quinta-feira, 19 de junho de 2014

Brasil/DECRETO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL APROFUNDA DEMOCRACIA

16 Junho 2014, Caros Amigos http://www.carosamigos.com.br (Brasil)

Medida é atacada pela mídia conservadora e pela oposição, e vista como progresso por movimentos sociais

Por Amanda Secco

No dia 23 de maio, durante o evento Arena de Participação Social, a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto 8.234/2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), medidas que pretendem melhorar o diálogo entre sociedade civil e o Governo Federal. Movimentos sociais enxergam no decreto uma possibilidade de mudança, mas a oposição e a mídia burguesa atacam o governo e o acusam de abuso de poder.

O texto publicado no Diário Oficial da União no dia 26 define que a PNPS é constituída por nove mecanismos, que possibilitam a participação da sociedade civil nas decisões de âmbito federal (da administração direta, indireta e das agências reguladoras). Esses mecanismos são: conselho de políticas públicas; comissão de políticas públicas; conferência nacional; ouvidoria pública federal; mesa de diálogo; fórum interconselhos; audiência pública; consulta pública e ambiente virtual de participação social. O SNPS pretende articular esses mecanismos entre si.

Em uma série de textos publicados após a aprovação do decreto, veículos da mídia conservadora acusam que o decreto institui uma ditadura, fere a representação democrática, esvazia o poder do Legislativo, entre outras críticas. No Congresso, já há iniciativas para sustar os efeitos do decreto: na Câmara dos Deputados,
Mendonça Filho (PE), líder do DEM, e Ronaldo Caiado (DEM-GO) elaboraram o Projeto de Decreto Legislativo nº 1.291; no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR) está à frente do Projeto de Decreto de Legislativo nº 177.

Mas para Aurélio Rios, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, a preocupação em relação ao decreto não tem fundamento. "Eu não vejo nenhuma inconstitucionalidade. Ao contrário, eu acho que, de algum modo, esse decreto casa muito bem com aquele ideia do Artigo 1º", analisa. Ele cita o artigo da Constituição de 1988 que diz que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Ele relata ainda que a participação popular não é invenção brasileira. "Vários países adotam conselhos com ampla participação popular. E não são países stalinistas, comunistas, nazistas ou de tendência autoritária. Eu estou falando da Suíça, da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, da Inglaterra, em que você tem conselhos especialmente no âmbito municipal".

Pedro Pontual, diretor do Departamento de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, também afasta a hipótese de autoritarismo. "É um decreto de orientação. Então, os ministérios que não têm ainda conselhos, ouvidorias, conferências, têm que começar a pensar nisso. E pra isso, nós vamos criar um plano de implementação do decreto. Isso vai ser discutido num fórum governamental, com todos os ministérios, num processo bastante democrático", explica. A própria minuta do decreto, segundo Pedro, foi objeto de consulta popular pública, no portal de participação social Participa.br, em que foram apresentadas ao menos 300 propostas. Em comunicado, a Secretaria Geral da Presidência da República esclarece que o decreto não cria novos conselhos e comissões, não instala novos órgãos na administração pública federal e não obriga a criação de conselhos ou de outras instâncias de participação por nenhum órgão da administração pública federal.

Para Pedro, o decreto fortalece a democracia, pois traz o exercício da democracia participativa como complemento à democracia representativa. "O PPA [Plano Plurianual, instrumento de planejamento do Governo] foi objeto de debate no fórum interconselhos com mais de 300 representantes de todos os conselhos nacionais, movimentos, entidades, etc. O Ministério do Planejamento incorporou quase 90% das propostas que apareceram nesse fórum. Mas quem aprova o PPA é o Congresso", exemplifica. O procurador Aurélio Rios concorda. "Somente na Secretaria de Direitos Humanos, nós temos o Conselho Nacional da Pessoa Idosa, o Conanda (o Conselho Nacional da Criança e Adolescente), Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Trabalho Escravo. E nenhum desses conselhos briga com o Congresso Nacional", cita. Atualmente, já existem 35 conselhos nacionais.

Em relação à possibilidade de que esses mecanismos de participação social possam extrapolar suas funções, Aurélio Rios aponta que há maneiras de controle. Como controle preventivo, há, por exemplo, o parágrafo 2º do Artigo 10º do decreto (sobre os conselhos), que exige que antes da publicação das resoluções haja o crivo de um órgão jurídico competente. E após a publicação das resoluções dos conselhos há também formas de questionamento. "Tanto a Advocacia Geral da União, quanto o próprio Ministério Público ou qualquer cidadão podem impugnar a validade disso. Podem entrar com uma ação dizendo: essa resolução do conselho é ilegal", conta. "Qualquer resolução, de qualquer conselho, na órbita do Governo pode ser questionada", complementa.

Ampliação da Participação Social 
Pedro Pontual explica também que a ideia do Governo é integrar municípios e estados ao PNPS. Para isso, foi criado o Termo de Compromisso Nacional pela Participação Social, disponível no site da Secretaria Geral da Presidência da República. O município ou estado que adere ao termo tem prazo de 120 dias para apresentar um plano de trabalho para os próximos cinco anos e estabelecer métodos para fortalecer e ampliar os processos de participação social. A Secretaria Geral fornecerá assessoria pra elaboração do plano e anualmente serão realizados encontros para discutir as experiências. Entre os estados já aderidos estão Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Acre. Outros 35 municípios também já aderiram.

Movimentos sociais
Além de um manifesto recente assinado por juristas, acadêmicos, intelectuais e movimentos sociais em favor da PNPS, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) também emitiu uma nota de apoio que diz manifestar "total apoio ao decreto da presidenta Dilma e repúdio à reação descabida das forças conservadoras, que desta forma dá mais uma prova de sua profunda aversão aos movimentos sociais e ao povo brasileiro".

Para Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) a iniciativa do decreto é importante, mas ainda insuficiente. "A sociedade civil tem que uma função deliberativa. O Governo tem que facilitar a implementação de plebiscitos, de consultas populares deliberativas. Tem que fortalecer os mecanismos reais de participação popular. E isso se dá com reforma política e com fortalecimento as organizações de base", opina.
Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, concorda que os esforços do Governo não podem parar no decreto e também fala na necessidade de uma reforma política. Ele diz ainda que a participação social não é novidade, mas que o decreto é oportunidade de retomar assuntos como os direitos dos trabalhadores, das terras indígenas, da reforma agrária, da redemocratização dos meios de comunicação, entro outros. "Não dá mais pra gente viver na representatividade. O povo que foi às ruas em junho de 2013 foi justamente dizer isso: que esse País só será verdadeiramente democrático com participação popular".

Ele critica ainda as tentativas de sustar o decreto. "Esses que sempre dominaram, que apoiaram a ditadura militar, que sempre tiveram o monopólio da comunicação, que sempre tiveram o monopólio da terra, ficam reclamando porque eles não querem a participação popular. Querem a participação do povo apenas no dia da votação", protesta. Ele diz esperar que o Governo não recue de sua posição.

O procurador Aurélio Rios tem opinião similar. "Eu acho muito mais grave essa ideia que as pessoas têm de que a cada quatro anos elegemos um presidente e damos a ele um cheque branco para agir", diz. Ele discorda ainda das críticas da oposição de que apenas movimentos ligados ao Governo se beneficiariam do decreto. "Eu tenho dificuldade em acreditar nessa teoria conspiratória de que o Governo tem controle sobre os movimentos sociais. Não é isso que a gente está vendo no planeta inteiro", diz ele. “As pessoas que sentem na pele isso, nunca vão deixar de protestar e de lutar por melhores condições de vida”, finaliza.


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