29
julho 2019, Página Global (Portugal) https://paginaglobal.blogspot.com/2019/07/sequestros-e-torturas-assombrosas-que.html
Agência
Sputnik continua publicando materiais exclusivos sobre as prisões secretas que
tem o Serviço de Segurança Ucraniano (SBU) ao longo de toda a linha de contato
com as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, onde as
pessoas sequestradas sofrem torturas terríveis.
A Sputnik conseguiu encontrar um ex-funcionário do
Ministério do Interior da Ucrânia, que coordenava
a detenção de "separatistas" nos postos
de controle das repúblicas autoproclamadas, e falou com ex-prisioneiros.
Sequestros
de civis
Em
meados de agosto de 2014, os combates das milícias da República Popular de
Donetsk contra as forças de segurança ucranianas aproximaram-se da cidade de
Ienakievo. Os habitantes locais
começaram a abandonar a zona de combates.
Konstantin
Afonchenko decidiu ir para Odessa, onde sua filha estava sendo tratada no
hospital e sua esposa estava com ela. A viagem terminou logo no primeiro posto
de controle ucraniano.
Alguns
dos "nazik" (como são chamados os efetivos da Guarda Nacional da Ucrânia
na região de Donbass) começaram a revistar o telefone de Afonchenko. No início
dos contatos, na letra "A", encontraram um "Andrei",
jornalista de um canal de televisão russo. Afonchenko o conheceu por acaso
durante uns protestos em maio.
"Bem,
sim, fui aos protestos. E quem não ía? Todo o país estava envolvido em comícios
já havia um ano. Eu não era nenhum separatista, nem sequer sei o que isso
é", diz ele.
Os
"nazik" o espancaram e levaram para o aeródromo da vizinha cidade de
Kramatorsk. Tudo o que era valioso lhe foi retirado. Eles anunciaram que todo o
dinheiro, objetos de valor e o computador passavam para o fundo do exército,
recorda Afonchenko.
Chegada
à prisão secreta
Em
Kramatorsk começaram as torturas, vieram "médicos" e o injetaram com
substâncias para soltar sua língua.
"Senti-me
mal, ele avisou: 'Diz a verdade, porque pode haver um resultado letal. Vou dar
outra injeção. Vai aliviar.' Mas eu me sentia mesmo mal. O que é então,
Kennedy? Posso dizer que matei o Kennedy. O que querem?", recorda
Afonchenko.
Só mais
tarde ele identificou seus torturadores, que eram os ativistas
de Maidan (ciclo de protestos centrados em torno da praça Maidan, em Kiev, no
final de 2013 e início de 2014 contra o governo oficial) Vsevolod Stebliuk e o
futuro deputado do parlamento ucraniano Andrei Teteruk, a partir de suas
fotografias. O "médico" o impressionou particularmente – parecia um
louco de um filme de terror.
Outras
vítimas
Outra
vítima, Alla Belousova, também foi resgatada de Ienakievo e foi capturada pelos
"nazik" junto com seu marido Vladimir.
Belousova tinha, de fato, algo a ver com as repúblicas autoproclamadas – levava alimentos para a cidade sitiada de Slaviansk.
Os
elementos das forças de segurança no posto de controlo descobriram isso
rapidamente, e depois encontraram um documento de Alla assinado por Igor
Strelkov (primeiro ministro da Defesa da República Popular de Donetsk), a
milícia deu a esta mulher o apelido jocoso de Marechal devido a sua
personalidade combativa.
O
documento lhe prestou um mau serviço – ela e seu marido começaram
a ser espancados, os levaram para Kramatorsk e tentaram
organizar um estupro abominável. Mas depois essa identificação salvou sua vida
– muitos prisioneiros eram levados para campos minados ou usados como alvos de
treinamento de tiro, mas a valiosa Marechal foi deixada para troca.
"Trouxeram
o meu marido e começaram simplesmente a matá-lo à minha frente. Eu digo-lhes
para não lhe tocarem. Porque sou assim, posso sobreviver em qualquer situação,
mas ele é fraco. Ele é mais velho que eu, em primeiro lugar, e psicologicamente
é mais fraco que eu", explica Alla.
Sofrimentos
extremos
"Em
Kramatorsk havia uma base militar, as pessoas eram treinadas para operações de
combate. Ele [o militar] devia ficar realmente preparado para matar alguém.
Isso significa que eles precisavam de alvos vivos. Assim era o cinismo dessa
abordagem, quando ele [o carcereiro] entra [na cela] e diz a todos que precisa
de um alvo vivo. Há voluntários?”, testemunha Afonchenko.
Também
se divertiam a mandar o prisioneiro para um campo minado. Também quiseram
enviar a Marechal Alla para as minas, mas no último momento mudaram de ideias –
um prisioneiro tão importante poderia ser trocado por um oficial ucraniano, ou
mesmo dois.
Nem
Afonchenko nem os Belousov foram
sequer alvo de processo criminal. Ficaram
detidos ilegalmente durante um mês e, em meados de setembro, foram trocados por
militares capturados pela República Popular de Donetsk.
Depois
de sua libertação, Afonchenko descobriu que seu cartão bancário estava zerado.
Depois de entrar no banco online, ele descobriu que algum dos carcereiros
esteve comprando gasolina e café em postos de gasolina.
'Martelo
da verdade'
Outra
prisão secreta ainda funciona na cidade de Pokrovsk. Isso foi revelado pelo
ex-prisioneiro Sergei Babich à Sputnik. Ele trabalhou na mina local e todos os
dias úteis ele passava por esta empresa de transporte em seu ônibus de serviço
e não sabia que iria passar lá seis dias horríveis.
"O
edifício é grande, está à parte dos outros. Há muitos porões, ninguém ouve
nada", explica ele por que os elementos de segurança escolheram este
lugar.
Sergei
Babich foi detido com seu companheiro em 25 de março de 2015 em um posto de
controle perto de Krasnoarmeysk, alegadamente como um grupo subversivo que
deveria matar um certo militar ucraniano.
"Não
foi uma detenção, mas um sequestro. Eu já fui torturado na cave da empresa de
transporte 11-411. Fui espancado com um martelo de madeira – um malho.
Chamavam-lhe "o martelo da verdade". Eles usavam armas de choques
elétricos, um saco na cabeça para sufocar", lembra Babich.
le
supõe que foi torturado por agentes do SBU (eles não se apresentaram nem
mostraram suas carteiras de identidade). "Eram fortes, bem treinados, com
máscaras. Faziam tudo de maneira técnica e profissional", descreve Babich
os seus torturadores.
Apenas
no fim da tarde de 31 de março ele foi levado para o departamento de
investigação do Serviço de Segurança da Ucrânia em Mariupol que sua detenção
fosse registrada oficialmente. Os médicos do centro de detenção preventiva de
Mariupol registraram os numerosos hematomas no corpo de Babich no relatório de
medicina legal de 3 de abril.
"Eles
queriam se precaver – se eu morresse no centro de detenção preventiva em um ou
dois dias, ou três, isso seria culpa do SBU e não do centro de detenção
preventiva", explica ele.
O
processo foi levado ao tribunal em 2017. Ele foi acusado
de criação de um grupo terrorista e de uso
ilegal de armas. Em dezembro de 2017, Babich foi transferido para Donetsk no
âmbito da troca de prisioneiros. No entanto, contrariamente a todos os acordos,
o processo não foi encerrado e as acusações não foram retiradas.
Prisões
numerosas
"Nós
sabemos da existência de mais de uma prisão como esta. Desde 2014, temos
recebido ‘chamadinhas’ que existe uma prisão secreta em um lugar, outra em
outro... Conhecemos este problema há muito tempo", confirmou à Sputnik a
ouvidora de Direitos Humanos da autoproclamada república de Donetsk, Darya Morozova.
Segundo
Morozova, estas prisões são controladas pelo SBU, que as utiliza para exercer
pressão sobre os suspeitos. Só podemos adivinhar quantas pessoas estarão presas
lá.
"Em
2014-2015, eu ainda podia acreditar que aí se exercia arbitrariedade dos
batalhões [de voluntários]. Neste momento, tenho todas as condições para
acreditar que o SBU controla totalmente todos estes locais de detenção
ilegais... Eles sabem perfeitamente onde estão esses lugares", disse
Morozova.
Segundo
Morozova, eles estão procurando por 249 pessoas sobre as quais tiveram
confirmação exata de que foram detidas no território da Ucrânia", afirmou
a ouvidora. A Ucrânia confirma oficialmente apenas 101 pessoas.
Missão
da ONU
Os
relatórios da Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia
também mencionam a privação ilegal de liberdade, em particular no SBU de
Kharkov.
"Determinamos
os nomes de 184 pessoas que, na nossa opinião, foram detidas ilegalmente nas
instalações do SBU em Kharkov em 2014-2016. Esta lista continua aumentando",
disse à Sputnik Fiona Frazer, chefe da missão.
Segundo
ela, "a prática da detenção arbitrária ou incomunicável era comum na área
controlada pelo governo em 2014, 2015 e 2016, enquanto em 2017 e 2018 nós
registramos apenas alguns casos”. A prisão do SBU em Kharkov chamou a atenção
das organizações internacionais, em particular da Anistia Internacional.
'Você
não existe'
"Este
é o nosso estudo de 2016. Então nós publicamos uma pesquisa intitulada
"Você não existe", onde relatamos que existem locais de detenção
especiais para manter as pessoas sem comunicação com o mundo exterior",
disse à Sputnik Maria Guryeva, representante da organização na Ucrânia.
Um
deles, segundo ela, ficava em Kharkov, e também foram
registrados certos lugaresem Mariupol e em outras cidades,
mas o principal era o departamento do SBU em Kharkiv, onde as pessoas
declararam que ficaram lá por mais de um ano. Agora estão decorrendo dois
processos judiciais e a organização também irá estudar os novos dados
descobertos pela Sputnik.
Página
Global julho
29, 2019
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