam de se afirmar abertos aos ventos da história…) que defendem o capitalismo no que toca à produção, dizendo-se socialistas no que se refere à distribuição. Uma equação tão absurda como a quadratura do círculo.

O pior é que, de tanto se abrirem aos ‘ventos dominantes’, acabaram por contrair doenças graves, quem sabe se incuráveis…, tornando-se dependentes dos dogmas neoliberais e dos condimentos autoritários do receituário neoliberal.

Afetados pelos ventos do neoliberalismo, aprovaram e apoiaram o Tratado de Maastricht e os seus princípios “estúpidos” e “medievais” (Romano Prodi).

Aprovaram a chamada Constituição Europeia, que, entre outros ‘mimos’, proclamava como “liberdades fundamentais” as liberdades do capital (a liberdade de circulação do capital, de mercadorias e de serviços e a liberdade de estabelecimento).

Aprovaram depois o Tratado de Lisboa, impondo aos povos a mesma ‘Europa’ que os povos tinham acabado de rejeitar com o ‘chumbo’ da Constituição Europeia, por não quererem, como reconheceu, na altura, Jacques Chirac, “a Europa como ela é”.

Fiéis a uma ‘tradição de família’, traíram promessas eleitorais, e aprovaram-no longe da ‘populaça’, no aconchego dos parlamentos onde os ditos representantes traem os seus representados [que “pensam, com razão”, escreveu Felipe González, que os seus representantes “obedecem a interesses diferentes, impostos por poderes estranhos e superiores, a que chamamos mercados financeiros e/ou Europa”].

Mais recentemente, a pretexto da crise, aprovaram o Tratado Orçamental, “um modelo político de marca alemã”, imposto pela Grande Alemanha, liberta agora da “consciência de uma herança histórico-cultural comprometedora”, a uma Europa alemã, “marcada pelos alemães.” (Jürgen Habermas)

Este Tratado é um verdadeiro “golpe de estado europeu” (R.-M. Jennar), que esvazia a vida democrática no seio da UE e nos países que a integram.

Ele é um pacto para o subdesenvolvimento, um autêntico pacto colonial, que condena os ‘povos do sul’ a um dramático retrocesso civilizacional e transforma os países mais débeis em verdadeiras colónias internas, despojadas das suas riquezas (a base em que assenta a verdadeira soberania), empobrecidas pela violência das políticas de austeridade, impedidas de se desenvolver, humilhadas e ofendidas na sua dignidade. 

Parafraseando Vasco Gonçalves, apetece dizer: “o que mais me espanta nestes tipos é a falta de patriotismo”. 

7. - A dependência das drogas neoliberais levou a social-democracia europeia a pôr em causa o estado social de matriz keynesiana, o “socialismo do possível” (Miterrand) que tinham ‘inventado’ (inspirando-se em Keynes, que nunca foi socialista…) para justificarem a sua deserção do terreno da luta pelo socialismo a sério.

Em finais de 1989, Michel Rocard ‘teorizava’: “as regras do jogo do capitalismo internacional impedem qualquer política social audaciosa.”

Ao fazer da construção da ‘Europa’ o seu único projeto, a social-democracia europeia teve de submeter-se à sentença de Rocard: “Para fazer a Europa, é preciso aceitar as regras deste jogo cruel”, que não permitem uma política social digna desse nome.

Em finais de 2011, o porta-voz do PS francês (depois ministro de Hollande, rapidamente demitido) fazia esta confissão: “uma parte da esquerda, à semelhança da direita, deixou de pôr em causa que é preciso sacrificar o estado-providência para agradar aos mercados. (…) Fomos em vários lugares do mundo um obstáculo ao progresso”.

Mais claro foi, recentemente, Joschka Fischer, o ex-ministro ‘verde’ de um governo alemão liderado pelo partido social-democrata: “ninguém pode fazer política contra os mercados”. Está tudo dito (Wolfgang Streeck): “o neoliberalismo não é compatível com um estado democrático”!

Por nossa parte, entendemos que, nas condições atuais, a luta pela defesa do estado social é uma das prioridades das lutas dos trabalhadores, dos democratas e dos patriotas, porque ela é uma luta pela democracia, é uma luta contra o “fascismo de mercado” (Samuelson) a que nos querem submeter, é uma luta para prevenir o regresso ao fascismo sem máscaras.

8. - À luz do que fica dito, compreende-se que a social-democracia esteja a afundar-se por toda a Europa.

E que a extrema direita esteja perigosamente a ganhar terreno.

E que a abstenção esteja a tornar-se o ‘partido’ maioritário, reduzindo a chamada democracia representativa a uma liturgia sem sentido, a uma falsa democracia (a ditadura do grande capital financeiro), numa Europa em que os governos e os parlamentos votam a favor da austeridade e os povos lutam contra ela, uma Europa que gasta somas fabulosas para salvar bancos que se dedicam à especulação e a práticas criminosas, mas desperdiça o futuro das gerações jovens e empobrece e ‘coloniza’ os ‘povos do sul’, uma Europa violenta e autoritária, com um grande poder e pouca legitimidade do lado do capital e um pequeno poder e elevada legitimidade do lado dos que protestam. (Ulrich Beck)

Esta ‘Europa’ está toda errada. É preciso passá-la a limpo!

9. – Permiti-me fazer as considerações que ficam atrás por estar certo de que Vasco Gonçalves as subscreveria. Creio mesmo que, lá onde ele estiver, já sublinhou algumas frases e não tardará a dizer-me, como tantas vezes fazia, amigo e generoso: “é assim mesmo, senhor doutor, tem toda a razão.”

10. – Vou terminar. Estamos aqui para convocar o companheiro Vasco para as lutas que hão-de conferir aos povos que protestam contra as políticas de austeridade, contra a globalização neoliberal, contra a ditadura do grande capital financeiro, contra o “fascismo de mercado”, um PODER tão grande como a sua LEGITIMDADE.

Esta é a luta dos trabalhadores!
Esta é a luta que continua a Revolução de Abril!
E Vasco Gonçalves faz falta a esta luta e não falta a esta luta!
Viva Vasco Gonçalves!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal! 

António José Avelãs Nunes

Coimbra, 9 de junho de 2015

(lido no cemitério do Alto de S. João)

   

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