por Altamiro Borges* / Vermelho/9 Julho 2007
Conhecido por suas posições conservadoras explícitas, sem papas na língua ou falsos ecletismos, o jornal O Estado de S.Paulo revelou na semana passada o que está por traz das recentes intrigas contra o governo de Hugo Chávez. Num editorial raivoso, o jornalão da famiglia Mesquita defendeu enfaticamente que o Senado brasileiro rejeite o ingresso da Venezuela no Mercosul. O motivo não seria o “exagero retórico” do líder bolivariano contra os “papagaios do imperialismo” incrustados nesta casa legislativa e nem o seu “ultimato” para aprovação da entrada do país vizinho no bloco regional. A razão é eminentemente política e estratégica – o que só os ingênuos e os mal-intencionados insistem em não enxergar.
“O ‘socialismo’, o anticapitalismo e o antiamericanismo de Chávez seriam um peso insuportável para o Brasil e o Mercosul, que precisam disputar mercados num mundo capitalista”, escancara o Estadão, que nunca escondeu a sua preferência pelas “relações carnais” com os EUA e a sua objeção a atual política do Itamaraty de reforço da integração latino-americana e das alianças Sul-Sul. Para o jornalão, os recentes incidentes envolvendo o Senado e o governo venezuelano ocorreram numa boa hora. “A truculência do caudilho abriu os olhos para as previsíveis conseqüências do ingresso definitivo da Venezuela bolivariana no Mercosul”, comemora o porta-voz da direita neoliberal nativa e dos interesses imperialistas dos EUA.
Saudades do entreguista FHC
Para o jornalão, o episódio serve de lição para o presidente Lula, que estaria agindo com complacência diante dos países rebeldes da região – leia-se Venezuela e Bolívia. “Houve época em que o coronel [a famiglia Mesquita, a exemplo da mídia golpista venezuelana, não trata Hugo Chávez como presidente democraticamente eleito] respeitava o Brasil e os seus governantes. Era visível, por exemplo, o respeito reverencial que tinha pelo presidente Fernando Henrique, que mais de uma vez teve de colocar Chávez na linha. Mas com o presidente Lula o relacionamento mudou. Julgando que tinha encontrado um aliado, com identidade de propósitos e idéias, Lula cedeu a praticamente todas as exigências de Chávez”.
A exemplo da colunista Miriam Leitão, da TV Globo, que pregou o rompimento de relações diplomáticas com a Bolívia e o envio de tropas para a fronteira com este país quando da desapropriação das refinarias da Petrobras, o Estadão exige agora o endurecimento do governo Lula diante do “caudilho Chávez” . Ele seria a personificação do “eixo do mal” de Bush e um estorvo às relações mercantis do Mercosul, já que insiste em “fazer o seu monótono comício contra Washington, a União Européia e o capitalismo”, tem “a atenção cativa da Bolívia, da Nicarágua e de Cuba, na Alba”, compra armas de Moscou e “articula com Mahmud Ahmadinejad [Irã] acordos de cooperação e planos de resistência contra o demônio ianque”.
Ingerência indevida do Senado
O editorial do Estadão, por sua franqueza e dureza, é revelador do pensamento da burguesia neoliberal na recente crise fabricada na relação Venezuela-Brasil. O que no início parecia apenas uma refrega retórica, envolvendo alguns senadores da direita e o presidente Chávez, vai adquirindo assim a sua verdadeira e gravíssima dimensão, colocando em risco o inédito esforço da integração regional. Tudo começou com a ingerência indevida do Senado, a partir de um requerimento de Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB e fundador do “valerioduto”, contra a decisão soberana do governo vizinho de não renovar a concessão da RCTV. Na seqüência, o líder bolivariano acusou os senadores de “papagaios do império”. O desabafo foi o sinal para a direita brasileira e sua mídia venal questionarem o ingresso da Venezuela no Mercosul.
A direita brasileira, servil aliada dos EUA, nunca criticou a censura imposta pelo presidente George Bush à imprensa daquele país, através da Patriot Act, ou os campos de tortura de Guantanamo e de Abu Ghraib, ou o fim de dezenas de concessões públicas de televisões nos EUA e na Europa – mas resolveu cutucar o presidente da Venezuela, numa provocação rasteira. A manobra era evidente: ela nunca concordou com os esforços do governo Lula e de outros governantes progressistas da construção de um bloco regional capaz de se contrapor aos desígnios do império. O seu sonho, acalentado por FHC, era o da vigência do tratado neocolonial da Alca, da implantação da base militar em Alcântara e das “relações carnais” com os EUA.
Sórdida manobra em curso
O episódio da RCTV, que nada tem a ver com as relações econômicas, sociais e políticas do Mercosul, foi o pretexto encontrado pela direita nativa, bem ao gosto do imperialismo, para tentar implodir o esforço da integração. Deixada a aparência de lado, agora fica exposta a essência da manobra. “Indústria pede que o Congresso rejeite adesão venezuelana”, festejou a Folha de S.Paulo. Barões do agronegócios e magnatas de poderosas empresas destilam seu ódio contra a revolução bolivariana. O embaixador Rubens Barbosa, membro da equipe entreguista de FHC e guru de Geraldo Alckmin, declara que o ingresso da Venezuela prejudicará o acesso do Mercosul ao mercado dos EUA. O editorial do Estadão é a prova cabal do crime!
Só os ingênuos não percebem a sórdida manobra. O problema não retórico, mas eminentemente político e estratégico. Aparentemente, o presidente Lula está antenado. O seu governo apostou todas as fichas na integração regional, não se curvou diante da pressão da elite para que declarasse “guerra” à Bolívia e nem fez coro com as viúvas da RCTV. Agora mesmo o presidente volta a qualificar a relação com a Venezuela de “extraordinária”, citando o gasoduto que “atravessará toda a América do Sul” e os projetos conjuntos entre as estatais Petrobras e PDVSA. Evitando fazer este debate estratégico através da mídia venal, Lula informou que procurará Hugo Chávez para solucionar o impasse. A iniciativa é urgente, antes que os neoliberais e sua mídia melem os estratégicos e meritórios esforços da integração latino-americana.
*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)
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