13 junho 2014, Opera Mundi http://operamundi.uol.com.br (Brasil)
Diana Johnstone*, Counterpunch, Washington
Líderes da Otan encenam farsa deliberada na Europa, desenhada para
reconstruir uma Cortina de Ferro entre Rússia e Ocidente
Com uma unanimidade surpreendente, os
líderes da OTAN (Organização dos Estados do Atlântico Norte) fingem surpresa em
relação a eventos que eles planejaram com meses de antecedência. Eventos que
eles deliberadamente provocaram estão sendo mal representados como repentinos, surpreendentes,
“agressão russa” sem justificativa. Os Estados Unidos e a União Europeia
levaram a cabo uma provocação agressiva na Ucrânia que eles sabiam que forçaria
a Rússia a reagir defensivamente, de uma forma ou de outra.
Efe
Jovem iça bandeira da autoproclamada "República Popular de Donetsk"
em Mariupol; região poderá formar novo Estado: "Nova Rússia"
Eles não poderiam ter certeza de como exatamente o presidente russo Vladimir Putin reagiria quando ele viu que os Estados Unidos estavam manipulando o conflito político na Ucrânia para instalar uma tentativa do governo pró-Ocidente de se unir à OTAN. Esse não era apenas um caso de “esfera de influência”, nas “cercanias” da Rússia, mas uma questão de vida ou morte para a marinha russa, assim como uma ameaça grave à segurança nacional na fronteira da Rússia.
Uma armadilha foi, assim, armada para Putin. Se corresse o bicho pegava, se ficasse o bicho comia. Ele não poderia reagir de menos e trair os interesses nacionais básicos da Rússia, permitindo que a OTAN avançasse suas forças hostis até uma posição ideal de ataque.
Ou ele poderia reagir demais, enviando as forças russas para invadir a Ucrânia. O Ocidente já estava pronto para isso, preparado para gritar que Putin era o “novo Hitler”, prestes a invadir a pobre e indefesa Europa, que só poderia ser salva (novamente) pelos generosos norte-americanos.
Na realidade, o movimento de defesa da Rússia foi um meio termo razoável. Graças ao fato de a esmagadora maioria dos crimeanos se sentirem russos, tendo sido cidadãos russos até que [Nikita] Khrushev [ex-secretário-geral do Partido Comunista Soviético] frivolamente concedeu o território à Ucrânia em 1954, uma solução democrática e pacífica foi encontrada. Os crimeanos votaram em voltarem a fazer da parte da Rússia em um referendo que foi perfeitamente legal de acordo com a lei internacional, apesar de violar a Constituição da Ucrânia, que estava em frangalhos por ter sido recentemente violada pela deposição do presidente devidamente eleito do país, Viktor Yanukovich, o que foi facilitado por milícias violentas. A mudança de status da Crimeia foi alcançada sem derramamento de sangue, nas urnas.
Ainda assim, os gritos de indignação do Ocidente foram tão histericamente hostis quanto se Putin tivesse reagido excessivamente e tivesse submetido a Ucrânia à uma campanha de bombardeio no estilo norte-americano, ou invadido totalmente o país — o que talvez tenham esperado que ele fizesse.
O secretário de Estado norte-americano John Kerry liderou o coro de íntegra indignação, acusando a Rússia do tipo de coisa que o seu próprio governo tem o hábito de fazer. “Você não pode simplesmente invadir outro país sob um falso pretexto para reivindicar seus interesses. Isso é um ato de agressão que é completamente enganoso nos termos da sua alegação”, pontuou Kerry. “É um comportamento do século 19 no século 21”. Em vez de rir dessa hipocrisia, a mídia norte-americana, políticos e comentaristas, zelosamente adotaram o tema da agressão expansionista inaceitável de Putin. Os europeus seguiram com um eco fraco, obediente.
Foi tudo planejado em Ialta
Em setembro de 2013, um dos mais ricos oligarcas ucranianos, Victor Pinchuk, pagou por uma conferência estratégica de elite sobre o futuro da Ucrânia que aconteceu no mesmo palácio em Ialta, na Crimeia, onde [Franklin] Roosevelt [então presidente dos EUA], [Joseph] Stalin [então primeiro-ministro da União Soviética] e [Winston] Churchill [então primeiro-ministro do Reino Unido] se encontraram para decidir o futuro da Europa em 1945. A The Economist, um dos meios de comunicação de elite cobrindo o que eles chamaram de “uma amostra de democracia feroz”, publicou que: “O futuro da Ucrânia, um país de 48 milhões de pessoas, e o da Europa estava sendo decidido em tempo real”. Entre os participantes estavam [o ex-presidente dos EUA] Bill Clinton e Hillary [Clinton ex-secretária de Estado dos EUA], o [ex-]diretor da CIA, general David Petraeus, o ex-secretário do Tesouro [dos EUA] Lawrence Summers, o ex-presidente do Banco Mundial Robert Zoellick, o ministro do Exterior sueco Carl Bildt, [o presidente de Israel] Shimon Peres, [o ex-primeiro-ministro do Reino Unido] Tony Blair, [o ex-chanceler da Alemanha] Gerhard Schröder, [o ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional] Dominique Strauss-Kahn, [o ex-primeiro-ministro italiano] Mario Monti, o presidente da Lituânia Dalia Grybauskaitè, e o influente ministro do Exterior da Polônia Radek Sikorski. Tanto o presidente Viktor Yanukovich, deposto cinco meses depois, e seu sucessor eleito recentemente Petro Poroshenko estavam presentes. O ex-secretário de Energia Bill Richardson estava lá para falar sobre a revolução do gás de xisto que os Estados Unidos esperavam usar para enfraquecer a Rússia ao substituir o “fracking” pelas reservas de gás natural da Rússia. O centro da discussão era o “Acordo Global e Aprofundado de Livre-Comércio” (DCFTA, por sua sigla em ingês) entre a Ucrânia e a União Europeia, e a possibilidade da integração da Ucrânia ao Ocidente. O tom geral era de euforia sobre a possibilidade de romper os laços da Ucrânia com a Rússia em favor do Ocidente.
Conspiração contra Rússia? Claro que não. Ao contrário de Bilderberg, os procedimentos não foram secretos. Encarando uma dúzia ou mais de VIPs americanos e uma grande amostra da elite política europeia estava um conselheiro de Putin chamado Sergei Glazyev, que deixou bem clara a posição da Rússia.
Glazyev injetou uma dose de realismo político e econômico na conferência. A Forbes publicou à época a “diferença gritante” entre os pontos de vista russo e ocidental, “não apenas sobre a conveniência da integração da Ucrânia à União Europeia, mas sobre seu provável impacto”. Ao contrário da euforia europeia, a visão russa era baseada em “críticas muito específicas e pontuais” sobre o impacto do Acordo de Comércio na economia da Ucrânia, notando que a Ucrânia tinha uma enorme dívida externa, financiada com empréstimos do exterior, e o que o aumento substancial na importação de bens ocidentais poderia apenas dilatar o déficit. A Ucrânia iria “declarar moratória das suas dívidas ou requereria um resgate considerável.”
O repórter da Forbes concluiu que “a posição dos russos é mais próxima da realidade que as conversas alegres vindas de Bruxelas e Kiev.”
Em relação ao impacto político, Glazyev destacou que a minoria de pessoas de idioma russo na Ucrânia oriental poderia chegar a dividir o país em protestos contra o rompimento dos laços com a Rússia, e que a Rússia teria legalmente o direito de apoiá-los, de acordo com o The Times de Londres.
Resumidamente, enquanto planejavam incorporar a Ucrânia à esfera ocidental, os líderes ocidentais estavam perfeitamente cientes de que esse movimento ocasionaria sérios problemas com os ucranianos que falavam russo, e com a própria Rússia. Em vez de buscar um acordo, os líderes ocidentais decidiram ir em frente e culpar a Rússia por qualquer coisa que saísse mal. O que saiu mal em primeiro lugar foi Yanukovich, que deu pra trás quando encarou o colapso econômico implícito no Acordo de Comércio com a União Europeia. Ele adiou a assinatura, esperando por um melhor negócio. Já que nada disso foi explicado claramente para o público ucraniano, seguiram-se protestos ultrajados, que foram rapidamente explorados pelos Estados Unidos... contra a Rússia.
A Ucrânia como uma ponte…ou um calcanhar de Aquiles
A Ucrânia, um termo que quer dizer “fronteira”, é um país que não tem fronteiras históricas; que se alongou demais para o Oriente e demais para o Ocidente. A União Soviética foi responsável por isso, mas a União Soviética não existe mais, e o resultado é um país sem uma identidade unificada e que emerge como um problema para si mesmo e para seus vizinhos.
Foi estendido demais para o Oriente, incorporando um território que poderia na verdade ser russo, como parte de uma política geral para distinguir a União Soviética do Império Czarista, alargando a Ucrânia às custas de seu componente russo e demonstrando que a União Soviética era realmente uma união entre repúblicas socialistas. Desde que a União Soviética fosse governada por uma liderança comunista, essas fronteiras não importavam muito.
Foi estendida longe demais para o Ocidente no final da Segunda Guerra Mundial. A vitoriosa União Europeia estendeu a fronteira ucraniana para incluir regiões ocidentais, dominadas pela cidade denominada variavelmente como Lviv, Lwow, Lemberg ou Lvov, dependendo de ela pertencer à Lituânia, à Polônia, ao Império Habsburgo ou à União Soviética, uma área que se tornou um antro de sentimentos anti-Rússia. Isso era sem dúvida exprimido como um movimento de defesa, para neutralizar elementos hostis, mas criou a fundamentalmente dividida nação que hoje constitui as águas conturbadas perfeitas para uma pesca hostil.
A reportagem da Forbes citada acima destacou que: “Nos últimos cinco anos, a Ucrânia esteve basicamente jogando um jogo duplo, falando para a União Europeia que estava interessada em assinar a DCFTA enquanto dizia para os russos que estava interessada em entrar para a união aduaneira”. Ou Yanukovich estava tentando se decidir, ou estava tentando conseguir o melhor negócio dos dois lados, ou estava procurando a maior aposta. De qualquer forma, ele nunca foi “o homem de Moscou”, e sua queda deve muito, certamente, ao seu próprio papel em puxar as duas extremidades para o meio. O jogo dele era perigoso ao colocar poderes maiores um contra o outro.
Pode-se dizer com segurança que o que faltava era algo que até agora parece estar totalmente em falta na Ucrânia: uma liderança que reconhecesse a natureza dividida do país e que trabalhasse diplomaticamente para tentar encontrar uma solução que satisfizesse tanto as populações locais e seus laços históricos com o Ocidente católico e com a Rússia. Em resumo, a Ucrânia poderia ser uma ponte entre o Ocidente e o Oriente — e isso, incidentalmente, foi precisamente a posição da Rússia. A posição da Rússia não foi a de dividir a Ucrânia, muito menos de conquistá-la, mas de facilitar o papel do país como ponte. Isso envolveria um tanto de federalismo, do governo local, que até agora está em falta no país, com o os governadores locais selecionados não por eleição, mas pelo governo central em Kiev. Uma Ucrânia federal poderia tanto desenvolver relações com os Estados Unidos, como manter uma vital (e lucrativa) relação econômica com a Rússia.
Mas essa disposição requer a prontidão
ocidental para cooperar com a Rússia. Os Estados Unidos nitidamente vetaram
essa possibilidade, preferindo explorar a crise para estigmatizar a Rússia, “o
inimigo”.
Plano A e Plano B
A política norte-americana, já evidente na reunião da Ialta de setembro de 2013, foi implementada em terra firme por Victoria Nuland, ex-conselheira do embaixador adjunto da OTAN Dick Cheney, porta-voz de Hillary Clinton e esposa do neoconservador teórico Robert Kagan. O papel de influência dela nos eventos da Ucrânia prova que a influência neoconservadora no Departamento de Estado, estabelecida durante o governo de Bush II, foi mantida por Obama, cuja única contribuição visível para a mudança da política externa foi a presença de um homem descendente de africanos na presidência, calculada para impressionar o mundo com a virtude multicultural dos Estados Unidos. Como muitos dos presidentes recentes, Obama está lá como um vendedor temporário das políticas feitas e executadas por outros.
Conforme Victoria Nuland se vangloriou em Washington, desde a dissolução da União Soviética em 1991, os Estados Unidos gastaram 5 bilhões de dólares para ganhar influência política na Ucrânia (isso é o que se chama “promover a democracia”). Esse investimento não é “pelo petróleo”, ou por qualquer vantagem econômica imediata. Os motivos principais são geopolíticos, porque a Ucrânia é o calcanhar de Aquiles da Rússia, o território com o maior potencial para causar problemas para a Rússia.
O que chamou publicamente a atenção para o papel de Victoria Nuland na crise ucraniana foi o uso de uma palavra feia por ela, quando ela disse ao embaixador norte-americano, “Foda-se a União Europeia”. Mas o barulho sobre o seu palavrão encobriu suas más intenções. A questão era quem deveria tirar o poder do presidente eleito Viktor Yanukovich. O partido da chanceler alemã Angela Merkel esteve promovendo o ex-boxeador Vitali Klitschko como seu candidato. A rejeição rude de Nuland significou que os Estados Unidos, não a Alemanha ou a União Europeia, deveriam escolher o próximo líder, e que não era Klitschko, mas “Yats”. E realmente era Yats, Arseniy Yatsenyuk, um tecnocrata de segunda linha patrocinado pelos Estados Unidos e conhecido por seu entusiasmo pelas políticas de austeridade do FMI e pela carteirinha de membro da OTAN, quem foi contratado. Isso colocou um governo patrocinado pelos Estados Unidos, reforçado nas ruas pela milícia fascista, com pouca representação eleitoral mas muita maldade armada, em uma posição de administrar as eleições de 25 de maio, das quais o Oriente russófono foi largamente excluído.
O Plano A para o golpe de Victoria Nuland era provavelmente instalar, rapidamente, um governo em Kiev que unisse a OTAN, assim formalmente dando a deixa para que os Estados Unidos tomassem posse da indispensável base naval da Rússia no Mar Negro em Sebastopol, na Crimeia. Reincorporar a Crimeia à Rússia era sua defesa necessária para evitar que isso acontecesse.
Mas a jogada de Nulan foi de fato uma vitória tática. Se a Rússia falhasse em se defender, arriscaria perder sua inteira frota meridional — um desastre nacional completo. Por outro lado, se a Rússia reagisse, como era mais provável, os Estados Unidos então teriam ganho uma vitória política que era talvez seu principal objetivo. A jogada totalmente defensiva de Putin é retratada pelos meios de comunicação ocidentais, fazendo eco aos líderes políticos, como um “expansionismo russo” não provocado, que a máquina da propaganda compara a Hitler tomando a Checoslováquia e a Polônia.
Plano A e Plano B
A política norte-americana, já evidente na reunião da Ialta de setembro de 2013, foi implementada em terra firme por Victoria Nuland, ex-conselheira do embaixador adjunto da OTAN Dick Cheney, porta-voz de Hillary Clinton e esposa do neoconservador teórico Robert Kagan. O papel de influência dela nos eventos da Ucrânia prova que a influência neoconservadora no Departamento de Estado, estabelecida durante o governo de Bush II, foi mantida por Obama, cuja única contribuição visível para a mudança da política externa foi a presença de um homem descendente de africanos na presidência, calculada para impressionar o mundo com a virtude multicultural dos Estados Unidos. Como muitos dos presidentes recentes, Obama está lá como um vendedor temporário das políticas feitas e executadas por outros.
Conforme Victoria Nuland se vangloriou em Washington, desde a dissolução da União Soviética em 1991, os Estados Unidos gastaram 5 bilhões de dólares para ganhar influência política na Ucrânia (isso é o que se chama “promover a democracia”). Esse investimento não é “pelo petróleo”, ou por qualquer vantagem econômica imediata. Os motivos principais são geopolíticos, porque a Ucrânia é o calcanhar de Aquiles da Rússia, o território com o maior potencial para causar problemas para a Rússia.
O que chamou publicamente a atenção para o papel de Victoria Nuland na crise ucraniana foi o uso de uma palavra feia por ela, quando ela disse ao embaixador norte-americano, “Foda-se a União Europeia”. Mas o barulho sobre o seu palavrão encobriu suas más intenções. A questão era quem deveria tirar o poder do presidente eleito Viktor Yanukovich. O partido da chanceler alemã Angela Merkel esteve promovendo o ex-boxeador Vitali Klitschko como seu candidato. A rejeição rude de Nuland significou que os Estados Unidos, não a Alemanha ou a União Europeia, deveriam escolher o próximo líder, e que não era Klitschko, mas “Yats”. E realmente era Yats, Arseniy Yatsenyuk, um tecnocrata de segunda linha patrocinado pelos Estados Unidos e conhecido por seu entusiasmo pelas políticas de austeridade do FMI e pela carteirinha de membro da OTAN, quem foi contratado. Isso colocou um governo patrocinado pelos Estados Unidos, reforçado nas ruas pela milícia fascista, com pouca representação eleitoral mas muita maldade armada, em uma posição de administrar as eleições de 25 de maio, das quais o Oriente russófono foi largamente excluído.
O Plano A para o golpe de Victoria Nuland era provavelmente instalar, rapidamente, um governo em Kiev que unisse a OTAN, assim formalmente dando a deixa para que os Estados Unidos tomassem posse da indispensável base naval da Rússia no Mar Negro em Sebastopol, na Crimeia. Reincorporar a Crimeia à Rússia era sua defesa necessária para evitar que isso acontecesse.
Mas a jogada de Nulan foi de fato uma vitória tática. Se a Rússia falhasse em se defender, arriscaria perder sua inteira frota meridional — um desastre nacional completo. Por outro lado, se a Rússia reagisse, como era mais provável, os Estados Unidos então teriam ganho uma vitória política que era talvez seu principal objetivo. A jogada totalmente defensiva de Putin é retratada pelos meios de comunicação ocidentais, fazendo eco aos líderes políticos, como um “expansionismo russo” não provocado, que a máquina da propaganda compara a Hitler tomando a Checoslováquia e a Polônia.
Dessa forma, uma ruidosa provocação ocidental, usando a confusão política da Ucrânia contra uma fundamentalmente defensiva Rússia, conseguiu impressionantemente produzir uma mudança total no Zeitgeist artificial produzido pelos meios de comunicação de massa ocidentais. De repente, nos dizem que o “Ocidente amador da liberdade” está frente a frente com a ameaça do “expansionismo agressivo russo”. Uns quarenta anos atrás, os líderes soviéticos entregaram os pontos sob a ilusão de que a renúncia pacífica à sua parte poderia levar a uma parceria amigável com o Ocidente, e especialmente com os Estados Unidos. Mas aqueles que nunca quiseram que a Guerra Fria terminasse estão tendo a sua vingança. Não importa o “comunismo”; se, em vez de advogar a ditadura do proletariado, o líder atual da Rússia é simplesmente antiquado de certa forma, a mídia ocidental consegue fabricar um monstro a partir disso. Os Estados Unidos têm um inimigo de quem salvar o mundo.
A volta da rede de proteção
Mas, antes de mais nada, os Estados Unidos precisam da Rússia como inimiga para poder “salvar a Europa”, o que é outra forma de dizer, “para poder continuar a dominar a Europa”. Os donos das políticas de Washington pareciam estar preocupados com a possibilidade de a inclinação de Obama em direção à Ásia e o descaso com a Europa poderem enfraquecer o controle dos EUA sobre seus aliados na OTAN. As eleições parlamentares europeias de 25 de maio revelaram uma grande medida de insatisfação com a União Europeia. Essa insatisfação, notadamente na França, está ligada à crescente percepção de que a União Europeia, longe de ser uma alternativa potencial aos Estados Unidos, é, na verdade, um mecanismo que prende os países europeus à globalização nos termos dos EUA, e ao declínio econômico e às políticas externas, guerras e etc. dos EUA.
A Ucrânia não é a única entidade que foi se alargou demais. Também aconteceu com a União Europeia. Com 28 membros de línguas, culturas, história e mentalidade distintas, a União Europeia é incapaz entrar em acordo sobre qualquer política externa além da que é imposta por Washignton. A extensão da União Europeia para antigos satélites da Europa oriental quebrou totalmente qualquer consenso mais profundo que poderia ser possível entre os países da comunidade econômica original: França, Alemanha, Itália e os países Benelux [Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo]. A Polônia e os Países Bálticos veem a associação à União Europeia como útil, mas seu coração está na América — onde muitos dos seus mais influentes líderes foram educados e treinados. Washington é capaz de explorar a nostalgia anticomunista, russofóbica e até pró-nazista do nordeste da Europa para levantar o falso grito de “os russos estão chegando!” e obstruir a crescente parceria econômica entre a antiga União Europeia, notadamente a Alemanha, e a Rússia.
A Rússia não é uma ameaça. Mas para os ruidosos russofóbicos nos Países Bálticos, na Ucrânia ocidental e na Polônia, a própria existência da Rússia é uma ameaça. Encorajada pelos Estados Unidos e pela OTAN, essa hostilidade endêmica é a base política para a nova “cortina de ferro” pensada para alcançar o objetivo decifrado em 1997 por Zbigniew Brzezinski em The Grand Chessboard [O Grande Tabuleiro de Xadrez, em tradução livre]: manter o continente eurasiano dividido para perpetuar a hegemonia mundial dos Estados Unidos.
A antiga Guerra Fria serviu a esse propósito, cimentando a presença militar norte-americana e sua influência política na Europa ocidental. Uma nova Guerra Fria pode impedir que a influência dos Estados Unidas seja diluída pelas boas relações entre a Europa ocidental e a Rússia.
Obama veio à Europa prometendo ostensivamente “proteger” a Europa ao colocar mais tropas em regiões o mais perto possível da Rússia, enquanto ao mesmo tempo ordenava que a Rússia retirasse suas próprias tropas, de seu próprio território, ainda longe da conturbada Ucrânia. Isso parece arquitetado para humilhar Putin e tirar dele seu apoio político em casa, em um momento no qual os protestos estão aumentando na Ucrânia oriental contra o líder russo por abandoná-la a mercê dos matadores vindos de Kiev.
Para apertar o cerco dos EUA na Europa, os Estados Unidos estão usando uma crise artificial para exigir que seus aliados devedores gastem mais com “defesa”, notadamente comprando os sistemas de armas dos Estados Unidos. Apesar de os Estados Unidos estarem ainda longe de prover as necessidades energéticas da Europa pelo novo boom do fracking, essa possibilidade está sendo considerada um substituto às vendas de gás natural da Rússia — estigmatizadas como uma “maneira de exercer pressão política”, algo do qual uma venda hipotética de energia dos EUA é presumidamente inocente. A Bulgária e até a Sérvia estão sendo pressionadas para bloquear a construção do gasoduto que levaria o gás russo aos Balcãs e ao sul da Europa.
Do dia D ao Dia do Juízo Final
Hoje, dia 6 de junho, o septuagésimo aniversário do desembarque do Dia D está sendo encenado na Normandia como uma celebração gigante da dominação norte-americana, com Obama à frente de um elenco estelar de líderes europeus. Os últimos velhos soldados sobreviventes e aviadores presentes são como fantasmas de uma era mais inocente na qual os Estados Unidos estavam ainda no começo dessa nova carreira de mestre do mundo. Eles são reais, mas o resto é uma farsa. A televisão francesa está inundada com as lágrimas dos jovens aldeões da Normadia de puro amor pela França. Essa imagem idealizada do passado é implicitamente projetada no futuro. Em setenta anos, a Guerra Fria, uma narrativa dominante de propaganda, e acima de tudo Hollywood, convenceram os franceses, e a maior parte do Ocidente, que o Dia D foi o momento de virada que ganhou a Segunda Guerra Mundial e salvou a Europa da Alemanha nazista.
Vladimir Putin veio para a celebração e foi cuidadosamente evitado por Obama, autonomeado árbitro da Virtude. Os russos estão prestando tributo à operação do dia D que libertou a França da ocupação nazista, mas eles — e os historiadores — sabem o que a maior parte do Ocidente esqueceu: que o Wehrmarcht [conjunto das forças armadas alemãs durante do Terceiro Reich] foi decisivamente vencido não pela aterrisagem na Normandia, mas pelo Exército Vermelho. Se o grosso das forças alemãs não tivesse sido encurralado lutando uma guerra perdida no fronte oriental, ninguém celebraria do Dia D como está sendo celebrado hoje.
Putin está sendo largamente creditado como sendo o “melhor jogador de xadrez”, que ganhou a primeira rodada da crise ucraniana. Ele sem dúvida fez o melhor que pôde, enfrentando a crise que lhe foi imposta. Mas os Estados Unidos têm inteiras fileiras de peões que Putin não tem. E isso não é apenas um jogo de xadrez, mas xadrez combinado com pôquer, por sua vez combinado com roleta russa. Os Estados Unidos estão preparados para assumir riscos que os líderes mais prudentes russos preferem evitar... enquanto é possível.
Talvez o aspecto mais extraordinário da farsa atual é a subserviência dos “velhos” europeus. Aparentemente abandonando toda a sabedoria acumulada da Europa, advinda de suas guerras e tragédias, e até abstraindo seus próprios interesses, os líderes europeus atuais parecem prontos a seguir seus protetores norte-americanos para outro Dia D... D de Desgraça.
A presença de um líder russo que busca a paz pode fazer a diferença na Normandia? Bastaria que os meios de comunicação de massa dissessem a verdade e que a Europa produzisse líderes sábios e corajosos, para que a máquina falsa de guerra perdesse seu brilho, e para que a verdade começasse a emergir. Uma Europa pacífica é ainda possível, mas por quanto tempo?
* Diana Johnstone é autora de Fools’ Crusade: Yugoslavia, NATO, and Western Delusions [Cruzada dos Tolos: a Iugoslávia, a OTAN e as Desilusões Ocidentais, em tradução livre]. Ela pode ser encontrada pelo e-mail diana.johnstone@wanadoo.fr
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