5 junho 2015, Carta
Maior http://cartamaior.com.br (Brasil)
Até agora, Snowden havia mantido contatos com personalidades da
sociedade civil e alguns emissários de governos europeus, mas nunca com um
chefe de Estado.
Dario Pignoti
Contato em Moscou. “A presidenta Cristina
Fernández de Kirchner se reuniu reservadamente com Edward Snowden. Estamos falando
de um fato de repercussão mundial, porque é a primeira chefa de Estado que se
encontra com o homem que revelou o esquema de espionagem da agência NSA”
declarou o investigador Santiago O´Donnell, em Buenos Aires.
“Acabo de me comunicar com uma fonte muito próxima de Snowden, que me confirmou que a conversa aconteceu em Moscou durante a viagem em que Cristina foi recebida pelo presidente Vladimir Putin”, disse O´Donnell a Carta Maior, na noite de quinta-feira (4/6).
A notícia da reunião, realizada em solo russo, causou impacto nos meios de comunicação e na coletividade diplomática radicada em Buenos Aires, onde
se
analisou a dimensão política de um fato inédito.“Acabo de me comunicar com uma fonte muito próxima de Snowden, que me confirmou que a conversa aconteceu em Moscou durante a viagem em que Cristina foi recebida pelo presidente Vladimir Putin”, disse O´Donnell a Carta Maior, na noite de quinta-feira (4/6).
A notícia da reunião, realizada em solo russo, causou impacto nos meios de comunicação e na coletividade diplomática radicada em Buenos Aires, onde
Até agora, Snowden havia mantido contatos com personalidades da sociedade civil internacional e alguns emissários de governos europeus, mas nunca com um chefe de Estado.
“O que me disse uma fonte próxima a Snowden é que a presidenta argentina o impressionou positivamente”, comentou O´Donnell.
A mandatária demonstrou seu respaldo a um homem que desafiou os serviços de inteligência da maior potência mundial e o modelo de vigilância global que se transformou numa nova forma de totalitarismo.
Ao mesmo tempo, ela mandou um sinal aos Estados Unidos, cujo governo ordenou a captura do ex-funcionário da agência NSA.
Se trata de um gesto especialmente claro, já que Cristina foi pessoalmente ao encontro, não enviou um ministro ou outro tipo de representante.
Em 2013, Snowden começou a liberar documentos relativos às interferências ilegais da NSA na vida privada de milhões de cidadãos norte-americanos, com o pretexto de prevenir atentados como o do 11 de setembro de 2001.
Posteriormente, divulgou papéis sobre líderes internacionais, inclusive de países amigos, como a chanceler alemã Angela Merkel.
Entre esses papéis havia informações subtraídas dos arquivos da presidenta Dilma Rousseff, da Petrobras e de milhares de cidadãos brasileiros.
Dilma exigiu explicações a Obama e ele não as deu, situação que levou a mandatária brasileira a suspender uma visita de Estado prevista para outubro de 2013.
Em setembro daquele ano, Dilma apresentou na ONU uma iniciativa contra a violação da privacidade e em defesa da soberania cibernética, que contou com o apoio de mais de cem países.
E impulsou o traçado de um duto de fibra ótica interoceânico que possa unir o Brasil com a Europa, para que a transmissão de dados seja capaz de driblar o controle norte-americano.
As ideias de Dilma receberam o apoio explícito de Cristina, do equatoriano Rafael Correa, do venezuelano Nicolás Maduro e outros líderes sul-americano.
Paralelamente, os ministros de Defesa Celso Amorim (Brasil) e Agustín Rossi (Argentina) assinaram, no dia 13 de setembro de 2013, um acordo para desenvolver um programa conjunto contra a ciberespionagem.
Asilo na Argentina?
Em 2013, Snowden solicitou asilo no Brasil, Equador, Venezuela e outros países aos que não pode viajar, já que os Estados Unidos haviam localizado seu paradeiro, o que o obrigou a permanecer três meses no aeroporto de Moscou, até que, finalmente, o presidente Putin lhe concedeu refúgio.
“Snowden solicitou asilo a Cristina?”, perguntou Carta Maior, durante a entrevista com o investigador Santiago O´Donnell.
“É uma possibilidade que não pode ser descartada, o que se sabe é que ele gostaria de voltar aos Estados Unidos, e que esse retorno poderia ser facilitado no futuro, caso a relação dele com o governo de Barack Obama melhore”, observou O´Donnell, que se comunica regularmente com auxiliares de Snowden, através de mensagens codificados.
Investigador e autor de dois livros sobre Wikileaks, Santiago O´Donnell é também o homem de confiança de Julian Assange na Argentina, e o entrevistou diversas vezes desde que sentenciada a sua detenção em Londres, em 2010, após a qual conseguiu asilo na embaixada equatoriana.
O´Donnell destacou que Snowden conta com uma equipe de advogados que o representam nos Estados Unidos. “Ele é patrocinado pelo diretor executivo da American Civil Liberties Union (ACLU), o advogado Antonio Romero, que é uma pessoa com muita influência e prestígio em Washington”.
A situação do ex-espião ainda é delicada, porque qualquer movimento em falso poderia levá-lo à prisão nos Estados Unidos, já que a ordem de prisão contra ele continua em vigor.
Uma sentença mantida, apesar do fato de o Congresso sancionar, recentemente, uma lei contra a espionagem da NSA, que inclusive reconhece a legitimidade das denúncias de Snowden, embora ele ainda seja considerado um traidor em seu país.
Em 2013, um avião procedente da Rússia, que transportava o presidente Evo Morales, foi impedido de sobrevoar vários países da Europa, devido à suspeita de que o líder boliviano viajava com Snowden.
O escândalo demostrou a importância estratégica que os Estados Unidos dão à espionagem da NSA e o preço que devem pagar aqueles que, como Snowden, se rebelam contra as operações ilegais.
E também os riscos que podem correr os chefes de Estado como Evo Morales (e eventualmente Cristina Fernández) que desafiem a ordem imperial, ao dar cobertura a Snowden.
A verdade é que, depois da humilhação a que Morales foi exposto, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em reunião extraordinária, expressou sua indignação devido à atitude dos governo europeus.
Eixo Cristina-Putin
A conversa entre Cristina e Snowden, agora revelada, teria se realizado em abril “e se manteve em segredo por razões que até agora não encontram explicação”, comentou O´Donnell.
“Não há dúvidas de que o encontro contou com o aval do presidente Vladimir Putin, pois a viagem da presidenta argentina era oficial”, recordou o investigador.
Um dos assuntos que poderiam ter sido abordados foi o da espionagem britânico-estadunidense sobre as Ilhas Malvinas.
No dia 2 de abril de 2015, quando se comemorou o 33º aniversário da Guerra das Malvinas de 1982, o site The Intercept, e o próprio Snowden, informaram que entre 2006 e 2011 a Grã-Bretanha e os Estados Unidos mantiveram ativa uma operação chamada Plano Quito, na qual espionavam o governo e algumas personalidades argentinas.
A documentação obtida por Snowden revelou como a espionagem britânica, com o apoio ianque, organizou campanhas de desinformação sistemática e uma ciberofensiva para desprestigiar o governo argentino.
A viagem de Cristina à Rússia teve lugar nesse contexto, bem como sua reunião com Snowden e a crescente aproximação de Buenos Aires com Moscou.
Um dos aspectos vitais desse romance diplomático é o quesito estratégico e militar.
Cristina viajou na companhia dos ministros Agustín Rossi, da Defesa, e Sergio Berni, de Segurança, que assinaram, com seus colegas russos, convênios que traçaram o caminho para uma aproximação mais intensa nessas áreas.
Apesar de não ter sido feito nenhum anúncio sobre exercícios militares russo-argentinos, não se pode descartar que, no futuro se realizem manobras conjuntas, em momentos que a tensão com o Reino Unidos aumentar.
Precisamente, em abril passado, a Argentina denunciou novamente sua preocupação pelo incremento do armamento britânico nas Malvinas e as suspeitas de que existem inclusive equipamentos nucleares na ilha.
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