Entrevista especial com Jorge Montijo da Comuna Caribe
A Rede
Jubileu Sul Américas (JS/A) está publicando uma série de entrevistas sobre os
dez anos do Golpe em Honduras. Na entrevista a seguir, o porto-riquenho Jorge
Montijo, da Comuna Caribe, entidade-membro da rede JSA, fala das implicações
deste golpe na América Latina e sobre as formas de resistência na região. “Por
fim, vale ressaltar que, não apenas em Honduras, o envolvimento da oligarquia
com o tráfico de drogas gera um clima de violência generalizada que, juntamente
com o desastre climático, promove uma gigantesca onda migratória na região. Se
não houver mudança radical nos governos desses países, é previsível que nas
próximas décadas haja um aumento exponencial do fluxo de migrantes. A
intensificação das políticas anti-migrantes nos países com maior desenvolvimento
econômico, neste caso a EUA e até o México, gera a possibilidade de uma grave
crise humanitária regional”.
Confira a
entrevista na íntegra:
JS/A:
Você considera que este fato produziu mudanças no cenário da região
latinoamericana? Quais?
Jorge: O
golpe em Honduras coincidiu com a política externa do novo governo dos EUA, de
manter sua liderança no mundo em geral e na América Latina em particular. Com a
repressão de um movimento popular em Honduras através do seu apoio tácito ao
golpe, EUA deu sua aprovação à
mão forte contra movimentos populares de
reinvidicação, bem como contra o jornalismo crítico na região.
É
importante ressaltar que as estruturas socioeconômicas que caracterizam o
Estado hondurenho nunca permitiram o estabelecimento de uma democracia
participativa e popular. Cortando pela raiz os tímidos esforços de
democratização propostos pelo governo de Mel Zelaya, EUA deu luz verde às
oligarquias dos países vizinhos para que continuassem a manter seu controle de
maneira semelhante. Essa política promovida em Honduras afeta toda a região e
lança um balde de água fria contra os movimentos mais progressistas de todos os
países da América Central e da América Latina. As organizações populares podem
ser reprimidas com impunidade, as vozes dissidentes podem ser silenciadas à
força, e as oligarquias internas são fortalecidas a serviço dos interesses dos
EUA.
E embora
tenha sido apontada a desorganização da esquerda hondurenha como uma “causa” da
relativa fraqueza das forças populares diante do ataque da direita, é preciso
levar em conta que, ao longo de todo o século passado e até agora, EUA
apoiou as oligarquias nacionais, tanto nos massacres genocidas quanto na
decapitação seletiva das lideranças da esquerda. Para dar um exemplo próximo a
nós no espaço e no tempo, essa política de assassinato seletivo de líderes
populares e esquerdistas foi praticada sob o balaguerismo na República
Dominicana entre 1966 e 1978, quando toda uma geração de lutadores foi
liquidada. Da mesma forma, o assassinato da líder Berta Cáceres ocorreu em
Honduras em 2016, além de vários ativistas e jornalistas críticos. Em todos os
lugares têm sido mortas as melhores lideranças, tentando prejudicar ao máximo
as tentativas de organização e mobilização popular.
Por fim,
vale ressaltar que, não apenas em Honduras, o envolvimento da oligarquia com o
tráfico de drogas gera um clima de violência generalizada que, juntamente com o
desastre climático, promove uma gigantesca onda migratória na região. Se não
houver mudança radical nos governos desses países, é previsível que nas
próximas décadas haja um aumento exponencial do fluxo de migrantes. A
intensificação das políticas anti-migrantes nos países com maior
desenvolvimento econômico, neste caso a EUA e até o México, gera a possibilidade
de uma grave crise humanitária regional.
JS/A:
Na sua perspectiva, qual é a relação entre o modelo de imposição de golpes e as
condições sociais, políticas e econômicas do seu país?
Jorge:
Porto Rico é uma colônia clássica sob o domínio da EUA, então esse modelo de
golpe não se aplica diretamente a nós. No nosso caso, o “golpe” à nossa suposta
soberania limitada sob a chamado Estado Livre Associado de Porto Rico é através
de leis aprovadas no Congresso dos EUA. A mais nefasta, sarcasticamente chamada
de Lei PROMESA, cria um Conselho de Controle Fiscal eleito pelo Congresso, que,
como os Capitães Gerais da colonização espanhola do século XIX, goza de poderes
onipotentes sobre o governo de Porto Rico. Enquanto o apoio dos americanos ao
golpe de Estado em Honduras é uma intervenção estrangeira disfarçada, em Porto
Rico eles desmascaram sua mais importante e lucrativa colônia perante o mundo.
Além disso, como é bem sabido, Porto Rico continua a servir como ponta de lança
em ataques e intervenções militares contra os povos da América Latina, da
América Central e do Caribe.
JS/A
Em sua opinião, qual é o papel das organizações sociais nesses cenários?
Jorge: O
grande problema dos movimentos populares em todos os países é a falta de
coordenação entre grupos e organizações. Como explicamos na primeira resposta,
em muitos dos nossos países as lideranças dos movimentos foram dizimadas pela
oligarquia e pelo império. Dizê-lo é chover no molhado, mas os movimentos
sociais são obrigados a buscar alianças e pontos de convergência para enfrentar
o inimigo comum.
Para
conseguir isso, é essencial poder deixar de lado as lutas internas. Como disse
Fanon, a opressão colonial gera lutas entre irmãos, o deslocamento horizontal
da violência. Fanon era psiquiatra e, infelizmente, os líderes dos movimentos
populares e de esquerda tem negação de receber ajuda das ciências do
comportamento para minimizar a resistência psicológica à mudança
verdadeiramente progressista. Isso contrasta com a disposição das oligarquias e
do poder capitalista de usar esse conhecimento para facilitar sua hegemonia.
As
organizações populares têm que promover uma cultura de abertura e democracia em
seu próprio seio. Só assim as lutas internas podem ser resolvidas de modo
satisfatório e pode ser dada uma mensagem mais efetiva à população contra a
ideologia hegemônica. Se nos assemelhamos aos nossos opressores assumindo
posições autoritárias e antidemocráticas em nossas próprias organizações,
ninguém vai querer se juntar à nossa luta.
--- A
presente publicação foi elaborada com o apoio financeiro da União Europeia Seu
conteúdo é de responsabilidade exclusiva do Instituto Rede Jubileu Sul Brasil e
Rede Jubileu Sul Américas e não necessariamente reflete os pontos de vista da
União Europeia.
*Abya Yala: Terra viva, o nome indígena da América
Latina.No espírito de José Martí e dos povos nativos, Abya Yala é tudo o que
está relacionado com a Nossa América, essa terra viva que vai do Rio Bravo à
Terra do Fogo, passando pelas Caraíbas, sem esquecer as primeiras nações da
América do Norte.
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