15 outubro
2013,
http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
*Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
É isso. A
China decidiu que “basta!” Tirou as luvas (diplomáticas). É hora de construir
um mundo “des-Americanizado”. É hora de “uma nova moeda internacional de
reserva” substituir o dólar norte-americano.
Está tudo
lá, escrito, em editorial da rede Xinhua, saído diretamente da boca do dragão.
E ainda estamos em 2013. Apertem os cintos – especialmente as elites em
Washington. Haverá fortes turbulências.
Longe vão
os dias de Deng Xiaoping de “manter-se discreto”. O editorial de Xinhua mostra,
em formato sintético, a gota d’água que fez transbordar o copo do dragão: o
atual “trancamento” (shutdown) nos EUA. Depois da crise financeira
provocada por Wall Street, depois da guerra do Iraque, um mundo
“desentendido”, não só a China, quer mudança.
Esse
parágrafo não poderia ser mais explícito:
Sobretudo,
em vez de honrar seus deveres como potência liderante responsável, uma
Washington interessada só em si mesma abusa de seu status de superpotência e
gera caos ainda mais profundo no planeta, disseminando riscos financeiros para
todo o mundo, instigando tensões regionais e disputas territoriais, e
guerreando guerras ilegítimas, sob o manto de deslavadas mentiras.
A
solução, para Pequim, é “des-Americanizar” a atual equação geopolítica – a
começar
por dar voz mais ativa no FMI e no Banco Mundial a economias emergentes
e ao mundo em desenvolvimento, o que deve levar à “criação de uma nova moeda
internacional de reserva, a ser criada para substituir o dólar norte-americano
hoje dominante”.
Observe-se
que Pequim não advoga a sumária extinção do sistema de Bretton Woods – não,
pelo menos, já; quer, isso sim, mais poder para decidir. Parece razoável, se se
considera que a China tem peso apenas ligeiramente superior ao da Itália, no
FMI. A “reforma” do FMI – ou coisa parecida – está em andamento desde 2010, mas
Washington, como seria de esperar, vetou todas as alterações substanciais, até
agora.
Quanto ao
movimento para afastar-se do dólar norte-americano, também já está em
andamento, com graus variados de velocidade, especialmente no que diga respeito
ao comércio entre os países BRICS, as potências emergentes (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), que já está sendo feito, hoje,
predominantemente, nas respectivas moedas. O dólar norte-americano está
lentamente, mas firmemente, sendo substituído por uma cesta de moedas.
A
“des-Americanização” também já está em curso. Considere-se, por exemplo, a
ofensiva de charme dos chineses pelo Sudeste Asiático, que está acentuadamente
começando a inclinar-se na direção de mais ação com principal parceiro
econômico daqueles países, a China. O presidente Xi Jinping da China, fechou
vários negócios com a Indonésia, a Malásia e também com a Austrália, apenas
umas poucas semanas depois de ter fechado outros vários negócios com os
“-stões” da Ásia Central.
(Mapa no original: As novas Rotas
da Seda (Marítima em azul e Terrestres - de ferro - em laranja)
A
empolgação chinesa com promover a Rota da Seda de Ferro alcançou nível de
febre, com as ações das empresas chinesas de estradas de ferro subindo à
estratosfera, ante o projeto de uma ferrovia de trens de alta velocidade até e
através da Tailândia já virando realidade. No Vietnã, o premiê chinês Li
Keqiang selou um entendimento segundo o qual querelas territoriais entre dois
países no Mar do Sul da China não interferirão com mais e novos negócios.
Pode-se chamar de “pivotear-se” para a Ásia.
Todos a
bordo do petroyuan
Todos
sabem que Pequim possui himalaias de bônus do Tesouro dos EUA – cortesia
daqueles massivos superávits acumulados ao longo dos últimos 30 anos, mais uma
política oficial de manter lenta, mas segura, a apreciação do Yuan.
E Pequim,
simultaneamente, age. O Yuan está também lentamente, mas seguramente, se
tornando mais conversível nos mercados internacionais. (Semana passada, o Banco
Central Europeu e o Banco do Povo da China firmaram acordo para uma troca de
moeda (orig. swap) de US$45-$57 bilhões, que aumentará a força
internacional do Yuan e melhorará seu acesso ao comércio financeiro na área do
euro).
A data
não oficial para a total conversibilidade do Yuan cairá em algum ponde entre
2017 e 2020. A meta é clara: afastar-se de qualquer respingo da dívida dos EUA,
o que implica que, no longo prazo, Pequim está-se afastando desse mercado – e,
assim - tornando muito mais caro, para os EUA, tomarem empréstimos. A liderança
coletiva em Pequim já fechou posição sobre isso e está agindo nessa direção.
O
movimento na direção da plena conversibilidade do Yuan é tão inexorável quanto
o movimento dos BRICS na direção de uma cesta de moedas que, progressivamente,
substituirá o dólar norte-americano como moeda de reserva. Até lá, mais adiante
nessa estrada, materializa-se o evento cataclísmico real: o advento do petroyuan
– destinado a ultrapassar o petrodólar, tão logo as petromonarquias do Golfo
vejam de que lado ventam os ventos históricos. Então, o bate-bola geopolítico
será outro, completamente diferente.
Pode ser
processo longo, mas é certo que o famoso conjunto de instruções de Deng
Xiaoping está sendo progressivamente descartado:
Observe
com calma; proteja sua posição; lide com calma, com as questões; esconda nossas
capacidades e aposte no nosso tempo; seja discreto; e jamais reclame a
liderança.
Uma
mistura de cautela e escamoteamento, baseada na confiança que os chineses têm
na história e, levando em consideração uma - grave ambição de longo prazo – era
Sun Tzu clássica. Até aqui, Pequim andou devagar; deixando que o adversário
cometa erros fatais (e que coleção de erros de multi-trilhões de dólares...); e
acumulando “capital”.
Agora,
chegou a hora de capitalizar. Em 2009, depois da crise financeira provocada por
Wall Street, ainda havia chineses que resmungavam contra “o mau
funcionamento do modelo ocidental” e, em suma, contra o “mau funcionamento da
cultura ocidental”.
Beijing
ouviu [Bob] Dylan (legendado em mandarim?) e concluiu que, sim, the times
they-are-a-changing [os tempos estão mudando]. [2] Sem que se veja
nem sinal de avanço social, econômico e político – o “trancamento” [shutdown]
nos EUA seria outra perfeita ilustração, se se precisasse de ilustração – de
que os EUA deslizam tão inexoravelmente quanto a China, pena a pena, vai
abrindo as asas para comandar a pós-modernidade do século 21.
Que
ninguém se engane: as elites de Washington lutarão contra, como se estivessem
ante a pior das pragas. Mesmo assim, a intuição de Antonio Gramsci precisa ser
atualizada: a velha ordem morreu, e a nova ordem está um passo mais perto de
nascer.
Notas dos
tradutores
[1] 16/10/2013, redecastorphoto em: “Fracasso fiscal nos EUA obriga a trabalhar para um mundo des-Americanizado”, Liu Chang, Xinhuanet,
China.
[*] Pepe
Escobar (1954) é
jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista político e correspondente das redes Russia
Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
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