terça-feira, 23 de junho de 2015

Grécia/Maria Lucia Fattorelli discursa na abertura da Comissão de Auditoria da Dívida Grega no Parlamento Helênico, em 4/4/2015

22 junho 2015, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)

Publicado em 19/4/2015
Tradução para o português: Rafael Machado

Maria Lúcia Fattorelli*

Maria Lucia Fattorelli discursa na abertura da Comissão de Auditoria da Dívida Grega no Parlamento Helênico, em 4 de Abril de 2015.

Boa Tarde a todos!

Para mim, é uma grande honra poder participar desse momento histórico. Agradeço a Presidenta do Parlamento Grego, Zoe Konstantopoulou, por me convidar para integrar a Comissão de Auditoria da Dívida Grega.

Minhas origens são populares. Venho da sociedade civil da América do Sul (Brasil), e por 15 anos coordeno o movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida, lutando pela auditoria da dívida pública do meu país: um dos países mais ricos (sétima maior economia mundial), mas que também convive com uma desigualdade social das mais tristes. E nas últimas décadas, a principal responsável por isso tem sido a dívida; e é por isso que temos que lutar pela sua auditoria.

Então, em primeiro lugar, quero parabenizar -- através das figuras de Zoe Konstantopoulou e Sofia Sakorafa --, o povo grego em função do que estamos começando aqui hoje: A instalação de uma comissão pela auditoria da dívida pública pelo
Parlamento (enquanto representantes do povo), com o apoio declarado das principais autoridades do Poder Executivo, e com a participação da sociedade civil local e internacional. Meus parabéns!

Ao longo desses 15 anos trabalhando em iniciativas cidadãs pela auditoria da dívida, e também através da iniciativa oficial no Equador e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em meu país, podemos concluir que a dívida do povo grego não é um caso isolado.

Essa dívida faz parte de um sistema muito bem articulado que serve para transferência de recursos públicos ao setor financeiro. Nós chamamos isso de SISTEMA DA DÍVIDA. Tal sistema opera após a contração de dívidas que não são acompanhadas de influxo de recursos, como nos faz crer o senso comum. Na verdade, o SISTEMA DA DÍVIDA opera através de uma série de mecanismos financeiros, planos ou programas econômicos, e outras medidas impostas por organizações financeiras internacionais.

Ou seja, dívidas são contraídas sem se converterem em bens, serviços ou benefícios públicos como contrapartida.

Para piorar, tais dívidas crescem como consequência de custos excessivos, cláusulas abusivas e refinanciamentos sucessivos -- sem falar em outras estratégias que levam a uma acumulação contínua e retroalimentada de novas dívidas. Em função disso, como contrapartida, impõe-se a necessidade de alocação constante de recursos orçamentários para o pagamento de dívidas geradas por altas taxas de juros, comissões e demais custos -- enquanto o estoque da dívida cresce continuamente.

Além disso, isso acontece em um momento histórico onde está em curso a financeirização da economia, fato evidenciado pelo enorme poder do setor financeiro global, conforme acabou de dizer o ministro das finanças.

Esse poder tem sido construído através do uso excessivo e inescrupuloso de instrumentos financeiros (derivativos, que equivalem a 11 vezes o PIB mundial, conforme mencionado anteriormente pelo ministro). Tais derivativos baseiam-se em uma diversidade de produtos financeiros: "ativos da dívida", emissões de obrigações, moeda, e até mesmo os chamados "ativos tóxicos".

O Ministro das finanças também mencionou os problemas decorrentes das transações anônimas. Mas no caso dos papéis da dívida, alguém sabe quem os possui? Em outras palavras, para quem estamos pagando os juros?

Os papéis da dívida se tornaram um grande negócio para o setor financeiro privado. As complexas fórmulas sobre sua sustentabilidade são estudadas por estudantes das melhores universidades de economia ao redor do mundo, e não os deixam refletir sobre um elemento básico: que dívida é essa?

Então nós chegamos a um ponto onde nós, cidadãos comuns, pagamos essa dívida de diferentes maneiras: através de impostos que só aumentam; através da negação de serviços sociais que deveríamos receber. E não temos conhecimento sobre do que essa dívida se trata.

Entretanto, os discursos apenas não bastam.

Precisamos agir.

E a ferramenta para documentar e provar as fraudes inerentes ao Sistema da Dívida é a Auditoria.

A instalação dessa iniciativa no dia de hoje é um avanço real em direção ao conhecimento da verdade e em busca das respostas aos questionamentos daqueles que pagam essa dívida com sacrifício e, em diversos momentos, até mesmo com suas próprias vidas, como o Sr. Christoulas (que cometeu suicídio há exatamente 3 anos), e outros milhares de gregos e cidadãos em completo desespero que morrem todos os dias, devido ao Sistema da Dívida. É por vocês que estamos aqui e faremos nosso melhor para escrever um relatório que possa ser útil para o governo e para o parlamento, mas sobretudo para a sociedade.

Muito obrigado!

*Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no Brasil. É autora de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania (Contraponto Editora, 2003).


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