17
juin 2019, Sens Public https://sens-public.org (France)
https://sens-public.org/article1419.html?lang=fr
Résumé :
Six mois après sa prise de fonction, le gouvernement Bolsonaro est confronté au
dégoût d’un certain nombre de ses électeurs. Les preuves du complot pour écarter Lula de la vie
politique viennent d’être publiées par The Intercept. Elles
encouragent les opposants au gouvernement, mais obligent aussi les institutions
discréditées à faire bloc pour ne pas tomber. Cela accroît provisoirement l’impunité dont bénéficie le
pouvoir en l’absence d’un front parlementaire capable de porter un projet
alternatif. Dans cet article, Jessé Souza souligne le fait que le succès
électoral de Bolsonaro repose sur la frustration sociale d’une petite classe
moyenne viscéralement raciste à proportion de ce qu’elle ne se distingue que
par ses origines européennes des pauvres issus de l’esclavage. Les déclarations
les plus excessives de Bolsonaro visent à fédérer cet électorat en répondant à
cette demande de distinction par la stigmatisation des adversaires.
Abstract :
Six months after taking office, the Bolsonaro government faces disgust from a
number of its constituents. The evidence of the plot to remove Lula from
politics has just been published by The Intercept. It encourages the
opponents, but also force discredited institutions to
stand together so they do
not fall. This temporarily increases the impunity enjoyed by the government in
the absence of a parliamentary front capable of carrying an alternative
project. In this article, Jesse Souza underlines the fact that Bolsonaro’s
electoral success is based on the social frustration of a small, viscerally
racist middle class in proportion to what is distinguished only by its European
origins from the slavery poor. . The most excessive declarations of Bolsonaro
aim to federate this electorate by answering this demand of distinction by the
stigmatization of the adversaries.
Resumo : Seis meses depois de assumir o cargo,
o governo de Bolsonaro enfrenta repugnância de vários de seus eleitores. A
evidência da conspiração para remover Lula da política acaba de ser publicada
pela The Intercept. Ela encoraja os oponentes do governo, mas também
forçam as instituições desacreditadas a se unirem para que não caiam. Isso
aumenta temporariamente a impunidade desfrutada pelo governo na ausência de uma
frente parlamentar capaz de realizar um projeto alternativo. Jesse Souza
enfatiza que o sucesso eleitoral de Bolsonaro esta baseado em frustração social
de uma classe media inferior visceralmente pequena racista em proporção ao que
se distingue apenas por suas origens européias dos pobres da escravidão. As
declarações mais excessivas de Bolsonaro visam federar este eleitorado, capital
para a sua manutenção no poder, respondendo a esta exigência de distinção pela
estigmatização dos adversários.
Mots-clés : Brésil, Bolsonaro, Racisme, classe
moyenne, Jessé Souza, esclavage, domination, racisation
Keywords :
Brazil, Bolsonaro, Racism, middle class, Jesse Souza, slavery, domination,
racialization
Palavras-chave : Brasil, Bolsonaro, Racismo, classe
média, Jesse Souza, escravidão, dominação, racialisação
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A continuidade da escravidão com outros meios
Não se entende o Brasil sem
compreender a função do racismo racial entre nós. Não existe
preconceito mais importante entre nós já que ele tem o poder de definir e articular
as relações entre todas as classes sociais no nosso país. É este preconceito
que comanda a continuidade da escravidão com outros meios. Como esse mecanismo
funciona na realidade cotidiana ? Minha tese é a de que a escravidão,
tanto no seu sentido econômico de exploração do trabalho alheio como no seu
sentido moral e político de produção de distinções sociais, se manteve na
prática inalterado desde a abolição da escravatura.
Fundamental para compreender este
estado de coisas é a função que o ex-escravo abandonado e humilhado vai ter na
sociedade pós-escravocrata. O ex-escravo é afastado do mercado de trabalho
competitivo e passa a desempenhar as mesmas funções humilhantes e indignas que
exercia antes. Seja tanto as funções de trabalho sujo, pesado e perigoso, para
os homens, quanto as funções domésticas do antigo “escravo doméstico”, para as
mulheres, as quais reproduzem todas as vicissitudes da antiga relação
senhor/escravo. Faz parte do âmago desta relação não só a exploração do
trabalho vendido a preço vil, mas também a humilhação cotidiana transformada em
prazer sádico para o gozo cotidiano e para a sensação de superioridade e distinção
social das classes média e alta.
Mas isso não é tudo nem sequer o
principal. Os negros na base da pirâmide social brasileira sempre desempenharam
uma função semelhante a casta dos intocáveis na Índia. Como nota Max Weber no
seu estudo clássico sobre o Hinduísmo, os intocáveis possuem a função de
legitimar toda a ordem social Hindu na medida em que todas as outras castas,
mesmo as inferiores, são distinguidas positivamente em relação aos intocáveis.
Como a distinção social, ou
seja, sensação de se saber superior a outros é tão importante na vida
social quanto o dinheiro e a necessidade econômica, isso significa que uma
classe social na qual todos podem pisar, humilhar, violar, agredir, e, no
limite, assassinar sem temer consequências satisfaz, uma necessidade primitiva
fundamental a todas as classes acima dela. É óbvio que uma sociedade deste tipo
não é apenas desumana, desigual, primitiva e tosca, mas também, no limite,
burra já que reproduzir exclusão social produz insegurança, pobreza e
instabilidade social para todos. Mas este é o DNA da sociedade brasileira.
É importante notar que, paralelamente
à condenação do negro à exclusão, o país passa a implementar a política
abertamente racista da importação de imigrantes europeus brancos, na imensa
maioria italianos, precisamente como no caso da família do excelentíssimo
presidente Jair Bolsonaro. Uma parte considerável destes neobrasileiros
ascende rapidamente, alguns inclusive à elite de proprietários e de novos
industriais, mas boa parte irá constituir a classe média branca de grandes
cidades como São Paulo. Nas outras grandes cidades brasileiras, como o Rio de
Janeiro e Recife, os portugueses exerceriam o mesmo papel do italiano em São
Paulo.
Do estigma racial à violência contra os pobres
O imigrante branco, na maioria o
italiano ou o português, irá constituir no Brasil, ao mesmo tempo em aliança e
a serviço da elite de proprietários, uma espécie de bolsão racista e
classista contra os negros e pobres que constituem a maior parte do povo.
Para a elite isso significa a oportunidade de criminalizar e estigmatizar a
soberania popular no nascedouro com a cumplicidade das classes médias e
garantir só para si o orçamento do Estado via juros escorchantes, dívida
pública, sonegação de impostos e outros assaltos legalizados. Para as
outras classes, o preconceito universal contra o negro e ex-escravo, permite a
construção de uma frente comum para a manutenção de uma distinção social
positiva contra os negros o que eterniza o abandono, a humilhação e o genocídio
desta raça/classe como política pública informal.
Mais interessante ainda para nossos
propósitos aqui é a função do racismo contra o negro para os imigrantes que não
lograram sucesso econômico na nova terra. Muitos imigrantes não conseguiram
ascender à classe média verdadeira nem à elite. Boa parte vai constituir uma
zona cinza que inclui a classe trabalhadora precária e o que poderíamos chamar
de baixa classe média. O cotidiano de muitos destes não difere muito
da vida do negro e do pobre brasileiro. Moram eventualmente no mesmo bairro e
passam privações materiais. É precisamente nesta faixa social que o preconceito
de raça é ainda mais importante. Afinal, a única distinção que este pessoal tem
na vida é a brancura da cor da pele para exibir contra o negro.
Entrevistando pessoas desta classe
social no interior de São Paulo, descendentes de italianos, como Bolsonaro e no
lugar onde ele também nasceu, para meu livro “A classe média no espelho”
(2018, Sextante), notei um racismo que não tem nada de cordial. Bolsonaro é
filho da baixa classe média de imigrantes para os quais a carreira no exército
ou na polícia era a promessa de ascensão segura ainda que limitada. Neste
contexto, não se casar com um negro ou com uma negra é a regra familiar mais
importante e mais rígida. Aqui, o preconceito puro, o orgulho da cor da pele e
da origem é a única distinção social positiva ao alcance. Se a elite e a classe
média exploram economicamente – além de humilhar - os negros, aqui só se pode
humilhar. Enfatizar uma distância social quase inexistente do ponto de vista
econômico exige um racismo “racial” turbinado e levado às últimas consequências.
Este é também precisamente o caso do lixo
branco Norte-americano que ajudou a eleger Trump, o objeto do desejo e de
imitação de Bolsonaro. Os brancos do Sul dos EUA, inferiores social e
economicamente ao branco do Norte, são, por conta disso, como uma espécie de compensação
da riqueza inexistente, os racistas mais ferozes e ativistas de uma Ku Klux
Klan que assassinava e linchava negros indiscriminadamente. Este é o caso
de Bolsonaro e de seus seguidores no Brasil. E o que é a milícia
carioca, com a qual Bolsonaro e seus filhos estão envolvidos até o pescoço, do
que a Ku Klux Klan brasileira ? Que existe para explorar e matar negros e
pobres, os supostos bandidos das favelas ?
Embora a elite e a classe média real e
canalha também tenham votado nele, sua real base de apoio é o lixo branco
brasileiro, próximo do negro e por conta disso ávido por criminaliza-lo,
estigmatiza-lo como bandido e por assassiná-lo impunemente. A associação com a
milícia, a tara pelas armas e o discurso de ódio é para matar o preto e o
pobre. O que está por trás de Bolsonaro é racismo racial mais cruel e
expresso do modo mais aberto e canalha que jamais se viu. O ódio a universidade
pública está também ligado ao fato da universidade, agora, ter sido invadida
por negros e pobres. Essa gente não estaria lá para estudar. Só poderia ser
para fazer balbúrdia. Urge cortar as verbas para isso.
A irracionalidade de Bolsonaro, sua
loucura e sua idiotice são a expressão perfeita do ódio racial brasileiro. O
ódio que não se explica racionalmente, nem apenas por motivos puramente
econômicos. O ódio do racista que se vê como fracasso social é um ódio de
morte. Ele não compreende as razões de sua posição social e só tem
ressentimento sem direção na alma e no coração. Ódio em estado puro que Bolsonaro
expressa e exprime como ninguém. Bolsonaro é o líder da Ku klux Klan e do lixo
branco brasileiro. É isso que o define e o explica mais que qualquer outra
coisa.
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