1º.
Junho 2014, Pátria Latinahttp://www.patrialatina.com.br (Brasil)
A
história da Monsanto “é a
história da sacarina e o aspartame, do PBC, do agente laranja, dos
transgênicos. Todos fabricados, ao longo dos anos, por esta empresa. Uma
história de terror”, escreve a jornalista e ativista política e
social Esther Vivas, em
artigo publicado pelo jornal espanhol Público
Por
Esther Vivas
Publicado
no jornal Público
Tradução
do Cepat
“A
semente do diabo”. Foi assim que o popular apresentador do canal estadunidense
HBO, Bill Maher, em um de seus programas e em referência ao debate sobre
os Organismos Geneticamente Modificados, batizou a multinacional Monsanto.
Por quê? Trata-se de uma afirmação exagerada? O que esconde esta grande empresa
da indústria das sementes? No último domingo, justamente, foi o dia
mundial de luta contra a Monsanto. Milhares de pessoas em todo o planeta
se manifestaram contra as políticas da companhia.
A Monsanto é
uma das maiores empresas do mundo e a número um em sementes transgênicas. No
mundo, 90% dos cultivos modificados geneticamente contam com seus traços
biotecnológicos. Um poder total e absoluto. AMonsanto está na liderança da
comercialização de sementes e controla 26% do mercado. Mais longe, vem
a DuPont Pioneer, com 18%, e Syngenta, com 9%. Somente estas três
empresas dominam mais da metade do mercado, com 53% das sementes que são
compradas e vendidas em escala mundial. As dez maiores
controlam 75% do
mercado, segundo dados do Grupo ETC. O que lhes proporciona um poder
enorme na hora de impor o que se cultiva e, consequentemente, o que se come.
Uma concentração empresarial que aumentou nos últimos anos e que corrói a segurança
alimentar.
A
ganância destas empresas não tem limites e seu objetivo é acabar com variedades
de sementes locais e antigas, ainda hoje com um peso muito significativo,
especialmente nas comunidades rurais dos países do Sul. Algumas sementes
nativas representam uma ameaça para as híbridas e transgênicas das
multinacionais, que privatizam a vida e impedem ao campesinato de obter suas
próprias sementes, convertendo-os em “escravos” das companhias privadas, sem
contar o seu negativo impacto ambiental, com a contaminação de outras
plantações, e na saúde das pessoas.
A Monsanto não
poupou recursos para acabar com as sementes camponesas: ações legais contra
agricultores que tentam conservá-las, patentes de monopólio, desenvolvimento de
tecnologia de esterilização genética de sementes, etc. Trata-se de controlar a
essência dos alimentos e, assim, aumentar sua cota de mercado.
A
introdução nos países do Sul, em especial naqueles com vastas comunidades
camponesas ainda capazes de contar com suas próprias sementes, é uma prioridade
para estas companhias. Deste modo, as multinacionais da semente intensificaram
as aquisições e alianças com empresas do setor, principalmente na África e na
Índia. Apostaram em cultivos destinados aos mercados do Sul Global e promoveram
políticas para desestimular a reserva de sementes. A Monsanto,
como reconhece sua principal rival DuPont Pioneer, é a “guardiã única” do
mercado de sementes, controlando, por exemplo, 98% da comercialização de soja
transgênica tolerante a herbicidas e 79% do milho, como retrata o relatório
“Quem controla os insumos agrícolas?”. Isso lhe dá suficiente poder para determinar
o preço das sementes, independente de seus competidores.
Das
sementes aos agrotóxicos
No
entanto, como a Monsanto não tem condições suficientes para controlar
as sementes, para fechar o círculo, também procura dominar o que se aplica em
seu cultivo: os agrotóxicos. A Monsanto é a quinta empresa
agroquímica mundial e controla 7% do mercado de inseticidas, herbicidas,
fungicidas, etc., atrás de outras empresas, por sua vez, líderes no mercado das
sementes, como Syngenta, que domina 23% do negócio dos
agrotóxicos, Bayer, 17%, BASF, 12%, e Dow Agrosciences, quase
10%. Assim, cinco empresas controlam 69% dos pesticidas químicos sintéticos que
são aplicados nas plantações em escala mundial. Os mesmos que vendem ao
campesinato as sementes híbridas e transgênicas, também fornecem os pesticidas
para aplicar. Negócio redondo.
O
impacto ambiental e na saúde das pessoas é dramático. Apesar das empresas
destacarem o caráter “amigável” destes produtos com a natureza, a
realidade é totalmente o contrário. No momento atual, após anos de fornecimento
do herbicida da Monsanto, Roundup Ready, a base de glifosato, que já
em 1976 foi o herbicida mais vendido do mundo, segundo dados da própria
companhia, e que se aplica às sementes da Monsanto modificadas
geneticamente para tolerar dito herbicida, sabe-se que ao mesmo tempo em que
este acaba com a erva daninha, várias outras tem desenvolvido resistências.
Estima-se que somente nos Estados Unidos já surgiram cerca de 130 ervas
daninhas resistentes a herbicidas, em 4,45 milhões de hectares de plantações,
de acordo com dados do Grupo ETC. Isso levou a um aumento do uso de
agrotóxicos, com aplicações mais frequentes e doses mais elevadas para
combatê-las, com a conseguinte contaminação ambiental do entorno.
As
denúncias de camponeses e comunidades afetadas pelo uso sistemático de pesticidas
químicos sintéticos é uma constante. Na França, inclusive,
o Parkinson é considerado uma enfermidade do trabalho agrícola,
causado pelo uso de agrotóxicos, depois que o camponês Paul
François venceu a batalha judicial contra a Monsanto, no Tribunal de
última instância de Lyon, em 2012, e conseguiu demonstrar que seu
herbicida Lasso era o responsável por intoxicá-lo e deixá-lo
inválido. Uma sentença histórica, que permitiu um avanço na jurisprudência.
O
caso das Mães de Ituzaingó, um
bairro das redondezas da cidade argentina de Córdoba, rodeada de campos de
soja, em luta contra as fumigações é outro exemplo. Após dez anos de denúncia,
e depois de observar como o número de enfermos de câncer e crianças com
malformações no bairro não parava, mas, sim, aumentava - de cinco mil
habitantes, duas centenas tinham câncer -, conseguiram demonstrar a ligação
entre estas enfermidades e os agroquímicos aplicados nas plantações de soja em
seus arredores (endosulfan de DuPont e glifosato de Roundup
Ready da Monsanto). A Justiça proibiu, graças à
mobilização, a fumigação com agrotóxicos perto de áreas urbanas. Estes são
apenas dois casos dos muitos que podemos encontrar em todo o planeta.
Agora,
os países do Sul são o novo objetivo das empresas de agroquímicos. Enquanto as
vendas globais de pesticidas caíram nos anos 2009 e 2010, seu uso nos países da
periferia aumentou. Em Bangladesh, por exemplo, a aplicação de pesticidas
cresceu 328% nos anos 2000, com o consecutivo impacto na saúde dos camponeses.
Entre 2004 e 2009, a África e o Oriente Médio tiveram o maior consumo de
pesticidas. E na América Central e do Sul se espera um aumento do consumo nos
próximos anos. Na China, a produção de agroquímicos alcançou, em 2009,
dois milhões de toneladas, mais do que o dobro de 2005, segundo informa o
relatório “Quem controlará a economia verde?”. Business as usual.
Uma
história de terror
Porém,
de onde surge esta empresa? A Monsanto foi fundada em 1901 pelo
químico John Francis Queeny, proveniente da indústria farmacêutica. Sua história
é a história da sacarina e o aspartame, do PBC, do agente laranja, dos
transgênicos. Todos fabricados, ao longo dos anos, por esta empresa. Uma
história de terror.
A Monsanto se
constituiu como uma empresa química e, em suas origens, seu produto estrela era
a sacarina, que distribuía para a indústria alimentar, em especial, para
a Coca-Cola, que foi uma de seus principais provedores. Com os anos,
expandiu seu negócio à química industrial, tornando-se, nos anos 1920, um dos
maiores fabricantes de ácido sulfúrico. Em 1935, absorveu a empresa que
comercializava policloreto de bifenila (PCB), utilizado nos transformadores da
indústria elétrica. Nos anos 1940, a Monsanto centrou sua produção
nos plásticos e nas fibras sintéticas e, em 1944, começou a produzir químicos
agrícolas como o pesticida DDT.
Nos
anos 1960, junto com outras empresas do setor, como Dow Chemical, foi
contratada pelo governo dos Estados Unidos para produzir o
herbicida agente laranja, que foi utilizado na guerra do Vietnã.
Neste período, juntou-se, também, com a empresa Searla, que descobriu o
adoçante não calórico aspartame. A Monsanto também foi produtora do
hormônio sintético de crescimento bovino somatotropina bovina. Nos anos 1980 e
1990, a Monsanto apostou na indústria agroquímica e transgênica, até
chegar a se tornar a número um indiscutível das sementes modificadas
geneticamente.
Atualmente,
muitos dos produtos made by Monsanto foram proibidos, como
o PBC, o agente laranja ou o DDT, acusados de provocar
graves danos à saúde humana e ao meio ambiente. O agente laranja, na
guerra do Vietnã, foi responsável por dezenas de milhares de mortos e
mutilados, assim como pelo nascimento de crianças com malformações.
A somatotropina bovina também está vetada no Canadá, União Europeia,
Japão, Austrália e Nova Zelândia, apesar de ser permitida nos Estados Unidos. O
mesmo ocorre com o cultivo de transgênicos, onipresente na América do Norte,
mas proibido na maioria dos países europeus, exceto, por exemplo, pelo Estado
espanhol.
A Monsanto se
movimenta como peixe na água no cenário de poder. Isso ficou claro
por Wikileaks, quando filtrou mais de 900 mensagens que mostravam como a
administração dos Estados Unidos gastou grandiosos recursos públicos para
promover a Monsanto e os transgênicos em muitíssimos países, por meio
de suas embaixadas, seu Departamento de Agricultura e sua agência de
desenvolvimento USAID. A estratégia consistia em conferências “técnicas”,
desinformando jornalistas, funcionários e formadores de opinião, bem como
pressões bilaterais para adotar legislações favoráveis e abrir mercado às
empresas do setor, etc. Na Europa, o governo espanhol é o principal aliado dos
Estados Unidos nesta matéria.
Enfrentamento
Diante
de todo este despropósito, muitos não calam e enfrentam. Milhares são as
resistências contra a Monsanto em todo o mundo. A data de 25 de
maio foi declarada o dia mundial contra esta companhia e centenas de manifestações
e ações de protesto foram realizados, neste dia, ao redor do globo. Em 2013,
realizou-se a primeira convocação, milhares de pessoas saíram às ruas em várias
cidades de 52 diferentes países, desde Hungria até Chile, passando por Holanda,
pelo Estado espanhol, Bélgica, França, África do Sul, Estados Unidos, entre
outros, para mostrar a profunda rejeição às políticas da multinacional.
No domingopassado, dia 25, a segunda convocação, menos
concorrida, contou com ações em 49 países.
A
América Latina é, neste momento, uma dos principais frentes de luta contra a
companhia. No Chile, a mobilização conseguiu, em março de 2014, a retirada
da conhecida Lei Monsanto, que pretendia facilitar a privatização das
sementes locais e deixá-las nas mãos da indústria. Outra grande vitória foi
na Colômbia, um ano antes, quando a massiva paralisação agrária, em agosto
de 2013, conseguiu a suspensão da Resolução 970, que obrigava os
camponeses a usar exclusivamente sementes privadas, compradas de empresas do agronegócio,
e impedia que guardassem suas próprias sementes. Na Argentina, os
movimentos sociais também estão em pé contra outra Lei Monsanto, que se
pretende aprovar no país e subordinar a política nacional de sementes às
exigências das empresas transnacionais. Mais de 100.000 argentinos já assinaram
contra esta lei, no marco da campanha “Não à Privatização das Sementes”.
Na
Europa, a Monsanto agora quer aproveitar a fenda que se abre nas
negociações do Tratado de Livre Comércio União Europeia -- Estados
Unidos (TTIP), para pressionar em função de seus interesses particulares e
poder legislar acima da vontade dos países membros, a maioria contrária à
indústria transgênica. Esperamos que não demorem as resistências na Europa
contra o TTIP.
A Monsanto é
a semente do diabo, sem sombra de dúvidas.
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