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Outubro 2013, Jornal de Negócios http://www.jornaldenegocios.pt (Portugal)
Por
Celso Filipe cfilipe@negocios.pt
As críticas de José Eduardo dos Santos em relação à
"cúpula" e ao "clima político actual reinante" entre
Portugal e Angola fizeram tremer as relações bilaterais.
O
presidente angolano disse, em 15 de Outubro, que esta situação não aconselha à
criação de uma "parceria estratégica" e as reacções às suas palavras
demonstraram, à sociedade, a componente emocional que caracteriza as relações
entre os dois países. O Negócios explica-lhe os factos que conduziram a estas
declarações e dá resposta às dúvidas que entretanto se foram colocando.
Qual é a
causa desta crise nas relações institucionais entre Portugal e Angola?
O pedido
de desculpas que Rui Machete fez às autoridades angolanas pelas investigações
judiciais a altas figuras do Estado daquele país, especialmente o
vice-presidente da República, Manuel Vicente, e o chefe da Casa Militar,
general Manuel Hélder Vieira Dias ("Kopelipa") e que foi conhecido em
4 de Outubro. Em Portugal, esta atitude foi altamente criticada, tendo o
ministro dos Negócios Estrangeiros sido acusado de ser subserviente em relação
a Angola. Em resposta, o "Jornal de Angola", através de editoriais e
artigos de opinião adoptou uma posição particularmente dura, falando inclusive
em "parlamentares e figuras públicas portuguesas, altamente
corruptas".
Quanto à
investigação em si, a publicação sublinhava em 12 de Outubro: "O
Ministério Público em Portugal é independente, faz gala da sua independência,
mas depois alimenta manchetes na imprensa portuguesa que apenas visam
julgamentos populares na praça pública, cujas vítimas inocentes são titulares
dos nossos órgãos de soberania. Investiguem quem quiserem. Mas não violem o
segredo de justiça para assassinarem a honra de altas figuras do Estado
angolano."
Qual foi
a reacção do Governo português?
Passos
Coelho desvalorizou as críticas feitas a Rui Machete, considerando que as suas
declarações não tinham a gravidade que a oposição lhes queria imputar.
Entretanto, na passada semana, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
e Cooperação, Luís Campos Ferreira, deslocou-se a Luanda. Na ronda de contactos
que fez ficou definida a realização de uma cimeira bilateral em Fevereiro de
2014.
O que fez
o Governo de Angola?
Durante a
permanência do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros em Luanda, o
Governo de Angola manteve o silêncio. No dia 15, no discurso do Estado Nação,
José Eduardo dos Santos, assumiu a ruptura. "Só com Portugal, lamentavelmente,
as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o
clima político actual reinante nessa relação, não aconselha à construção da
parceria estratégica antes anunciada", declarou o presidente angolano.
O que é
que Portugal poderia ter tido feito para evitar esta crise?
As
autoridades angolanas poderiam ter ficado satisfeitas com um pedido de
desculpas da procuradora-geral da República Portuguesa, Joana Marques Vidal.
Não pelo facto de existir uma investigação, mas sim por ter existido uma
violação do segredo de justiça.
A
parceria estratégica terminou?
Não.
Porque esta parceria nunca passou do domínio das intenções, tendo apenas sido
estabelecido um compromisso nesse sentido entre os presidentes dos dois países,
Cavaco Silva e José Eduardo dos Santos, em 2010. O dossiê não registou, desde
então, qualquer avanço.
A
cimeira bilateral foi adiada?
Apesar
desta declaração de José Eduardo dos Santos, não existe nenhuma indicação
oficial do cancelamento da cimeira bilateral marcada para Fevereiro.
Como pode
ser interpretada a declaração de José Eduardo dos Santos?
O
discurso de José Eduardo dos Santos visa reforçar a coesão interna no seio do
MPLA, o partido no poder. A violação do segredo de justiça em Portugal acabou
por minar o próprio José Eduardo dos Santos, que sempre foi visto com um
defensor das relações entre os dois países, tornando-o mais vulnerável às
críticas dos ortodoxos. Por outro lado, o chefe de Estado angolano quis mostrar
que a interdependência nas relações económicas entre os dois países não é uma
inevitabilidade.
Acresce
ainda o plano regional. Com uma posição de força face à antiga potência
colonizadora, Angola ganha a admiração e o respeito dos países africanos. Por
fim, o convite do primeiro-ministro inglês, David Cameron, a José Eduardo dos
Santos, para que este visite Inglaterra, reforça a credibilidade internacional
de Angola. Neste contexto, Portugal passa a ser menos importante para Angola.
O que vai
acontecer aos portugueses que trabalham em Angola e às empresas aí instaladas?
Estes
conflitos diplomáticos sobressaltam sempre os expatriados portugueses. Contudo,
José Eduardo dos Santos, sublinhou que o problema está na cúpula e não ao nível
do cidadão comum. Angola precisa dos trabalhadores qualificados portugueses
para o seu processo de desenvolvimento e as autoridades angolanas têm a
perfeita consciência desta situação. As empresas também não deverão conhecer
problema de maior. Já as exportações poderão encontrar dificuldades adicionais.
Angola tem facilitado na aplicação das taxas alfandegárias, mas agora poderá
endurecer as regras, dificultando desta forma as trocas comerciais.
O que vai
acontecer aos angolanos que trabalham em Portugal e aos investimentos deste
país?
Vão
enfrentar uma animosidade semelhante à dos portugueses em Angola. Existirá uma
reciprocidade que vai flutuar ao sabor das notícias. Quanto aos investimentos
angolanos, vão ainda ficar sob um maior escrutínio público, pelo que a
tendência é que os seus protagonistas reduzam ainda mais a sua já diminuta
visibilidade pública. Mas, face à situação actual, serão alvos mais vulneráveis
à crítica.
Como é
que irão evoluir as relações económicas e empresariais entre os dois países?
O
investimento português em Angola começa a mudar de contornos. O caso recente da
Central de Cervejas é paradigmático. A empresa fez um acordo comercial, cedendo
as licenças das suas marcas que serão produzidas em Angola pela Sodipa, de
Isabel dos Santos. O Estado angolano promove o "black empowerment",
destinado a desenvolver uma classe empresarial angolana. Outro objectivo é o de
diminuir as importações, aumentando a produção interna. Esta iniciativa esbarra
com o facto de muitos homens de negócios angolanos terem precisamente boa parte
dos seus lucros baseados neste tipo de transacções. Em sentido inverso, os
angolanos irão continuar a investir em Portugal, no imobiliário, e à procura de
empresas que possam ser deslocalizadas para Angola em sectores como a
indústria.
Como é
que este braço-de-ferro se resolve?
Não se
resolve no imediato. É para ir resolvendo. A crispação vai diminuir de tom e o
tempo encarregar-se-á de ir sarando as feridas. Contudo, esta é uma boa
oportunidade para construir uma relação baseada no respeito mútuo e não na
subserviência de qualquer uma das partes. Os governos angolano e português
sabem que a tal parceria estratégica é decisiva para ambos os países. José
Eduardo dos Santos, apesar deste discurso duro, tem sido um dos defensores
desta solução.
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