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julho 2019, Página Global (Portugal)
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Outras Palavras,
Tradução: Inês Castilho
Trumps,
bolsonaros e dutertes estão agora em toda parte. Sua ascensão não é fortuita.
Em fase de hiperconcentração de riquezas, capitalismo precisa destroçar
democracia e instalar, no palco da política, palhaços que distraiam a plateia
Há sete anos, o comediante Roty Bremner reclamou que os políticos tinham se tornado tão chatos que poucos
mereciam ser imitados. “Atualmente eles são muito parecidos e
sem graça… É como se o caráter fosse considerado uma obrigação”, disse ele.
Hoje sua profissão tem o problema oposto: por mais afiada que seja a sátira, é
uma batalha dar conta da realidade. O universo político, tão sombrio e cinzento
há alguns anos, é agora povoado por inacreditáveis exibicionistas.
Os
palhaços assassinos estão tomando o poder em todo lugar. Donald Trump, Boris Johnson, Jair
Bolsonaro, Narenda Modi, Nigel Farage, Scott Morrison, Rodrigo Duterte, Matteo
Salvini, Recep Tayyip Erdoğan, Viktor Orbán e uma horda de outros ridículos
homens fortes – ou fracos, como tantas vezes se revelam – dominam nações que no
passado os teriam posto para fora da cena aos risos. A questão é: por que? Por
que os tecnocratas que reinaram em quase todos os lugares há alguns anos estão
dando lugar a bufões
extravagantes?
As
mídias sociais, incubadoras de absurdos, são por certo parte da história. Mas
embora venham sendo feitos vários bons trabalhos investigando os meios, tem
havido surpreendentemente poucos pensando sobre os fins. Por que razão o poder
económico, que até recentemente usava seu dinheiro e seus jornais para promover
políticos sem carisma, está agora financiando esse circo? Por que o capital desejaria
ser representado pela média gerência num dia e no dia seguinte, por bobos da
corte?
A
razão, penso, é que a natureza do capitalismo mudou. A força dominante nos anos
1990 e começo dos 2000 – do poder corporativo – demandava um governo
tecnocrático. Queria pessoas que pudessem gerir um Estado competente e seguro e
ao mesmo tempo proteger os lucros de mudanças democráticas. Em 2012, quando
Bremner fez sua queixa, o poder já estava mudando para um lugar diferente, mas
a política não o havia alcançado.
As
políticas que deveriam favorecer o empreendimento – redução de impostos para os
ricos, redução dos mecanismos de proteção pública, destruição os sindicatos –
estimularam, ao contrário, uma poderosa espiral de acumulação de
riqueza patrimonial. As maiores fortunas são agora criadas
não mais pelo brilho empresarial mas por meio da herança, do monopólio e do
rentismo: garantindo o controle
exclusivo de ativos cruciais como terra e imóveis,
serviços privatizados e propriedade intelectual, e montando monopólios de
estruturas tais como mega-sites de venda, plataformas de software e de mídia
social, para cobrar taxas muito mais altas do que os custos de produção. Na
Rússia, as pessoas que enriquecem dessa maneira são chamadas de oligarcas. Mas
é um fenómeno global. O poder corporativo de hoje é superado – e está se
transmutando – em poder oligárquico.
O
que os oligarcas desejam não é o mesmo que as velhas corporações desejavam.
Nas palavras de
seu teórico favorito, Steve Bannon, eles procuram a “desconstrução do Estado
administrativo”. O caos é o multiplicador de lucro para o capitalismo de
desastre no qual prosperam os novos bilionários. O caos
de um Brexit que não consegue sair do papel, os repetidos descalabros e paralisações do
governo Trump: essas são as variedades de desconstrução previstas por Bannon. À
medida em que implodem as instituições, as leis e o controle democrático, os
oligarcas ampliam seu poder e riqueza, às nossas custas.
Os
palhaços assassinos oferecem aos oligarcas uma outra coisa também: diversão e
despiste. Enquanto os cleptocratas nos assaltam, somos
levados a olhar para outro lado. Ficamos hipnotizados por bufões que nos
estimulam a canalizar a raiva, que deveria estar reservada aos bilionários,
para imigrantes, mulheres, judeus, muçulmanos, negros e outros inimigos
imaginários e bodes expiatórios de sempre. Exatamente como foi nos anos 1930, a
nova demagogia é uma fraude, uma revolta contra os impactos do capital
financiada pelos capitalistas.
Os
interesses dos oligarcas estão sempre fora do território: em paraísos fiscais
e regimes secretos.
Paradoxalmente, esses interesses são mais bem promovidos por nacionalistas e
xenófobos. Os políticos que proclamam seu patriotismo e defesa da soberania com
maior estridência são sempre os primeiros a vender suas nações. Não por
coincidência a maioria dos jornais que promovem a agenda chauvinista, incitando
o ódio contra imigrantes e trovejando sobre soberania, é propriedade de
exilados fiscais bilionários que vivem no exterior.
Assim
como a vida econômica, a vida política foi transferida para longe. As regras
políticas para evitar que dinheiro estrangeiro financiasse a política
doméstica entraram em
colapso. Os maiores beneficiários são os autoproclamados
defensores da soberania, que subiram ao poder com ajuda de anúncios nas mídias
sociais comprados por pessoas desconhecidas, e think tanks e lobistas que se recusam a
revelar quem são seus financiadores. Um ensaio recente dos
acadêmicos Reijer Hendrikse e Rodrigo Fernandez argumenta que as finanças em
paraísos fiscais envolvem “a desagregação e mercantilização implacável da
soberania do Estado” e a transferência de poder a um espaço legal secreto e
extraterritorial, além do controle de qualquer Estado. Nesse mundo dos paraísos
fiscais, afirmam eles, “o capital global financeirizado e hipermóvel tornou-se
efetivamente Estado”.
Os
bilionários de hoje são os reais cidadãos do nada. Eles
fantasiam, como os plutocratas do terrível romance A Revolta de
Atlas (Atlas
Shrugged no original), de Ayn Rand, sobre uma nova escapatória. Veja o
empreendimento “seasteading”
(“apropriação do mar”, em tradução livre), financiado pelo fundador do PayPal,
Peter Thiel, que pretendia construir ilhas artificiais no meio do oceano, cujos
cidadãos poderiam decretar uma fantasia hiperliberal de
fuga do Estado, leis, impostos, e direitos sociais. É raro passar um mês sem
que um bilionário levante a possibilidade de deixar completamente a Terra
e colonizar cápsulas
espaciais ou outros planetas.
Aqueles
cuja identidade está fora do território só querem viajar para mais longe. Para
eles, o Estado-nação ao mesmo tempo facilita e onera, impõe impostos e é fonte
de riqueza, reserva de mão-de-obra barata e massa fervilhante de plebeus
ingratos de quem devem fugir, deixando os deploráveis terráqueos à mercê de seu
merecido destino.
Defender-nos
da oligarquia significa taxá-los ao máximo. É fácil enganchar-se em discussões
sobre que nível de taxação maximiza a geração de receita pública. Há discussões
infindáveis sobre a curva de Laffer, que
pretende mostrar onde fica esse nível. Mas essas discussões ignoram algo
crucial: aumentar a receita do Estado é apenas um dos objetivos dos impostos.
Outro é romper a espiral de acumulação da riqueza patrimonial.
Fazê-lo
é uma necessidade democrática: de outro modo os oligarcas, como vimos, acabarão
por dominar a vida nacional e internacional. A espiral não para por si mesma:
somente a ação governamental pode fazê-lo. Esta é uma das razões por que,
durante os anos 1940, a alíquota máxima do imposto de renda subiu a 94% nos EUA
e a 98% no Reino Unido. Uma sociedade justa requer correções periódicas nessa
escala. Mas hoje, os impostos mais altos seriam mais eficazes se destinados à
riqueza não acumulada.
Claro,
o mundo de paraísos fiscais que os bilionários criaram torna essas políticas
extremamente difíceis: afinal, esse é um de seus objetivos. Mas ao menos
sabemos qual deveria ser a meta, e podemos começar a enxergar o tamanho do
desafio. Para lutar por alguma coisa, precisamos antes entendê-la.
Há
uma dimensão pouco examinada no avanço das lógicas neoliberais. Um sistema que
estimula competição, disputa e rivalismo produzirá “líderes” brutais e sem
empatia. Eleger gente generosa e sensível requer uma nova democracia
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