quarta-feira, 31 de julho de 2019

Trump, Johnson, Bolsonaro …: Quem colocou os psicopatas no poder


31 julho 2019, Página Global (Portugal) https://paginaglobal.blogspot.com/2019/07/quem-colocou-os-psicopatas-no-poder.html#more

Outras Palavras, Tradução: Inês Castilho

Trumps, bolsonaros e dutertes estão agora em toda parte. Sua ascensão não é fortuita. Em fase de hiperconcentração de riquezas, capitalismo precisa destroçar democracia e instalar, no palco da política, palhaços que distraiam a plateia

Há sete anos, o comediante Roty Bremner reclamou que os políticos tinham se tornado tão chatos que poucos mereciam ser imitados. “Atualmente eles são muito parecidos e sem graça… É como se o caráter fosse considerado uma obrigação”, disse ele. Hoje sua profissão tem o problema oposto: por mais afiada que seja a sátira, é uma batalha dar conta da realidade. O universo político, tão sombrio e cinzento há alguns anos, é agora povoado por inacreditáveis exibicionistas.

Os palhaços assassinos estão tomando o poder em todo lugar. Donald Trump, Boris Johnson, Jair Bolsonaro, Narenda Modi, Nigel Farage, Scott Morrison, Rodrigo Duterte, Matteo Salvini, Recep Tayyip Erdoğan, Viktor Orbán e uma horda de outros ridículos homens fortes – ou fracos, como tantas vezes se revelam – dominam nações que no passado os teriam posto para fora da cena aos risos. A questão é: por que? Por que os tecnocratas que reinaram em quase todos os lugares há alguns anos estão dando lugar a bufões
extravagantes?

As mídias sociais, incubadoras de absurdos, são por certo parte da história. Mas embora venham sendo feitos vários bons trabalhos investigando os meios, tem havido surpreendentemente poucos pensando sobre os fins. Por que razão o poder económico, que até recentemente usava seu dinheiro e seus jornais para promover políticos sem carisma, está agora financiando esse circo? Por que o capital desejaria ser representado pela média gerência num dia e no dia seguinte, por bobos da corte?

A razão, penso, é que a natureza do capitalismo mudou. A força dominante nos anos 1990 e começo dos 2000 – do poder corporativo – demandava um governo tecnocrático. Queria pessoas que pudessem gerir um Estado competente e seguro e ao mesmo tempo proteger os lucros de mudanças democráticas. Em 2012, quando Bremner fez sua queixa, o poder já estava mudando para um lugar diferente, mas a política não o havia alcançado.

As políticas que deveriam favorecer o empreendimento – redução de impostos para os ricos, redução dos mecanismos de proteção pública, destruição os sindicatos – estimularam, ao contrário, uma poderosa espiral de acumulação de riqueza patrimonial. As maiores fortunas são agora criadas não mais pelo brilho empresarial mas por meio da herança, do monopólio e do rentismo: garantindo o controle exclusivo de ativos cruciais como terra e imóveis, serviços privatizados e propriedade intelectual, e montando monopólios de estruturas tais como mega-sites de venda, plataformas de software e de mídia social, para cobrar taxas muito mais altas do que os custos de produção. Na Rússia, as pessoas que enriquecem dessa maneira são chamadas de oligarcas. Mas é um fenómeno global. O poder corporativo de hoje é superado – e está se transmutando – em poder oligárquico.

O que os oligarcas desejam não é o mesmo que as velhas corporações desejavam. Nas palavras de seu teórico favorito, Steve Bannon, eles procuram a “desconstrução do Estado administrativo”. O caos é o multiplicador de lucro para o capitalismo de desastre no qual prosperam os novos bilionários. O caos de um Brexit que não consegue sair do papel, os repetidos descalabros e paralisações do governo Trump: essas são as variedades de desconstrução previstas por Bannon. À medida em que implodem as instituições, as leis e o controle democrático, os oligarcas ampliam seu poder e riqueza, às nossas custas.

Os palhaços assassinos oferecem aos oligarcas uma outra coisa também: diversão e despiste. Enquanto os cleptocratas nos assaltam, somos levados a olhar para outro lado. Ficamos hipnotizados por bufões que nos estimulam a canalizar a raiva, que deveria estar reservada aos bilionários, para imigrantes, mulheres, judeus, muçulmanos, negros e outros inimigos imaginários e bodes expiatórios de sempre. Exatamente como foi nos anos 1930, a nova demagogia é uma fraude, uma revolta contra os impactos do capital financiada pelos capitalistas.

Os interesses dos oligarcas estão sempre fora do território: em paraísos fiscais e regimes secretos. Paradoxalmente, esses interesses são mais bem promovidos por nacionalistas e xenófobos. Os políticos que proclamam seu patriotismo e defesa da soberania com maior estridência são sempre os primeiros a vender suas nações. Não por coincidência a maioria dos jornais que promovem a agenda chauvinista, incitando o ódio contra imigrantes e trovejando sobre soberania, é propriedade de exilados fiscais bilionários que vivem no exterior.

Assim como a vida econômica, a vida política foi transferida para longe. As regras políticas para evitar que dinheiro estrangeiro financiasse a política doméstica entraram em colapso. Os maiores beneficiários são os autoproclamados defensores da soberania, que subiram ao poder com ajuda de anúncios nas mídias sociais comprados por pessoas desconhecidas, e think tanks e lobistas que se recusam a revelar quem são seus financiadores. Um ensaio recente dos acadêmicos Reijer Hendrikse e Rodrigo Fernandez argumenta que as finanças em paraísos fiscais envolvem “a desagregação e mercantilização implacável da soberania do Estado” e a transferência de poder a um espaço legal secreto e extraterritorial, além do controle de qualquer Estado. Nesse mundo dos paraísos fiscais, afirmam eles, “o capital global financeirizado e hipermóvel tornou-se efetivamente Estado”.

Os bilionários de hoje são os reais cidadãos do nada. Eles fantasiam, como os plutocratas do terrível romance A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged no original), de Ayn Rand, sobre uma nova escapatória. Veja o empreendimento “seasteading” (“apropriação do mar”, em tradução livre), financiado pelo fundador do PayPal, Peter Thiel, que pretendia construir ilhas artificiais no meio do oceano, cujos cidadãos poderiam decretar uma fantasia hiperliberal de fuga do Estado, leis, impostos, e direitos sociais. É raro passar um mês sem que um bilionário levante a possibilidade de deixar completamente a Terra e colonizar cápsulas espaciais ou outros planetas.

Aqueles cuja identidade está fora do território só querem viajar para mais longe. Para eles, o Estado-nação ao mesmo tempo facilita e onera, impõe impostos e é fonte de riqueza, reserva de mão-de-obra barata e massa fervilhante de plebeus ingratos de quem devem fugir, deixando os deploráveis terráqueos à mercê de seu merecido destino.

Defender-nos da oligarquia significa taxá-los ao máximo. É fácil enganchar-se em discussões sobre que nível de taxação maximiza a geração de receita pública. Há discussões infindáveis sobre a curva de Laffer, que pretende mostrar onde fica esse nível. Mas essas discussões ignoram algo crucial: aumentar a receita do Estado é apenas um dos objetivos dos impostos. Outro é romper a espiral de acumulação da riqueza patrimonial.

Fazê-lo é uma necessidade democrática: de outro modo os oligarcas, como vimos, acabarão por dominar a vida nacional e internacional. A espiral não para por si mesma: somente a ação governamental pode fazê-lo. Esta é uma das razões por que, durante os anos 1940, a alíquota máxima do imposto de renda subiu a 94% nos EUA e a 98% no Reino Unido. Uma sociedade justa requer correções periódicas nessa escala. Mas hoje, os impostos mais altos seriam mais eficazes se destinados à riqueza não acumulada.

Claro, o mundo de paraísos fiscais que os bilionários criaram torna essas políticas extremamente difíceis: afinal, esse é um de seus objetivos. Mas ao menos sabemos qual deveria ser a meta, e podemos começar a enxergar o tamanho do desafio. Para lutar por alguma coisa, precisamos antes entendê-la.

Há uma dimensão pouco examinada no avanço das lógicas neoliberais. Um sistema que estimula competição, disputa e rivalismo produzirá “líderes” brutais e sem empatia. Eleger gente generosa e sensível requer uma nova democracia 

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