sexta-feira, 19 de julho de 2019

BRICS, África do Sul/Morreu Johnny Clegg, o cantor do hino anti-apartheid "Asimbonanga"


17 Julho 2019 — 09:36, Diário de Notícias Diário de Notícias https://www.dn.pt (Portugal) https://www.dn.pt/cultura/interior/morreu-johnny-clegg-o-cantor-do-hino-anti-apartheid-asimbonanga-11120273.html



Cresceu com os sons e ritmos zulus e, numa África do Sul que vivia o apartheid racista, ousou misturar melodias ocidentais com estruturas musicais zulus. Valeu-lhe a censura e a prisão. Tinha 66 anos e não resistiu a um cancro.


Num tempo em que poucos brancos ousavam levantar a voz contra o apartheid que segregava todos os outros por causa da cor de pele na África do Sul, um rapaz nascido em Inglaterra, filho de pai britânico e mãe do Zimbabwe (então Rodésia), encantou-se pelos sons e ritmos zulus e desafiou as leis racistas do seu país de adoção. Johnny Clegg, o cantor do êxito mundial Asimbonanga, um hino anti-apartheid, dedicado a Nelson Mandela, lançado em 1987, morreu aos 66 anos na terça-feira de cancro do pâncreas, que lhe tinha sido diagnosticado em 2015.

Conhecido por "zulu branco", por causa do ativismo cultural contra a política segregacionista de apartheid, Johnny Clegg recusou sempre qualquer superioridade de civilizações, entrelaçando os ritmos endiabrados zulus e guitarras, teclados e acordeões. "As pessoas ficavam intrigadas com a nossa música", disse
em tempos, numa frase agora recuperada pelo jornal francês L'Observateur.

Clegg nasceu em 1953, em Bacup, próximo de Rochdale, Manchester. Com o divórcio dos pais, ainda criança, acompanhou a mãe quando esta regressou ao seu Zimbabwe natal. Esta cantora de jazz voltou a casar, desta vez com um jornalista sul-africano, e Johnny desembarcou aos 7 anos na África do Sul. Ainda viveu na Zâmbia, dos 9 aos 11 anos, regressando a Joanesburgo para se deixar imergir numa cultura diferente, também por influência do padrasto, repórter de crime. Aprendeu música com trabalhadores de bairros operários e não perdia uma oportunidade de entrar em competições de dança.

"Eu sentia-me como um imigrante", contou Clegg ao jornal americano New York Times em 1990. "Os trabalhadores migrantes eram eles próprios imigrantes, então tivemos um sentimento semelhante de marginalidade na cidade... E isso era algo com o qual eu podia relacionar-me emocionalmente."

Na biografia disponibilizada no seu site oficial, conta-se que Johnny estudou Antropologia na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, onde explorou a mistura de letras em inglês e melodias ocidentais com estruturas musicais zulus. Um produtor sul-africano, Hilton Rosenthal, entusiasmou-se com o projeto e "impulsionou-o com paixão": contrato Johnny e Sipho Mchunu (que era já o seu companheiro de composição e nos palcos) para a sua editora independente. Esta mistura não era lucrativa: por causa da censura racista, a rádio não passava música ou bandas mistas.

Clegg e a banda que formou com Sipho Mchunu, que se chamava Juluka, a palavra zulu para "suor", enfrentaram as leis segregacionistas, tocando em universidades, igrejas e pensões de trabalhadores. Por causa disso foram constantemente assediados pela polícia, com concertos proibidos e detenções. Em 1979 lançam o primeiro álbum, Universal Men, e dois anos depois é a vez de African Litany. Em 1982, a canção Scatterlings of Africa obtém algum sucesso na Europa e América do Norte, subindo nas tabelas de vendas na Inglaterra e França.

O clamor internacional contra o odioso regime da África do Sul era cada vez maior e, em 1987, Asimbonanga irrompe por todo o lado. A canção fala explicitamente de Nelson Mandela, então preso. "Nós não o vimos, nós não vimos Mandela, no lugar onde está, no lugar onde o mantêm", canta Clegg em zulu. E há outros três nomes referidos na canção: Steve Biko, Victoria Mxenge e Neil Aggett, todos ativistas mortos pelo regime racista.

Com o fim definitivo do apartheid, em 1994, é Clegg que diz que "foi como se tivéssemos nascido uma segunda vez". Mas essa nova vida foi dura: "A luta antes era mais simples. Nós vivíamos aqui num túnel, separados do resto do mundo, e definíamo-nos como 'contra', liderando uma batalha que escondia todas as outras", apontou mais tarde. "Hoje estamos a lidar com toda uma série de questões e conflitos relacionados com a pobreza, a construção de uma nação, a sida, a globalização."

Depois de diagnosticado o cancro em 2015, Clegg fez uma pausa na música, para regressar para uma "última viagem", o nome que deu à sua derradeira digressão, que terminou em outubro do ano passado, nas ilhas Maurícias. O funeral será privado e a família pediu que seja respeitada a intimidade neste momento, prometendo uma cerimónia pública de homenagem para mais tarde.

Numa declaração tornada pública pela família, esta terça-feira, lê-se que "Johnny deixa marcas profundas nos corações de todas as pessoas que se consideram africanas. Ele mostrou o que era assimilar e abraçar outras culturas sem perder a identidade".

O músico que passou por Portugal no final dos anos 1980, na Festa do Avante!, recordava de forma especial um concerto em 1997, na Alemanha, quando Nelson Mandela entrou em palco a dançar ao som de Asimbonanga. Johnny não sabia que o então presidente sul-africano estava na audiência. "Esse foi o maior momento para mim", recordou Clegg. "Foi um presente completo e surpreendente do universo."

No final da canção, depois de Mandela cumprimentar todos em palco, o músico perguntou-lhe se ele queria dizer alguma coisa ao público. "É a música e a dança que me deixa em paz com o mundo. E em paz comigo mesmo", disse Mandela, que logo objetou que não via muito movimento na audiência. E pediu que todos se levantassem e dançassem. Clegg voltou a cantar Asimbonanga enquanto Mandela dançava e sorria a seu lado.

VIDEO


Johnny Clegg, South African singer and activist, dies aged 66


Grammy-nominated singer one of few white artists to openly confront apartheid regime
(Foto/Johnny Clegg performing in Cape Town in 2017. His tour was called The Final Journey. Photograph: Rodger Bosch/AFP/Getty Images )

The South African singer and songwriter Johnny Clegg, one of the few white artists to openly confront the apartheid government in the late 1970s and 1980s, has died aged 66, his agent has said.

He had been diagnosed with pancreatic cancer in 2015.

The Grammy-nominated singer, sometimes called the “White Zulu”, died peacefully at home in Johannesburg on Tuesday with his family, according to Clegg’s manager, Roddy Quin.

“Johnny leaves deep footprints in the hearts of every person that considers himself or herself to be an African,” Quinn told AFP.
South Africa’s government paid tribute to Clegg’s achievements on Twitter, saying his music could “unite people across the races and bring them together as a community”.
“Clegg has made an indelible mark in the music industry and the hearts of the people,” they said.


Clegg was born in 1953 in Bacup, near Manchester. His mother was a jazz singer from Zimbabwe (then Southern Rhodesia). After his parents divorced during his early childhood, she took him to live in Zimbabwe.


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