6 junho
2016, Odiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
Nas eleições presidenciais de 2008 nos EUA, a técnica de vender ao mundo
um presidente foi, desde início, um enorme logro coroado de sucesso.
Ao contrário, os candidatos que parecem estar destinados à disputa eleitoral de 2016, Hillary Clinton e Donald Trump, não só não suscitam qualquer entusiasmo no mundo como levantam por todo o lado uma indignada interrogação: como é possível?
Neste texto, Miguel Urbano chama a atenção para um livro a lançar esta semana em Portugal que, «apoiando-se numa documentação exaustiva, apresenta de Hillary um perfil tão assustador que muitos eleitores norte-americanos podem concluir que ela é mais perigosa do que Donald Trump.»
São poucos os
escritores progressistas norte-americanos cujos livros denunciam a estratégia
de dominação planetária dos EUA como ameaça à Humanidade.
Diana Johnstone é quase
uma exceção. Não é marxista nem revolucionária e acredita nos valores da
democracia ocidental. O que critica é
o funcionamento da engrenagem do poder, a
ambição, a perversidade, a irresponsabilidade, o belicismo da elite oligárquica
que no seu país controla o sistema e define a sua relação com o mundo.
Ligada aos Verdes,
colaboradora de Counterpunch, especializada em temas políticos europeus, Diana
(81anos) reside em Paris e a maioria das suas obras foi escrita em França.
O seu último livro, Hillary
Clinton Rainha do Caos* tem entre outros o mérito de chamar a atenção para
a ameaça potencial que representa para a Humanidade a candidata à Casa Branca
que será provavelmente a próxima presidente dos Estados Unidos.
Diana, apoiando-se
numa documentação exaustiva, apresenta de Hillary um perfil tão assustador que
muitos eleitores norte-americanos podem concluir que ela é mais perigosa do que
Donald Trump. O multimilionário novaiorquino é um beócio ignorante, xenófobo,
racista, ultra reacionário. Conta com o apoio da extrema-direita por defender
projetos tão monstruosos como a construção de um alto muro eletrificado na
fronteira com o México e a expulsão massiva dos imigrantes ilegais. É uma
personalidade megalómana, um irresponsável.
Mas, inesperadamente,
Trump critica a corrida às armas, pretende reduzir o Orçamento de Defesa, e
melhorar as relações com a Rússia e a China. Discorda do envolvimento dos EUA
em novas guerras. Para ele a saída da crise passa pela economia, pela expansão
do comércio.
O escritor
australiano John Pielger afirma que Hillary é favorável ao emprego de armas
nucleares táticas em algumas «guerras preventivas». Seria abrir a porta à
destruição da Humanidade.
Favorita do complexo
militar industrial
O livro de Diana
Johnstone transcende pelo seu conteúdo e significado os problemas ligados à
eleição presidencial.
Grande parte dos seus
sete capítulos é dedicada a iluminar o funcionamento de um sistema criminoso,
montado por uma oligarquia que aspira a modelar o mundo sob a égide dos EUA. No
vértice dessa engrenagem situa-se o Complexo Militar Industrial. O seu poder
nocivo já era tamanho que Eisenhower, há mais de meio século, no seu discurso
de despedida alertou o povo americano para a sua perigosidade.
O desaparecimento do
«inimigo comunista» estremeceu os alicerces da poderosa indústria que produz
armas, considerada pelo sistema base da prosperidade nacional.
O governo Truman
recusou todas as propostas de desarmamento da União Soviética, que aspirava a
uma paz duradoura para reconstruir o país, devastado pela guerra.
A elite do poder
estado-unidense decidiu que era imprescindível inventar novos inimigos e
desencadear em cadeia guerras para os destruir.
A estratégia
agressiva de dominação universal foi o complemento da política imposta pela
sobrevivência e agigantamento do Complexo Militar Industrial.
Iniciou-se então um
ciclo de agressões bélicas que perdura desde meados do século XX: Coreia,
Vietnam, Camboja, Laos, Iraque, Afeganistão, Somália, Iémen, Líbia. O estado
neofascista de Israel foi no Médio Oriente o aliado permanente do imperialismo
estado-unidense.
Diana Johnstone
analisa em pormenor os mecanismos utilizados para anestesiar a consciência dos
povos de modo a viabilizar essa estratégia.
As agressões
militares são apresentadas como iniciativas humanitárias em defesa da liberdade
e da democracia. A fórmula tem sido repetida com êxito, tendo como instrumento
um sistema mediático manipulado pelo imperialismo.
Campanhas
massacrantes de deformação da história precedem as agressões militares. As
«guerras preventivas» são justificadas pela necessidade de destruir ditaduras e
tiranos que oprimem os seus povos e ameaçariam «a segurança dos EUA». A
demonização dos comunistas do Vietnam, de Sadam Hussein, de Khadafi foi prólogo
de intervenções militares que devastaram os países «libertados», matando
centenas de milhares de pessoas.
Hillary favorita do Pentágono
Hillary favorita do Pentágono
Hillary aprova o
famoso comentário da sua íntima amiga Madeleine Albright sobre o poder das
forças armadas dos EUA: «Para que ter toda essa força militar se não a usamos?».
Apoiou, com
entusiasmo por vezes, todas «as guerras preventivas» do seu país.
Na juventude foi
admiradora do senador Barry Golwater, o caçador de bruxas, ideólogo da campanha
de perseguição a intelectuais e artistas acusados de filo comunistas.
Em 1999 foi ela quem
convenceu o marido, o presidente Bill Clinton, a iniciar o bombardeamento da
Sérvia pela NATO e a expressar solidariedade com a mafia do Kosovo. O
esfacelamento da Jugoslávia foi aliás o laboratório de «guerras preventivas»
posteriores.
Quando senadora, em
2009, deslocou- se às Honduras para impedir que Cuba fosse readmitida na OEA.
Semanas depois, o presidente Zelaya foi metido em pijama num avião e expulso do
país. Hillary, então secretária de estado, qualificou o golpe militar de
«crise», convidando «todas as partes» a resolver o problema «sem violência».
Posteriormente aprovou a fraude eleitoral que «legitimou» o golpe. No seu livro
de memórias Hard Choices (Escolhas difíceis) define o seu estilo diplomático
como «O poder Inteligente». Esse poder – escreve Johnstone – significa para ela
recorrer a todos os meios possíveis para promover a hegemonia mundial dos EUA».
Sionista desde a
adolescência, afirmou repetidas vezes que é inquestionável o direito de Israel
a assumir-se como «estado judeu».
Hillary defende a
tese do «excecionalíssimo americano”. Para ela os EUA são uma nação
predestinada a salvar a humanidade, a «ultima esperança da humanidade». No
cumprimento dessa missão instalaram mais de 600 bases militares em 148 países.
Fiel a essa
mundividência qualifica de criminosos os lideres de pequenos países que não se
submetem às exigências de Washington. No que toca a Julian Assange, Edward
Snowden e o soldado Maning, as suas revelações são para ela «ataques aos
Estados Unidos e à comunidade internacional».
Como secretária de
estado de Obama, intensificou a ingerência dos EUA nos assuntos internos de 50
países. Hillary Clinton – escreve Diana – parece estar totalmente convencida de
que o progresso do mundo depende de os EUA dizerem a toda a gente como se deve
comportar desde a oração até ao quarto».
É uma metodista
fervorosa e gosta de rezar em público em grupos de estudo da Bíblia no Prayer
Breakfast (Pequeno almoço de oração).A participação nessas iniciativas,
promovidas pela Rede de direita Fraternidade, não é, porém, gratuita: custa 400
dólares.
Hillary, com
frequência, invocava o genocídio de «povos oprimidos» para justificar as
«intervenções humanitárias». Na realidade eram as agressões militares
imperialistas que assumiam um carácter genocida, provocando autênticas
hecatombes. Assim aconteceu no Afeganistão, no Iraque e na Líbia.
Washington recorreu algumas vezes ao Tribunal Penal Internacional, de cuja jurisdição os EUA aliás se excluíram, para obter a condenação de políticos do leste acusando-os de genocidas. Manipulado, esse Tribunal de farsa, criado ad hoc, julgou entre outros o ex-presidente da Sérvia, Milosevic, acusado de crimes que não tinha cometido, como sublinha Diana Johnstone.
A obsessão anti Rússia
Hillary desenvolveu
desde a juventude uma obsessão anti Rússia. O ódio que sentia pela União
Soviética sobreviveu à destruição do regime socialista. Foi transferido para
Putin.
Durante os mandatos
do marido como presidente, empenhou-se na defesa de um projeto de reforma da
saúde. Mal concebido e estruturado, fracassou. Ao ser nomeada chefe do
Departamento de Estado, esqueceu rapidamente essa frente de luta.
Acarinhada pelos
neocons e pelos generais e almirantes do Pentágono, desempenhou então um papel
importante em todas as campanhas que precederam agressões militares
desencadeadas pelos EUA em defesa dos «direitos humanos». Ao receber a notícia
de que Kadhafi tinha sido torturado e mutilado, começou – segundo Johnstone –
«a rir em gargalhadas felizes» e exclamou: «Viemos, vimos, ele morreu».
Apoiou com entusiasmo
as provocadoras, grupelho russo das Pussy Riot que em frente do altar-mor da
Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, bolçaram obscenidades e, cantando em
coro, chamaram «puta» ao patriarca da Igreja Ortodoxa Russa
Quando as moças foram
condenadas pela justiça russa, Hillary assumiu a sua defesa e em Nova York
publicou no Twitter uma foto sua ao lado das Pussy Riot, de visita à cidade,
com uma mensagem: “É ótimo encontrar-me com as fortes e corajosas jovens das
Pussy Riot que recusam que as suas vozes sejam silenciadas na Rússia».
Autêntica candidata
do Pentágono, Hillary acompanhou com paixão os trágicos acontecimentos da
Ucrânia.
Ao saber que Victoria
Nuland – «a minha querida porta-voz no Departamento de Estado», como lhe
chamava – fora nomeada para assumir o comando da agressiva política de
Washington na Ucrânia, Hillary congratulou-se com a escolha da amiga.
Posteriormente manifestou-lhe solidariedade ao explodir o escândalo da sua
conversa telefónica com o embaixador dos EUA naquele país, Geoffrey Pyatt.
Discutiam quem deveria ser colocado no poder em Kiev e Noland e desabafou: “A
União Europeia que se foda».
A reação de Hillary
ao referendo em que o povo da Crimeia, por maioria esmagadora, decidiu que a
Península voltaria a integrar-se na Rússia foi intempestiva e grotesca:
qualificou Putin de «novo Hitler».
No conflito que levou
à secessão das províncias russófonas do Leste da Ucrânia, Hillary Clinton
atribui a Vladimir Putin toda a responsabilidade da guerra civil que assola o
país. Não surpreende tal atitude vinda de quem não esconde a sua simpatia pelo
partido neofascista ucraniano Svoboda.
Na opinião de Diana
Johnstone, «o desempenho de Hillary Clinton como secretária de estado somente
foi um grande êxito num aspecto: tornou-a a candidata favorita do Partido da
Guerra».
No seu importante
livro esboça bem o perfil da mulher que segundo as sondagens pode ser o próximo
presidente dos EUA.
* Diana Johnstone, Hillary Clinton
Rainha do Caos, Editora Página a Página,123 pág., Lisboa 2016 (Queen of caos:
The Misadventures of Hillary Clinton, no original inglês).
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