5 maio 2016, R7 http://noticias.r7.com (Brasil)
Diplomatas e acadêmicos dizem que fechamento de embaixadas poderia
anular ganhos obtidos desde início do século e prejudicar ambições do país.
Sinais de que o novo ministro das
Relações Exteriores, José Serra, poderá fechar embaixadas e consulados na
África preocupam diplomatas e acadêmicos brasileiros e africanos, que temem a
anulação de ganhos obtidos na última década e alertam para possíveis prejuízos
a
ambições internacionais do Brasil.
Logo ao assumir a pasta e diante
de uma grave crise orçamentária (Nao é verdade. O golpista Serra mente. Esta decisao é política. Visa, como ele já anunciou, dar prioridade ao alinhamento com a política externa dos Estados Unidos. Mercosul & CPLP + BRICS), Serra pediu um estudo sobre o custo-benefício
de missões abertas durante o governo Lula na África e no Caribe. O chanceler
disse em entrevista que a relação com países africanos não pode se basear
"em culpas do passado ou em compaixão" e precisa gerar benefícios
também dentro do Brasil.
Diplomatas brasileiros ouvidos
pela BBC Brasil sob condição de anonimato dizem que alguns dos postos com maior
chance de serem fechados são os da Libéria, Serra Leoa e Mauritânia, na África,
e os de Dominica, São Vicente e São Cristóvão, no Caribe.
Segundo diplomatas, uma pequena
embaixada custa a partir de US$ 200 mil (R$ 718 mil) por ano, divididos entre
salários de funcionários locais, carros e aluguéis. O orçamento anual do
ministério é de cerca de R$ 3 bilhões.
No governo Lula (2003-2010), o
Brasil inaugurou 19 das 37 embaixadas que mantém na África, tornando-se o país
com a quinta maior presença diplomática no continente. O comércio do Brasil
como os países africanos passou de US$ 6 bilhões, em 2003, a US$ 26,5 bilhões,
em 2012.
No período, empresas brasileiras --
entre as quais Odebrecht, Camargo Correia e Vale -- também expandiram sua
atuação no continente, muitas vezes amparadas por empréstimos do BNDES (Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).
Acadêmicos e diplomatas dizem que
a aproximação com a África foi crucial para que o Brasil conseguisse eleger os
atuais diretores-gerais da OMC (Organização Mundial do Comércio), Roberto
Azevêdo, e da FAO (agência da ONU para agricultura), José Graziano. Com a estratégia,
o Brasil também esperava contar com o apoio africano a uma reforma do Conselho
de Segurança da ONU que incorporasse o Brasil como membro permanente.
Serra diz que a África não
perderá espaço no novo governo. Em 28 de maio, em sua segunda viagem como
chanceler, ele visitou Cabo Verde, ex-colônia portuguesa considerada um
"caso de sucesso" no continente.
'Política diferenciada'
O antropólogo congolês Kabengele
Munanga, professor visitante da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, diz
se preocupar não só com a extinção das missões, mas com uma mudança na postura
que o Brasil manteve em relação à África na última década.
"Era uma política
diferenciada porque sentíamos que, ainda que não haja relações sem interesse,
era uma relação de respeito, solidariedade e consideração com os países
africanos", ele diz à BBC Brasil.
Munanga diz que, diferentemente
de potências, o Brasil se relaciona com países do continente "sem complexo
de superioridade". Ele descreve o clima festivo numa recepção a Lula no
Benin, quando o presidente esteve acompanhado por seu chanceler, Celso Amorim,
e pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil. "Todos estavam muito à
vontade. Gil vestia uma bata africana e dançava. Nunca vi isso entre diplomatas
europeus."
Em 2005, numa das várias visitas
que fez ao continente, Lula pediu perdão pelos africanos escravizados enviados
ao Brasil.
Munanga também diz temer cortes
nos programas de intercâmbio estudantil que o Brasil mantém com países
africanos. Desde o início do século, milhares de jovens africanos ganharam
bolsas para estudar em universidades públicas brasileiras.
Segundo Munanga, a maioria dos
estudantes pertence a famílias pobres, já que as mais ricas costumam mandar
seus filhos para universidades na Europa ou nos EUA. O antropólogo afirma que
esses jovens criam laços com o Brasil e, ao voltar à terra natal, assumem
posições de destaque, ajudando a estreitar a relação com o país que os acolheu.
Para o sociólogo brasileiro Alex
André Vargem, que pesquisa temas africanos, a relação do Brasil com o
continente "deve ser pensada a partir do reconhecimento de que mais da
metade dos brasileiros tem antepassados africanos".
"O Brasil ainda não enxerga
a África como parte de sua própria história", ele diz. Para Vargem, fechar
embaixadas no continente iria na contramão de ações para reparar injustiças
históricas contra os negros, como a criação de cotas raciais.
Segundo ele, ao dizer que a
"África moderna não pede compaixão", Serra ignora cicatrizes ainda
abertas na relação do Brasil com o continente, que remontam à escravidão. O
sociólogo afirma que a extinção de postos também dificultaria a ida de
imigrantes e regufiados africanos ao Brasil. Segundo o IBGE, havia 15 mil
africanos no Brasil em 2010. Acredita-se que o número seja bem maior.
Um diplomata africano que já
atuou no Brasil e hoje serve em Washington disse à BBC Brasil que países que
tiverem embaixadas fechadas podem encarar a ação como um "ato
hostil". Muitas das nações onde o Brasil abriu missões nos últimos anos
retribuiram o gesto, inaugurando embaixadas em Brasília.
"São países muito pobres,
mas que mesmo assim investiram tempo e recursos nessa relação", ele
afirma. "Vai parecer que todo o esforço foi em vão e pode fazer o país
desconfiar se o Brasil tentar alguma reaproximação no futuro."
Se levar o plano adiante, não
seria a primeira vez que o Itamaraty fecha embaixadas na África. No governo
Fernando Henrique Cardoso, foram fechados postos na Zâmbia, República
Democrática do Congo e Tunísia -- todos reabertos nos anos Lula.
'Maior ativo diplomático'
Mesmo dentro do Itamaraty, o
fechamento de postos é polêmico.
Um diplomata diz que a rede de
embaixadas do Brasil é um dos maiores "ativos diplomáticos" do país.
Uma embaixada num país pequeno, afirma ele, gera custos relativamente baixos e
oferece vantagens expressivas. Nesses locais, segundo o diplomata, muitos
embaixadores têm o celular do chanceler ou do próprio presidente, o que
facilita negociações de interesse do país.
Outros diplomatas defendem
enxugar a operação na África e no Caribe.
Um embaixador afirma à BBC Brasil
que "talvez tenhamos expandido demais" o número de postos. Para ele,
algumas embaixadas não geraram os benefícios esperados e não há justificativas
para mantê-las num cenário de falta de recursos.
O diplomata diz que, mais
importante que manter todas as embaixadas é revitalizar os programas de
cooperação com nações caribenhas e africanas. Segundo ele, muitos países dessas
regiões já estão decepcionados com a redução de recursos nos anos Dilma.
No fim do governo Lula, o
orçamento da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que coordena esses
programas, alcançava US$ 100 milhões. Sob Dilma, o montante despencou para US$
6 milhões.
O diplomata defende que as
embaixadas sejam fechadas de maneira "inteligente", oferecendo aos
países algo de que necessitem, como treinamento profissional ou ações para o
aprimoramento da agricultura.
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