7 junho 2016, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
Se, como é sabido, o vencedor de uma guerra nuclear
não lhe sobreviverá, por que razões têm os Estados Unidos da América um
programa de «revitalização atómica» em curso?
Frederico de Carvalho diz-nos que a razão primeira da contradição enunciada acima está na «necessidade de os Estados Unidos “suprimirem toda a ameaça potencial de outras nações e impedir qualquer outra nação de ascender à posição de superpotência.”»
«E a verdade é que qualquer país que prossiga uma política externa independente é um possível candidato à categoria de “potência hostil”»…
Frederico de Carvalho diz-nos que a razão primeira da contradição enunciada acima está na «necessidade de os Estados Unidos “suprimirem toda a ameaça potencial de outras nações e impedir qualquer outra nação de ascender à posição de superpotência.”»
«E a verdade é que qualquer país que prossiga uma política externa independente é um possível candidato à categoria de “potência hostil”»…
No discurso de
despedida de Dwight Eisenhower ao povo americano, em 1961, o presidente
alertava para a nova realidade da «existência de um imenso complexo militar e
uma poderosa indústria de armamentos» na América. Acrescentava que os Estados
Unidos «despendiam com a segurança militar mais do que os resultados líquidos de
todas as corporações dos EUA».
Sublinhava a
necessidade de «entender (…) as graves implicações» dessa realidade na própria
estrutura da
sociedade norte-americana, e fazia notar que os círculos
governantes “têm que se precaver contra o crescimento de uma influência
injustificada, deliberada ou não, do complexo militar-industrial.
Os riscos de um
potencial crescimento desastroso são reais e persistirão». O controlo
avassalador dos media pelos círculos de interesses dominantes, particularmente
eficaz na maioria dos estados mais poderosos, impede o cidadão comum de ter uma
percepção correcta da dimensão dos perigos que pendem sobre o futuro da
humanidade nestes dias em que o mundo assiste a uma nova corrida aos
armamentos.
O complexo
militar-industrial é em si mesmo, neste contexto, uma força impulsora poderosa
já que se dá naturalmente bem num ambiente de conflito permanente, vendendo os
seus produtos a amigos e inimigos com igual boa consciência. Entretanto, o
investimento mais lucrativo requere a identificação de um inimigo poderoso. No
mundo multipolar dos nossos dias o velho poder unipolar ― os Estados Unidos,
autoproclamada nação excepcional e indispensável ― não pode prosperar sem um
inimigo conveniente.
Os cinco Estados que em
2015 registaram as maiores despesas militares, foram os EUA, a China, a Arábia
Saudita, o Reino Unido e a Rússia. A despesa militar dos Estados Unidos foi, em
2015, quatro vezes superior à da China. A despesa militar per capita foi,
contudo, não quatro mas 17 vezes superior.
Particularmente
preocupante é o facto de, nos anos mais recentes, as despesas militares
daqueles cinco Estados terem vindo a aumentar substancialmente. Assim,
armamentos convencionais e não convencionais têm vindo a ser objecto de um
contínuo esforço de melhoramento técnico e de desenvolvimentos inovadores.
Incluem-se aqui armas de destruição massiva, químicas, biológicas e nucleares.
O programa em curso nos Estados Unidos dito de revitalização atómica tem um
custo estimado de um milhão de milhões de dólares a gastar ao longo de três
décadas. Isto deve ser visto como uma flagrante infracção da obrigação
estipulada no Artigo VI do Tratado de Não Proliferação Nuclear, tratado que os
Estados Unidos assinaram e ratificaram, onde se diz, designadamente, que cada
uma das Partes signatárias, se compromete «a prosseguir de boa-fé negociações
sobre medidas efectivas com vista ao fim da corrida aos armamentos, em data
próxima, e ao desarmamento nuclear sob controlo internacional estrito e
eficaz». Pode avaliar-se da gravidade da situação se se tiver em conta que um
pilar principal do referido «programa de revitalização atómica» é o
desenvolvimento e ensaio de bombas mais inteligentes («smarter bombs»), de
grande precisão, menores dimensões e de difícil detecção em voo («stealthier»).
Este caminho vai, de
facto, pôr perigosamente em causa o nível do chamado «limiar nuclear» (nuclear
threshold), isto é, as circunstâncias em que se considere «aceitável» o emprego
da arma nuclear num possível teatro de guerra ou mesmo contra alvos não
militares.
A abordagem focada no
objectivo de fazer bombas inteligentes e mais pequenas, encontra um eco
favorável em altas esferas políticas e militares norte-americanas que encaram
ou «pensam no impensável». Contemplar a eventualidade de um ataque nuclear
preventivo contra uma suposta potência inimiga, está ligada à convicção de que
uma guerra nuclear pode ser ganha, que pode haver um vencedor. Este é um erro
conceptual de que enferma a posição de alguns políticos neoconservadores acerca
da utilização das armas nucleares. «Para que servem as armas nucleares se não
podem ser usadas?», perguntam. No cerne daquela que, não oficialmente, é
chamada «doutrina Wolfowitz», defendida em 1992, pelo então Subsecretário de
Estado para a Defesa, Paul Wolfowitz, está a consideração da necessidade de os
Estados Unidos «suprimirem toda a ameaça potencial de outras nações e impedir
qualquer outra nação de ascender à posição de superpotência». Desde o fim da
segunda guerra mundial, seguido do estabelecimento da NATO, os factos mostram
que os EUA procuram empenhadamente criar constrangimentos ao ascenso de
«potências hostis». E a verdade é que qualquer país que prossiga uma política
externa independente é um possível candidato à categoria de «potência hostil».
Quando, todavia, a
atenção é dirigida para uma «potência hostil» que possui uma capacidade nuclear
de resposta, efectiva, como é o caso da República Popular da China ou da
Federação Russa, aumenta o risco de ocorrência de um incidente nuclear
deliberado ou acidental que pode levar à extinção da vida no planeta, dando
razão a séria preocupação. Desenvolvimentos recentes no palco mundial não são
de molde a fazer diminuir o alarme de todos os amantes da Paz em qualquer parte
do mundo.
A política de cerco,
por meios militares, às que são consideradas as principais «potências hostis»
nos círculos dirigentes americanos ― financeiros, industriais ou políticos ―
tem vindo a desenvolver-se a um ritmo acelerado. Ao mesmo tempo monta-se um
cenário propício à criação de condições que possam justificar acções de
agressão ditas em defesa da liberdade e da democracia, tais como a diabolização
de ditadores que foram no passado abraçados como bons amigos, ou a montagem de
atentados de conveniente autoria, falsamente atribuída (os chamados «false flag
attacks»). O mundo atravessa uma fase em que se multiplicam guerras regionais
com a destruição massiva de estruturas materiais e pesadas perdas de vidas
humanas, a falência de estados unitários e o caos, que é terreno fértil para o
terrorismo.
Todos os homens e
mulheres amantes da Paz têm o dever de se organizarem colectivamente para
defender um futuro viável para a nossa geração e para as que nos sucederem, em
que Paz, prosperidade, direitos humanos, democracia e justiça, se sobreponham
aos objectivos hegemónicos de uma qualquer potência autoproclamada «excepcional
e indispensável».
*Frederico de Carvalho: Investigador. É vice-presidente do Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos.
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