31 maio 2016, Pravda.ru http://port.pravda.ru
(Rússia)
Por
Stella Calloni*
Buenos
Aires (Prensa Latina) O governo legítimo da presidenta Dilma Rousseff foi suspenso por um golpe de
Estado "brando" porém violento, propiciado nada menos que pelo
Congresso da Nação, desvirtuando desta maneira sua própria existência como
Câmara legislativa, violando a Constituição e as leis.
A presidenta suspensa
por 180 dias enfrentará um julgamento político forçado, já que não existem
provas e poderá apresentar sua defesa, ainda que alguns dos ministros do
insólito novo gabinete armado por seu vice-presidente Michel Temer, que deveria
substituí-la interinamente, falam de "governo destituído" com
absoluta impunidade, reconhecendo o golpe. Como fato vergonhoso figura para a
história da infâmia o reconhecimento ao "processo institucional" que
fez desde o primeiro momento o governo do direitista Mauricio Macri da
Argentina, apesar da evidência do golpe de Estado.
No plano da justiça,
fica como exemplo de absoluta falta de ética a presença de vários juízes como
Sergio Moro e outros que atuam como juízes e parte, já que participaram de
todas as ações dessa violenta e corrupta oposição
brasileira.
Em seu discurso ao se
afastar da Presidência e ante milhares de seguidores, Dilma Rousseff foi muito
precisa ao denunciar um golpe de Estado e advertir que continuará a luta com
todas as armas jurídicas e legais que estão a seu favor.
Na América Latina, os
"golpes brandos", ao estilo "revolução colorida" da Europa,
são gerados com violência como são as ações de rua, mobilizações pagas e
dirigidas, o terrorismo midiático, a mentira, a injustiça, a ingerência externa
com financiamento, que é a máxima corrupção que pode se exercer em um país,
quando os atores golpistas recebem milionárias somas de dinheiro de fora para
conseguir como objetivo interromper os processos democráticos.
Do ponto de vista de
uma análise descarnada, na América Latina as medíocres e violentas "novas
direitas" agem a favor dos interesses da potência dominante, traindo não
só a vontade popular mas a pátria, em seu amplo sentido.
Disso se trata o que
ocorreu no Brasil, onde a presidenta assumiu uma posição digna e valente, de
continuar resistindo à injustiça e à imoralidade do ocorrido, enquanto o povo nas
ruas, leia-se trabalhadores, camponeses, intelectuais, artistas, acadêmicos,
não reconhecem o governo golpista que já se definiu por um caminho neoliberal
ao extremo.
Dilma Rousseff, que
foi reeleita em outubro de 2014 com mais de 51% de votos (54 milhões de
brasileiros), enfrentando não só a oposição interna, mas uma guerra suja
implacável como forma contrainsurgente, foi suspensa sem que tenham podido
demonstrar crime algum, por acusações sem provas, por um Congresso com uma
maioria de corruptos, como foi denunciado e provado.
Mas também por
personagens unidos a um passado obscuro marcado pela corrupção e pelas
injustiças, que deixavam de fora uma boa parte dos mais de 202 milhões de
habitantes desse país, dos quais pela primeira vez na história 40 milhões foram
resgatados da pobreza absoluta pela política social dos governos de Luis Inácio
Lula da Silva e depois Dilma Rousseff, entre outros importantes avanços, em um
dos países mais ricos e mais injustos da América Latina.
A acusação que fazem
à chefa de Estado é de utilizar dinheiro de bancos estatais para "cobrir
os déficits do orçamento". Na realidade, não houve um presidente no Brasil
que não recorresse em diversos momentos a fundos estatais que depois se
reintegram. Isto não é um delito para uma impugnação.
Dilma Rousseff nunca
foi acusada de enriquecimento ilícito nem de ter cometido o crime de
responsabilidade que tentam lhe atribuir ou delito algum que possa legitimar um
julgamento político. "Impeachment sem crime de responsabilidade o que é? É
golpe", afirmou a primeira mulher presidenta do Brasil e cujo segundo
mandato termina em 2018.
O silêncio da OEA
A fraca intervenção
do secretário geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro,
ante o que se viu no patético debate do Congresso para vergonha do Brasil, era
de se esperar, de acordo como tem agido contra o governo do presidente Nicolás
Maduro na Venezuela, conspirando com os golpistas da oposição parlamentar que
tenta derrubá-lo com o perigoso disfarce de falsa institucionalidade.
América Latina está
sob ameaça de golpes midiáticos, "parlamentares" e judiciais,
estruturas que os Estados Unidos têm conseguido controlar nestes últimos anos
através de sua rede de Fundações e ONGs, que trabalham sem o controle de vários
governos, muito fragilizados pela falta de instituições de inteligência e
defesa nacional.
Como ressalta Saúl
Leblón na Carta Maior, tem havido um verdadeiro "massacre propagandístico,
equivalente ou superior" ao que fizeram os meios de comunicação na guerra
suja que precedeu o golpe de 1964 contra o presidente João Goulart, quando se
instalou uma ditadura militar que perdurou até 1985.
Durante o governo de
João Goulart, antecederam o golpe uma série de ações desestabilizadoras, com
apoio dos meios de comunicação - como agora - e é necessário recordar o
importante papel que cumpriu O Globo na ditadura que se impôs quando o
derrubaram.
O jornalista
estadunidense Glenn Greenwald, no Brasil, associa a situação atual com o que
aconteceu em 1964: "sou testemunha do modo como estão desmantelando a
democracia - que é o que está ocorrendo - por parte do setor mais rico e
poderoso da sociedade, que utiliza os meios de comunicação de massa para fazer
propaganda a favor de uma minoria de famílias extremamente ricas, muitas das
quais apoiaram o Golpe militar [de 1964], dá realmente medo", afirmou.
Também recorda as
reuniões de empresários brasileiros com o governo dos Estados Unidos naquele
momento, como figura em uma série de documentos desarquivados e como também
acontece agora.
Em 12 de maio assumiu
o governo, supostamente de forma "interina", o vice-presidente de
Rousseff, Michel Temer de 75 anos, do Partido Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), que se supunha aliado do PT. No fim de março, Temer havia se distanciado
de Dilma, porém, é claro, não renunciou ao seu cargo porque estava nos
preparativos golpistas e era o sucessor lógico nestas circunstâncias.
Vinculado com a
segurança dos Estados Unidos, como aparece nas comunicações do Wikileaks
enviadas pelo atual presidente do Brasil, de São Paulo ao Comando Sul,
informava sobre seu país e ao mesmo tempo "vendendo" a utilidade de
seu partido. Poderia se falar de "traição à pátria".
Temer também está
seriamente acusado de corrupção, como vários de seus atuais ministros. Era
imperativo para a direita medíocre do Brasil e para seus financiadores e
assessores em Washington acabar com o governo do PT que tinha mantido um forte
apoio popular durante quatro mandatos consecutivos.
O gabinete de Temer
está composto por uma série de funcionários que têm ocupado postos chave em
empresas estrangeiras e também mantêm relações diretas com Washington.
Estudando cada caso podemos assegurar, sem lugar a dúvidas, que estamos
assistindo um esquema em que não só contam as relações destes ministros com os
Estados Unidos, mas que diretamente respondem às exigências de Washington.
Ainda que tenha
repercutido pouco na imprensa, no dia seguinte ao "impeachment" na
Câmara de Deputados, o senador Aloysio Nunes do PSDB (Partido Social Democrata
Brasileiro, o principal opositor de Rousseff) foi aos EUA por três dias,
recordando a intervenção deste político nas manifestações golpistas contra
Dilma.
"Além disso,
entre os fundadores do PSDB encontramos Franco Montoro, Sérgio Motta e José
Serra nomeado chanceler do novo governo de "transição" de Temer e
conhecido por sua feroz oposição ao governo venezuelano", assinala a
analista Silvina M. Romano no portal do CELAG.
Romano destaca que
Aloysio Nunes se reuniu com funcionários, lobistas e gente próxima a Clinton
(Hillary). "Reuniu-se com Bob Corker e Ben Cardin do Comitê de Relações
Exteriores do Senado. Também reservou um tempinho para ver o ex-embaixador dos
EUA no Brasil, Thomas Shannon, e comer com o lobby do grupo empresarial
Albright Stonebridge, dirigido pela ex-secretária de Estado de Bill Clinton,
Madeleine Allbright, e por Carlos Gutiérrez, ex-secretário de comércio de Bush
e ex-CEO (gerente) da Kellogg", afirma a jornalista e pergunta-se que tipo
de "negócios" foi realizar Nunes nos EUA.
Após analisar uma
série de fatos, Romano conclui que "tendo como guia os processos
históricos e dados contundentes como o fato de que Temer é ex-informante da
CIA, é difícil sustentar que não há vínculo algum entre o que está acontecendo
no Brasil e o governo estadunidense. O discreto perfil mostrado para o Brasil
parece ser uma estratégia de legitimação do que está ocorrendo nesse
país". http://www.celag.org/?s=we+are+watching
Mesmo assim é
necessário destacar que setores importantes dos Estados Unidos têm sido
críticos do grosseiro golpe, recordando o papel de Washington no golpe contra o
presidente João Goulart, quando se aplicou a Doutrina da Segurança Nacional
estadunidense, que instalou a perseguição, o terrorismo de Estado, a tortura, a
morte e desaparecimentos no Brasil.
Esse país então foi
chave para ajudar a semear ditaduras da Segurança Nacional no sul nos anos 70.
Estados Unidos sempre considerou o Brasil de importância estratégica para todos
os seus planos na região.
Por trás do golpe
está o longo trabalho que realizaram os "topos" das Fundações e ONGs
dos Estados Unidos, financiando o aparelho golpista e desestabilizador, que
começou levando às ruas um protesto juvenil, quando era óbvio que procediam das
classes abastadas desse país.
Estes grupos
arrastavam uma parte da população, beneficiada pelo governo do PT como nunca e
ao mesmo tempo intoxicadas pela desinformação criminosa -- e vale dizer -- dos
meios de comunicação de massa. Os monopólios da mentira, sustentada dia a dia,
e dos entretenimentos degradantes e desculturalizantes, que instalaram um
terrorismo midiático tão letal quanto uma arma.
Por trás do golpe
contra Dilma tenta-se enfraquecer os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul), as cinco nações com economias emergentes, que somam 43% da
população mundial e têm 25% da riqueza, gerando 56% do crescimento econômico
registrado no mundo nos últimos anos.
O golpe contra o
Brasil é parte da estratégia de expansão global estadunidense. É um golpe
contra a América Latina, contra a integração continental, mas também contra a
posição do Brasil nas relações soberanas com a China e a Rússia que preocupavam
Washington. Esta sétima economia do mundo, junto com Argentina e Venezuela,
eram o triângulo básico da solidez que tinha alcançado o processo de integração
regional, e expressavam o desafio para os projetos de controle mundial do
império.
As tentativas de
avançar sobre a Petrobrás são tão fortes como sobre os grandes recursos e
reservas do gigante latino-americano. De alguma maneira, controlar o Brasil é
controlar a América do Sul.
Trata-se agora da
recuperação do "quintal" que anunciou o secretário de Estado John
Kerry no fim de 2012. Controlar o Brasil era imprescindível em seu projeto
geoestratégico de recolonização continental. Isto e muito mais está por trás do
golpe no Brasil.
*Stella
Calloni: Escritora e analista política argentina que colabora
com a Prensa Latina.
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