Maputo, 22 Agosto 2007 - Vários especialistas reflectem desde ontem na Ilha de Moçambique diversas matérias relacionadas com as diversas etapas da escravatura entre o território moçambicano e o mundo, com destaque para as ilhas do Oceano Índico. O seminário de dois dias decorre sob lema "As Causas e Consequências da Escravatura Ontem e Hoje" e junta historiadores e outros cientistas sociais moçambicanos, reunioneses, portugueses e italianos.
Um total de 14 painéis está em debate neste evento, entre eles "O contexto da 'exclusão' da mulher na rota de escravos de Moçambique para o comércio transfronteiriço, c. 1730-1830", apresentado pela pesquisadora Benigna Zimba, "O percurso comum africano e especificidades das experiências moçambicanas com a escravidão local e o tráfico de escravos", Gerhard Liesegang, "Vida e morte dos africanos de Moçambique deportados à Ilha Bourbon no período da escravatura, 1724- 1848", apresentado pelo reunionês Sudel Fuma, "Aproximar as costas moçambicanas à Ilha Reunião pela actividade turística", Fabrice Folio (Reunião) ou "Tradições culturais de moçambicanos na Somália", pela italiana Francesca Declich.
Por estes dias, Moçambique e as ilhas do Índico comemoram a abolição da escravatura nos seus territórios, algo que, teoricamente, ocorreu há pouco mais de século e meio. No entanto, o fim efectivo do tráfico humano para trabalho escravo ocorreu apenas com a independência do país, em 1975. o trabalho forçado no tempo colonial pode considerar-se, pelos seus contornos, uma forma dissimulada e sofisticada da escravatura secular. A única diferença foi a ausência da caça ao homem para o trabalho escravo, sendo substituída por coacções de vária ordem, incluindo judicial, para pôr os moçambicanos a trabalharem para a prosperidade de Portugal.
As causas e os efeitos da escravatura no mundo são ainda presentes, o que faz com que algumas correntes defendam, mais do que o diálogo intercultural desenvolvido apenas pelas vítimas, a reparação dos danos causados aos povos pilhados dos seus homens e mulheres.
O seminário que decorre na Ilha de Moçambique é organizado em conjunto pelo Ministério da Educação e Cultura, através do Instituto de Investigação Sociocultural (ARPAC), em coordenação com a associação Historium, da Ilha Reunião.
Entretanto, amanhã, será inaugurado na Ilha de Moçambique o memorial Jardim da Memória, que pretende ser um espaço físico para fazer convergir o passado e o presente do povo da ilha e de outros com que se foi relacionando ao longo do tempo.
O projecto foi desenhado conjuntamente por Moçambique, ilha Reunião – domínio francês do Oceano Índico, que cresceu principalmente através do trabalho escravo de muitos moçambicanos arrancados de vários pontos do que é hoje o nosso país e transportados a partir da Ilha de Moçambique – e Madagáscar.
As ilhas do Índico, principalmente a Reunião, têm estado nos últimos anos a "perseguir" o seu passado. Muitos são os reunionenses que, à procura das suas origens moçambicanas, se tem deslocado ao nosso país. As autoridades de Saint-Denis assinaram com o governo moçambicano em finais do ano passado um projecto de cooperação cultural que prevê intercâmbios entre os dois povos principalmente para alimentar o velho objectivo de responder à questão "quem somos e de onde vimos". Este projecto destina-se a tornar presente à população do oceano Índico as relações históricas e culturais que a unem. Com efeito, todas as chamadas "ilhas crioulas" – Maurícias, Rodrigues, Seychelles e Reunião – foram povoadas a partir do continente africano – e um bocado da Ásia – no quadro de vários sistemas de dominação, nomeadamente da escravatura. O processo de mestiçagem que daí nasceu significou a confluência de várias tradições, religiões e outros que continuam em estreita ligação nos dias que correm.
O "Jardim da Memória" da Ilha de Moçambique será uma espécie de monumento no local de onde terá origem a maioria dos crioulos. À luz do projecto desenhado, o memorial estará localizado num ponto da parte oeste da ilha, em frente ao mar, confinado à uma praia onde atracam diariamente barcos modernos e arcaicos que transportam passageiros e carga provenientes do continente. O sítio foi escolhido pelo Ministério da Educação e Cultura em coordenação com as autoridades locais.
O memorial constitui parte de um grande projecto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sobre as rotas dos escravos nesta região do mundo. a agência da ONU iniciou em 2004 um programa de valorização deste passado que a história preserva. Decidiu-se que em quatro pontos principais seriam instalados memoriais, nomeadamente a Ilha de Moçambique, Fort Dauphin em Madagáscar, Saint-Paul na Reunião e Pondichéry na Índia. (Noticias)
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