sexta-feira, 19 de julho de 2019

Abya Yala*/Honduras: 10 anos depois do golpe


10/07/2019 Jubileu Sul

Entrevista especial com Jorge Montijo da Comuna Caribe

A Rede Jubileu Sul Américas (JS/A) está publicando uma série de entrevistas sobre os dez anos do Golpe em Honduras. Na entrevista a seguir, o porto-riquenho Jorge Montijo, da Comuna Caribe, entidade-membro da rede JSA, fala das implicações deste golpe na América Latina e sobre as formas de resistência na região. “Por fim, vale ressaltar que, não apenas em Honduras, o envolvimento da oligarquia com o tráfico de drogas gera um clima de violência generalizada que, juntamente com o desastre climático, promove uma gigantesca onda migratória na região. Se não houver mudança radical nos governos desses países, é previsível que nas próximas décadas haja um aumento exponencial do fluxo de migrantes. A intensificação das políticas anti-migrantes nos países com maior desenvolvimento econômico, neste caso a EUA e até o México, gera a possibilidade de uma grave crise humanitária regional”.
Confira a entrevista na íntegra:

JS/A: Você considera que este fato produziu mudanças no cenário da região latinoamericana? Quais?
Jorge: O golpe em Honduras coincidiu com a política externa do novo governo dos EUA, de manter sua liderança no mundo em geral e na América Latina em particular. Com a repressão de um movimento popular em Honduras através do seu apoio tácito ao golpe, EUA deu sua aprovação à
mão forte contra movimentos populares de reinvidicação, bem como contra o jornalismo crítico na região.

É importante ressaltar que as estruturas socioeconômicas que caracterizam o Estado hondurenho nunca permitiram o estabelecimento de uma democracia participativa e popular. Cortando pela raiz os tímidos esforços de democratização propostos pelo governo de Mel Zelaya, EUA deu luz verde às oligarquias dos países vizinhos para que continuassem a manter seu controle de maneira semelhante. Essa política promovida em Honduras afeta toda a região e lança um balde de água fria contra os movimentos mais progressistas de todos os países da América Central e da América Latina. As organizações populares podem ser reprimidas com impunidade, as vozes dissidentes podem ser silenciadas à força, e as oligarquias internas são fortalecidas a serviço dos interesses dos EUA.

E embora tenha sido apontada a desorganização da esquerda hondurenha como uma “causa” da relativa fraqueza das forças populares diante do ataque da direita, é preciso levar em conta que, ao longo de todo o século passado e até agora, EUA  apoiou as oligarquias nacionais, tanto nos massacres genocidas quanto na decapitação seletiva das lideranças da esquerda. Para dar um exemplo próximo a nós no espaço e no tempo, essa política de assassinato seletivo de líderes populares e esquerdistas foi praticada sob o balaguerismo na República Dominicana entre 1966 e 1978, quando toda uma geração de lutadores foi liquidada. Da mesma forma, o assassinato da líder Berta Cáceres ocorreu em Honduras em 2016, além de vários ativistas e jornalistas críticos. Em todos os lugares têm sido mortas as melhores lideranças, tentando prejudicar ao máximo as tentativas de organização e mobilização popular.

Por fim, vale ressaltar que, não apenas em Honduras, o envolvimento da oligarquia com o tráfico de drogas gera um clima de violência generalizada que, juntamente com o desastre climático, promove uma gigantesca onda migratória na região. Se não houver mudança radical nos governos desses países, é previsível que nas próximas décadas haja um aumento exponencial do fluxo de migrantes. A intensificação das políticas anti-migrantes nos países com maior desenvolvimento econômico, neste caso a EUA e até o México, gera a possibilidade de uma grave crise humanitária regional.

JS/A: Na sua perspectiva, qual é a relação entre o modelo de imposição de golpes e as condições sociais, políticas e econômicas do seu país?
Jorge: Porto Rico é uma colônia clássica sob o domínio da EUA, então esse modelo de golpe não se aplica diretamente a nós. No nosso caso, o “golpe” à nossa suposta soberania limitada sob a chamado Estado Livre Associado de Porto Rico é através de leis aprovadas no Congresso dos EUA. A mais nefasta, sarcasticamente chamada de Lei PROMESA, cria um Conselho de Controle Fiscal eleito pelo Congresso, que, como os Capitães Gerais da colonização espanhola do século XIX, goza de poderes onipotentes sobre o governo de Porto Rico. Enquanto o apoio dos americanos ao golpe de Estado em Honduras é uma intervenção estrangeira disfarçada, em Porto Rico eles desmascaram sua mais importante e lucrativa colônia perante o mundo. Além disso, como é bem sabido, Porto Rico continua a servir como ponta de lança em ataques e intervenções militares contra os povos da América Latina, da América Central e do Caribe.

JS/A Em sua opinião, qual é o papel das organizações sociais nesses cenários?
Jorge: O grande problema dos movimentos populares em todos os países é a falta de coordenação entre grupos e organizações. Como explicamos na primeira resposta, em muitos dos nossos países as lideranças dos movimentos foram dizimadas pela oligarquia e pelo império. Dizê-lo é chover no molhado, mas os movimentos sociais são obrigados a buscar alianças e pontos de convergência para enfrentar o inimigo comum.

Para conseguir isso, é essencial poder deixar de lado as lutas internas. Como disse Fanon, a opressão colonial gera lutas entre irmãos, o deslocamento horizontal da violência. Fanon era psiquiatra e, infelizmente, os líderes dos movimentos populares e de esquerda tem negação de receber ajuda das ciências do comportamento para minimizar a resistência psicológica à mudança verdadeiramente progressista. Isso contrasta com a disposição das oligarquias e do poder capitalista de usar esse conhecimento para facilitar sua hegemonia.

As organizações populares têm que promover uma cultura de abertura e democracia em seu próprio seio. Só assim as lutas internas podem ser resolvidas de modo satisfatório e pode ser dada uma mensagem mais efetiva à população contra a ideologia hegemônica. Se nos assemelhamos aos nossos opressores assumindo posições autoritárias e antidemocráticas em nossas próprias organizações, ninguém vai querer se juntar à nossa luta.

--- A presente publicação foi elaborada com o apoio financeiro da União Europeia Seu conteúdo é de responsabilidade exclusiva do Instituto Rede Jubileu Sul Brasil e Rede Jubileu Sul Américas e não necessariamente reflete os pontos de vista da União Europeia. 

*Abya Yala: Terra viva, o nome indígena da América Latina.No espírito de José Martí e dos povos nativos, Abya Yala é tudo o que está relacionado com a Nossa América, essa terra viva que vai do Rio Bravo à Terra do Fogo, passando pelas Caraíbas, sem esquecer as primeiras nações da América do Norte.

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