21 outubro 2013, ODiário.info
http://www.odiario.info (Portugal)
A Delegação de Paz das FARC divulgou em Havana,
sede dos Diálogos, um primeiro balanço sobre «o estado das conversações». De
200 propostas mínimas para resolver problemas do campo e da participação
politica que apresentaram, somente foi possível chegar a 25 acordos parciais
com o governo de Juan Manuel Santos.
Não é de admirar: o governo colombiano participa
nos Diálogos porque não teve condições políticas para o recusar. Mas a sua
aposta permanece na guerra, não na paz: o orçamento de estado da Colômbia para
2014 inclui para as Forças Armadas (isto é, para o financiamento da guerra
contra as Farc) a verba astronómica de 274 biliões de pesos, o equivalente a 14
717 mil milhões de dólares.
Os
diálogos para a Paz entre o Governo de Bogotá e as Forças Armadas
Revolucionarias da Colômbia-Exercito do Povo, iniciados em 2012 em Havana,
dificilmente conduzirão ao desfecho positivo desejado pela esmagadora maioria
do povo colombiano.
Foi
possível, por mérito exclusivo da Delegação das FARC, chegar-se a um acordo
sobre a necessidade de uma a Reforma Agraria profunda, o primeiro ponto da
agenda. Mas, tal como se esperava, o Governo de Juan Manuel Santos manobra para
sabotar o processo negocial.
O BALANÇO
DAS FARC-EP
No dia 3
de Outubro, a Delegação de Paz das FARC divulgou em Havana, sede dos Diálogos,
um primeiro balanço sobre «o estado das conversações».
Apos
«catorze ciclos de reuniões»,
as FARC informaram que apresentaram 200 propostas
mínimas para resolver problemas do campo e da participação politica. O
resultado foi modesto: somente foi possível chegar a 25 acordos parciais.
Na mesa
de Diálogo chocam-se duas visões da Historia: uma ultraneoliberal, que
privilegia os interesses das transnacionais e da oligarquia, e a outra que
assume as reivindicações das grandes maiorias. Sob a pressão da contestação das
massas, o governo comprometeu-se a atribuir títulos de propriedade a camponeses
que cultivam terras que segundo a lei não lhes pertencem (48%).
No segundo ponto da agenda, sobre a participação politica, tem-se avançado pouco porque os representantes do governo recusam um acordo prévio sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, exigência das FARC.
A
delegação do governo evita também um debate sério sobre a reparação às vítimas
da guerra que restabeleça a verdade histórica de um conflito que dura há sessenta
anos. Insiste na sua proposta de um referendo sobre um eventual acordo final,
proposta que as FARC não consideram adequada em consequência do controlo
absoluto que o governo tem dos meios de comunicação social.
A GUERRA
CONTINUA
A guerra,
entretanto, prossegue. A luta armada não foi suspensa porque o governo se opôs
a um cessar-fogo, cedendo à pressão do exército.
Ano após
ano ficou transparente que não há solução militar para o conflito. As Forças
Armadas são as mais numerosas e bem equipadas da América Latina (mais de 400
000 militares). Mas a guerrilha é indestrutível. Nos últimos meses, as FARC,
realizando em média três operações diárias, infligiram severas perdas ao
exército e à polícia. Recentemente colunas suas derrubaram um helicóptero no Putumayo
e dois aviões militares, um dos quais do Caquetá.
Nas
Forças Armadas o mal-estar é, aliás, inocultável, com as chefias envolvidas em
escândalos financeiros e crimes de guerra.
A
contestação popular tem aumentado torrencialmente. A Marcha para a Paz e as
iniciativas do movimento Colombianos para a Paz mobilizaram centenas de
milhares de pessoas.
A Igreja católica, o Partido Comunista, os sindicatos e as universidades multiplicam os protestos contra a política dita de segurança democrática que é, na prática, uma política de terrorismo de estado. 87% dos colombianos desejam a paz.
O êxito
da greve nacional agrária obrigou o Presidente a recuar e fazer concessões. Mas
o seu Pacto Nacional Agrário é um projeto oco, uma manobra concebida para
desmobilizar os camponeses em luta.
O
bombardeamento do Congresso com tomates expressou o descontentamento do mundo
rural.
O nível da corrupção, os escândalos financeiros e os crimes atingiram tal magnitude que não foi possível a Santos proteger altas personalidades que durante anos contaram sempre com a confiança do governo.
Desde
2011 foram demitidos seis embaixadores:
- o embaixador na Republica Dominicana, general Jorge Montoya, ex-comandante chefe do Exército, por participação comprovada em crimes de guerra.
- O embaixador no Peru, Jorge Visbal Montero, ex-presidente da associação Nacional de Ganaderos, patrocinadora do paramilitaríssimo.
- O embaixador na Venezuela, José Fernando Bautista, envolvido no escândalo do «carrossel dos contratos».
- O embaixador nos Estados Unidos, Carlos Urrutia, envolvido no escândalo da apropriação ilegal de baldios.
- O embaixador na Rússia, Rafael Amador, que atribuía bolsas universitárias a troco de sexo com homens.
- O embaixador na Áustria, general Padilla Leon, comprovadamente responsável pela prática de crimes de guerra.
Nesse painel de embaixadores temos a imagem do serviço diplomático colombiano.
A
ESTRATÉGIA SINUOSA DE JUAN MANUEL SANTOS
Juan
Manuel Santos distanciou-se da estratégia neofascista de Uribe. Normalizou as relações
com a Venezuela e o Equador e abriu o diálogo com as FARC.
Mas a
Colômbia continua a ser uma semi-colónia. Tao transparente é a sua submissão a
todas as exigências de Washington que os Estados Unidos instalaram mais seis
bases militares no país. Para Obama é o mais firme aliado na América Latina e
uma democracia que deveria inspirar outras no Continente. O seu apreço pelo
governo de Bogotá é demonstrado pela gigantesca «ajuda financeira» - a maior
após a concedida a Israel - destinada quase exclusivamente a combater as
FARC-EP e o ELN.
As
bruscas mudanças de tática do governo nas conversações de Paz refletem o temor
que o Presidente tem de Uribe, o presidente anterior (ao qual serviu
dedicadamente como ministro), da ultra direita das forças armadas e da
oligarquia agrária.
Uribe
rompeu com ele e agora ataca-o publicamente. Acontece que Juan Manuel Santos
pretende reeleger-se e o seu discurso pacifista, sobretudo nas visitas à Europa
e a organizações internacionais é inseparável da sua ambição eleitoral.
As
possibilidades de reeleição são, porém, escassas. Uma sondagem recente
atribuía-lhe uma percentagem de votos pouco superior a 20%.
Numa
entrevista recente aos membros da delegação das FARC em Havana, o jornalista
colombiano Hernando Ospina - residente em Paris- chamou a atenção para o facto
de na Mesa de conversações elas defenderem sobretudo reformas que modernizem o
Estado, o que «pode parecer contraditório numa guerrilha comunista,
marxista-leninista».
O
comandante Ivan Marquez, o chefe da Delegação, confirmou que não estão exigindo
mudanças radicais nas estruturas políticas económicas do Estado.
Ivan
Marquez esclareceu que na Mesa de Diálogo as FARC não falam de socialismo nem
de comunismo. “O que procuramos - afirmou- é criar condições para se chegar a
um entendimento com o governo. Um espaço onde encontremos as diferentes visões.
Sabemos que por isso algumas organizações de esquerda, não somente colombianas,
dizem que nos transformamos numa guerrilha reformista.»
Cabe
recordar que já Lénine dizia que devemos distinguir as reformas cosméticas da
burguesia de reformas de conteúdo revolucionário que abalam o poder da classe
dominante.
Combatendo
a tendência ao pessimismo do entrevistador quanto ao desfecho das Conversações,
o comandante Pablo Catatumbo, outro membro da Delegação, lembrou que a Historia
segue com frequência rumos inesperados.
«Não
esqueça – sublinhou - que as condições políticas na América Latina mudaram.
Quem imaginava o que ocorreu na Venezuela e na Bolívia com a chegada de Chávez e
de Evo? Quem podia imaginar que na América Latina surgiriam outros governos
para exigir aos EUA respeito pela soberania? E o fim da União Soviética?
O
arrastar das conversações de Paz em Havana e a convicção de que um acordo
global sobre os seus pontos da Agenda é inaceitável para o sistema de poder
colombiano contribui para a multiplicação de análises e previsões pessimistas.
Não creio
que esses exercícios especulativos, mesmo quando da iniciativa de amigos das
FARC-EP, sejam úteis.
Mas é
inegável que a abertura da Mesa de Diálogo proporcionou às FARC a possibilidade
de arrancarem a mascara a um governo de matizes neofascistas e de levarem a
milhões de pessoas em dezenas de países um conhecimento aprofundado do seu
programa, da sua luta revolucionaria em prol de uma Colômbia independente,
democrática e progressista.
A verdade sobre uma heroica guerrilha – partido comunista atravessou fronteiras, chega hoje aos mais remotos lugares da Terra.
Vila Nova
de Gaia, 9 de Outubro de 2013
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