16 Junho 2014, Caros Amigos http://www.carosamigos.com.br (Brasil)
Medida é atacada pela
mídia conservadora e pela oposição, e vista como progresso por movimentos
sociais
Por
Amanda Secco
No dia 23 de maio,
durante o evento Arena de Participação Social, a presidente Dilma Rousseff
assinou o decreto 8.234/2014, que instituiu a
Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de
Participação Social (SNPS), medidas que pretendem melhorar o diálogo entre
sociedade civil e o Governo Federal. Movimentos sociais enxergam no decreto uma
possibilidade de mudança, mas a oposição e a mídia burguesa atacam o governo e
o acusam de abuso de poder.
O texto publicado no
Diário Oficial da União no dia 26 define que a PNPS é constituída por nove
mecanismos, que possibilitam a participação da sociedade civil nas decisões de
âmbito federal (da administração direta, indireta e das agências reguladoras).
Esses mecanismos são: conselho de políticas públicas; comissão de políticas
públicas; conferência nacional; ouvidoria pública federal; mesa de diálogo;
fórum interconselhos; audiência pública; consulta pública e ambiente virtual de
participação social. O SNPS pretende articular esses mecanismos entre si.
Em uma série de textos
publicados após a aprovação do decreto, veículos da mídia conservadora acusam
que o decreto institui uma ditadura, fere a representação democrática, esvazia
o poder do Legislativo, entre outras críticas. No Congresso, já há iniciativas
para sustar os efeitos do decreto: na Câmara dos Deputados,
Mendonça Filho
(PE), líder do DEM, e Ronaldo Caiado (DEM-GO) elaboraram o Projeto de Decreto
Legislativo nº 1.291; no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR) está à frente do Projeto
de Decreto de Legislativo nº 177.
Mas para Aurélio Rios,
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, a preocupação em relação ao decreto
não tem fundamento. "Eu não vejo nenhuma inconstitucionalidade. Ao
contrário, eu acho que, de algum modo, esse decreto casa muito bem com aquele
ideia do Artigo 1º", analisa. Ele cita o artigo da Constituição de 1988
que diz que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente". Ele relata ainda que a
participação popular não é invenção brasileira. "Vários países adotam
conselhos com ampla participação popular. E não são países stalinistas,
comunistas, nazistas ou de tendência autoritária. Eu estou falando da Suíça, da
Suécia, da Noruega, da Dinamarca, da Inglaterra, em que você tem conselhos
especialmente no âmbito municipal".
Pedro Pontual, diretor
do Departamento de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da
República, também afasta a hipótese de autoritarismo. "É um decreto de
orientação. Então, os ministérios que não têm ainda conselhos, ouvidorias,
conferências, têm que começar a pensar nisso. E pra isso, nós vamos criar um
plano de implementação do decreto. Isso vai ser discutido num fórum
governamental, com todos os ministérios, num processo bastante
democrático", explica. A própria minuta do decreto, segundo Pedro, foi
objeto de consulta popular pública, no portal de participação social Participa.br, em que foram apresentadas ao menos 300
propostas. Em comunicado, a Secretaria Geral da Presidência da República
esclarece que o decreto não cria novos conselhos e comissões, não instala novos
órgãos na administração pública federal e não obriga a criação de conselhos ou
de outras instâncias de participação por nenhum órgão da administração pública
federal.
Para Pedro, o decreto
fortalece a democracia, pois traz o exercício da democracia participativa como
complemento à democracia representativa. "O PPA [Plano Plurianual,
instrumento de planejamento do Governo] foi objeto de debate no fórum
interconselhos com mais de 300 representantes de todos os conselhos nacionais,
movimentos, entidades, etc. O Ministério do Planejamento incorporou quase 90%
das propostas que apareceram nesse fórum. Mas quem aprova o PPA é o
Congresso", exemplifica. O procurador Aurélio Rios concorda. "Somente
na Secretaria de Direitos Humanos, nós temos o Conselho Nacional da Pessoa
Idosa, o Conanda (o Conselho Nacional da Criança e Adolescente), Conselho
Nacional da Pessoa com Deficiência, Conselho Nacional de Direitos Humanos e o
Conselho Nacional de Trabalho Escravo. E nenhum desses conselhos briga com o
Congresso Nacional", cita. Atualmente, já existem 35 conselhos nacionais.
Em relação à
possibilidade de que esses mecanismos de participação social possam extrapolar
suas funções, Aurélio Rios aponta que há maneiras de controle. Como controle
preventivo, há, por exemplo, o parágrafo 2º do Artigo 10º do decreto (sobre os
conselhos), que exige que antes da publicação das resoluções haja o crivo de um
órgão jurídico competente. E após a publicação das resoluções dos conselhos há
também formas de questionamento. "Tanto a Advocacia Geral da União, quanto
o próprio Ministério Público ou qualquer cidadão podem impugnar a validade
disso. Podem entrar com uma ação dizendo: essa resolução do conselho é
ilegal", conta. "Qualquer resolução, de qualquer conselho, na órbita
do Governo pode ser questionada", complementa.
Ampliação da
Participação Social
Pedro Pontual explica
também que a ideia do Governo é integrar municípios e estados ao PNPS. Para
isso, foi criado o Termo de Compromisso Nacional pela Participação Social, disponível no site da Secretaria Geral da Presidência da
República. O município ou estado que adere ao termo tem prazo de 120 dias para
apresentar um plano de trabalho para os próximos cinco anos e estabelecer
métodos para fortalecer e ampliar os processos de participação social. A
Secretaria Geral fornecerá assessoria pra elaboração do plano e anualmente
serão realizados encontros para discutir as experiências. Entre os estados já
aderidos estão Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do
Sul, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Acre. Outros 35
municípios também já aderiram.
Movimentos sociais
Além de um manifesto recente assinado por
juristas, acadêmicos, intelectuais e movimentos sociais em favor da PNPS,
a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) também emitiu uma nota de apoio que diz
manifestar "total apoio ao decreto da presidenta Dilma e repúdio à reação
descabida das forças conservadoras, que desta forma dá mais uma prova de sua
profunda aversão aos movimentos sociais e ao povo brasileiro".
Para Guilherme Boulos,
coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) a
iniciativa do decreto é importante, mas ainda insuficiente. "A sociedade
civil tem que uma função deliberativa. O Governo tem que facilitar a
implementação de plebiscitos, de consultas populares deliberativas. Tem que
fortalecer os mecanismos reais de participação popular. E isso se dá com
reforma política e com fortalecimento as organizações de base", opina.
Alexandre Conceição, da
coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, concorda que os
esforços do Governo não podem parar no decreto e também fala na necessidade de
uma reforma política. Ele diz ainda que a participação social não é novidade,
mas que o decreto é oportunidade de retomar assuntos como os direitos dos
trabalhadores, das terras indígenas, da reforma agrária, da redemocratização
dos meios de comunicação, entro outros. "Não dá mais pra gente viver na
representatividade. O povo que foi às ruas em junho de 2013 foi justamente
dizer isso: que esse País só será verdadeiramente democrático com participação
popular".
Ele critica ainda as
tentativas de sustar o decreto. "Esses que sempre dominaram, que apoiaram
a ditadura militar, que sempre tiveram o monopólio da comunicação, que sempre
tiveram o monopólio da terra, ficam reclamando porque eles não querem a
participação popular. Querem a participação do povo apenas no dia da
votação", protesta. Ele diz esperar que o Governo não recue de sua
posição.
O procurador Aurélio
Rios tem opinião similar. "Eu acho muito mais grave essa ideia que as
pessoas têm de que a cada quatro anos elegemos um presidente e damos a ele um
cheque branco para agir", diz. Ele discorda ainda das críticas da oposição
de que apenas movimentos ligados ao Governo se beneficiariam do decreto.
"Eu tenho dificuldade em acreditar nessa teoria conspiratória de que o
Governo tem controle sobre os movimentos sociais. Não é isso que a gente está
vendo no planeta inteiro", diz ele. “As pessoas que sentem na pele isso,
nunca vão deixar de protestar e de lutar por melhores condições de vida”,
finaliza.
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