16 outubro 2013, Presseurop http://www.presseurop.eu (França)
Mediapart, Paris
A falta de
consenso entre a Comissão Europeia e o FMI sobre a forma como acabar com a
crise da dívida na Europa não para de aumentar. De tal forma que, em Bruxelas,
o seu desmantelamento começa a ser considerado.
Os “homens de negro” da troika
estão em vias de ir cada um para seu lado. Três anos após a sua criação fora de
qualquer quadro jurídico estabelecido pelos tratados europeus, este organismo
tricéfalo, que devia conduzir os programas de reforma dos países da zona euro
em risco de falência, está a ser atravessado por tensões graves. Ao ponto de
estar aberto, em Bruxelas, o debate sobre o pós-troika.
Criada para o “resgate” da Grécia
em maio de 2010, a impopular troika trabalha agora com os Governos de três
outros membros da zona euro: Portugal, Irlanda e Chipre. É ela que decide a
lista das poupanças, reformas estruturais e privatizações que cada país se deve
comprometer a efetuar, se quiser, em troca, um mega-empréstimo para evitar a
bancarrota. O FMI aconselha ainda os europeus em matéria de reforma do setor bancário
espanhol.
Em três anos, esta estrutura de
funcionamento opaco tornou-se o símbolo de uma gestão autoritária da crise, que
encosta à parede as capitais da zona euro determinadas em evitar a falência,
obrigando-as a pôr em prática reformas rejeitadas por grande número de
cidadãos.
Pela lógica, ela dissolver-se-á
quando os projetos de assistência (“bailout”) chegarem ao fim. Como seja em
2016, para Chipre, se acreditarmos nos prazos oficiais. O problema está em que,
no terreno, os melhoramentos ainda se apresentam frágeis (na Irlanda) ou
absolutamente inexistentes (na Grécia). Outros mega-empréstimos podem
revelar-se necessários, prolongando o suplício. Os europeus e o FMI deverão discutir,
no próximo fim de semana em Washington, um novo pacote de ajuda à Grécia.
Fundo Monetário Europeu
Bruxelas
não se atreve a atacar abertamente este assunto, sobretudo porque os
Estados-membros, liderados pela Alemanha, não querem abrir uma caixa de Pandora
Bruxelas não se atreve a atacar
abertamente este assunto, sobretudo porque os Estados-membros, liderados pela
Alemanha, não querem abrir uma caixa de Pandora. Substituir a troika corresponderia,
sem dúvida, a dar ainda mais poderes à Comissão Europeia, transformando-a ainda
mais num “Fundo Monetário Europeu” – um cenário não necessariamente muito
popular aos olhos de muitos cidadãos do continente...
E assim, a tensão empola-se por
todos os lados. Principal razão: a crescente inquietação do FMI, que pretende
limitar os danos e não perder o que lhe resta de legitimidade na gestão de
crises. Na primavera de 2010, foi sobretudo Berlim que fez força para que a
instituição de Washington, então dirigida por Dominique Strauss-Kahn,
interviesse. Foi mesmo uma das condições estabelecidas pelo Bundestag, o
Parlamento alemão, para validar cada novo plano de ajuda: é necessário que o
FMI também esteja envolvido.
Mas o FMI discorda da forma como a
crise está a ser gerida e faz agora questão em deixar que se saiba. O seu
relatório em junho caiu como uma bomba: a instituição critica o plano de ajuda
negociado em 2010 com a Grécia, explicando que, do seu ponto de vista, teria
sido melhor “suavizar” a política de austeridade, promovendo um perdão parcial
das dívidas públicas – cenário excluído, na época, por Paris e Berlim.
Gestão calamitosa da crise
Outra iniciativa conflituosa: o Wall
Street Journal informou
na semana passada da existência de documentos internos do FMI que provam que,
no decisivo mês de maio de 2010, mais de 40 Estados-membros do Fundo, todos não
europeus, se opuseram ao plano de assistência tal como estava projetado para
Atenas.
A retirada do FMI da resolução da
crise na zona euro está já em curso
Questionada sobre esse assunto em
junho, Christine Lagarde tentou deitar água na fervura: “Os membros da troika
mantiveram uma relação muito sólida e produtiva ao longo dos últimos três
anos”, afirmou, elogiando o caráter “inovador” da iniciativa. Mas as pessoas
não são parvas. A calamitosa gestão da crise cipriota, no início deste ano,
deixou marcas indeléveis. O FMI decidiu participar apenas com 10% do volume
total do apoio disponibilizado a Chipre – quando nos “bailouts” precedentes
contribuíra com um terço. A retirada do FMI da resolução da crise na zona euro
está já em curso.
Em menor medida, o BCE também já se
distanciou do dia a dia da gestão da troika. No Conselho de Governadores, em
Frankfurt, são cada vez mais as vozes a temer pela sacrossanta independência da
instituição. “O BCE não aceita a interferência dos governos. Mas essa
independência deveria funcionar nos dois sentidos: o que significa que também o
BCE deveria abster-se de intervir em decisões demasiado políticas, dando
conselhos sobre impostos e cortes de despesas. E, no entanto, é precisamente o
que faz no seio da troika: deve sair de lá o mais depressa possível”, considera
Paul de Grauwe, economista belga e professor da London School of
Economics.
Malogro anunciado
Perante os eurodeputados que o
questionavam no final de setembro em Bruxelas, o presidente do BCE, Mario
Draghi, tentou
minimizar o papel do BCE na troika. Seria apenas um trabalho de mero
conselheiro, “em articulação com a Comissão”, para prestar “aconselhamento
técnico”. Daí até dizer que o BCE aconselha a troika, de fora, vai um
passinho...
Numa altura em que o FMI e o BCE
estão a tentar salvar a face perante o malogro anunciado, resta apenas a
Comissão Europeia, estóica no meio da tempestade, para assumir o balanço –
calamitoso – dos três anos de troika. Com a aproximação das eleições europeias,
José Manuel Durão Barroso, tão rápido a manifestar a sua preocupação
relativamente ao crescimento do “populismo” no continente, dá-se conta da
manobra? O seu colega Olli Rehn não parece incomodado: em agosto, expressou
o seu desejo de concorrer às eleições como possível líder europeu dos liberais.
Traduzido por Ana Cardoso Pires
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