7 junho 2014, Jornal Notícias http://www.jornalnoticias.co.mz
(Moçambique)
Gustavo Mavie
O conceituado académico britânico
Alex Vines publicou pouco antes das eleições autárquicas de 20 de Novembro
último um estudo em que desvenda as verdadeiras intenções de Afonso Dhlakama.
No estudo, a que só agora tive acesso a ele aqui em Dublin e publicado
contra a vontade da Renamo, Alex Vine, um dos peritos em assuntos
político-militares africanos, deixa claro o que motivou o líder da Renamo a
tentar recorrer de novo à guerra para ver se consegue, pela força, o que não
tem conseguido por via das eleições ou das repetidas ameaças que fazia antes de
enveredar pelos ataques esporádicos que leva a cabo desde Abril do ano passado.
Vines destaca que Dhlakama optou de novo pela violência por ter
concluído que nunca mais chegará ao poder através de voto popular e mesmo aos
gordos ganhos financeiros que amealhou entre 1992 e 2004.
Neste período ele chegou a receber de uma vez, como uma das formas de lhe comprar a paz que negava aos seus compatriotas, 17 milhões de dólares das Nações Unidas e cerca de 1,4 milhão de dólares anualmente de subsídios do Estado moçambicano. Ele recebia este montante do
Este valor manteve-se ligeiramente superior nas eleições de 1999, dado
que a Renamo passou a ter 117 deputados, contra 133 da Frelimo. Vines diz que
foi o tempo em que a Renamo foi assaltada por pessoas das cidades, alguns dos
quais intelectuais, que não estiveram com ela nas matas, mas que se contentavam
com os salários e as mordomias parlamentares e que não se importavam com o
facto de que Dhlakama fazia uso irresponsável destes cerca de 1,4 milhão de
dólares.
O assalto à Renamo por gente como António Muchanga, Manuel de Araújo,
Rahil Khan, Fernando Mazanga e Daviz Simango, este que teve de fundar o MDM
após ser expulso da Renamo por Dhlakama, fica claro quando se olha para a
composição da bancada da Renamo de 1994 a 1999, em que apenas 18 por cento dos
seus deputados tinham estado a lutar nas matas.
Descontentes e ambiciosos
Segundo Vines, muitos dos que se filiaram à Renamo a partir das cidades
eram desempregados, descontentes ou ambiciosos que na Frelimo não conseguiam
ascender a posições de liderança que lhes dessem logo altos salários. Estes
eram seguramente os casos de Manuel de Araújo, Eduardo Namburete, Ismael Mussá
e outros tantos que abandonaram a Frelimo e se juntaram à Renamo em 2004 porque
pensavam que seria Dhlakama e a sua Renamo que iriam ganhar e que, daí, seriam
ministros ou algo semelhante, antes do voto popular catapultar Armando Guebuza
e a sua Frelimo para uma vitória esmagadora.
Depois de recordar que a Renamo já chegou a estar quase num empate com a
Frelimo nas primeiras eleições gerais de 1994 e mais ainda nas de 1999, Vines,
que passou uma parte da sua juventude em Moçambique quando o seu pai era
embaixador do seu país, diz que desde aquele ano para cá a Renamo e Dhlakama
passaram a somar derrotas atrás de derrotas que os fizeram perder toda a
esperança de um dia voltarem a ser um desafio à Frelimo e muito menos uma
alternativa para a governação de Moçambique.
Vines aponta este quase empate entre a Frelimo e a Renamo como tendo resultado de muitos factores, mas principalmente da desarticulação da Frelimo pela guerra em quase todo o país e os apelos ao voto equilibrado entre as duas forças políticas, que era feito pelos líderes religiosos como forma de se evitar o retorno à guerra pela Renamo.
Aponta também as falsas promessas de uma vida melhor sem a Frelimo que a
própria Renamo fazia junto das populações que praticamente viviam sob a sua
dominação total e ainda o descontentamento que era causado pelas terríveis
carências de quase tudo, dado que todas as infra-estruturas, tais como escolas,
hospitais e toda a rede comercial tinham sido reduzidos a cinzas pela mesma
Renamo, porque esta era uma das missões que lhe havia sido incumbida pelos
regimes racistas que eram seus patrões.
Vines vinca que desde as eleições de 1999, em que a Renamo não só obteve cerca de 40 por cento do total dos votos, como ganhou uma maioria em 5 das 10 províncias do centro do país, já nas que se seguiram, mais concretamente nas de 2004 e principalmente as de 2009, o declínio em termos de apoio popular à Renamo foi mais visível para todos e tornou-se irreversível até hoje e fica evidente porque só tem 51 deputados. Isto enfureceu Dhlakama, que voltou a ver na guerra um novo recurso para voltar aos tempos da boa vida. De tanto zangado que ficou, ele ordenara aos 51 para que não tomassem posse, mas desobedeceram-no porque o que eles querem de facto são os salários e as mordomias. Mesmo o seu secretário-geral, Manuel Bissopo, não acatou esta ordem e tomou posse.
Vines aponta este declínio como sendo, certamente, o que levou Dhlakama
a optar de novo pela guerra como única forma de se manter politicamente
relevante e com isso ver se obriga a Frelimo a aceitar dar-lhe de novo os
fabulosos ganhos financeiros que a força das armas lhe outorgara durante e
depois do Acordo de Roma em 1992.
Esta leitura encontra sustentação na carta com que a Renamo pediu o agora diálogo com o Governo datada de 15 de Abril do ano passado, em que no seu ponto seis deixava claro que ele quer que seja pago mais do que os cerca de 100 mil dólares anuais que recebe em função dos 51 deputados que agora tem no Parlamento. Nela a Renamo alega que quer também ter os benefícios dos recursos naturais que estão a ser descobertos.
Substancia esta leitura apontando o facto de que mesmo durante a guerra dos 16 anos, e muito antes de assinar esse acordo com o antigo Presidente Chissano, ter-lhe sido pagos, pela Lonrho Moçambique, cinco milhões de dólares para não atacar os seus então interesses económicos em Moçambique, para além dos pagamentos não declarados que, obviamente, Dhlakama recebia do “Apartheid”.
Guerra como profissão
Vines deixa bem claro que Dhlakama fez da guerra um meio de acumulação financeira e, na verdade, os factos provam que ele encarou a guerra como sua profissão, daí que se recusou, segundo Raul Domingos, a aceitar ser um dos deputados e líder da bancada do seu partido, tendo delegado isso na altura ao próprio Raul Domingos, conforme diz Vines na sua análise.
Vines deixa bem claro que Dhlakama fez da guerra um meio de acumulação financeira e, na verdade, os factos provam que ele encarou a guerra como sua profissão, daí que se recusou, segundo Raul Domingos, a aceitar ser um dos deputados e líder da bancada do seu partido, tendo delegado isso na altura ao próprio Raul Domingos, conforme diz Vines na sua análise.
Raul Domingos diz que este foi um dos piores erros de Dhlakama, porque impediu-se a si próprio de se projectar na cena política moçambicana e que passou a ter inveja daquele quando se apercebeu que estava a ser mais “estrela” que ele próprio que era líder da “perdiz”. Para se vingar de Raul Domingos demitiu-o e expulsou-o da Renamo, tendo feito o mesmo em relação a muitos outros que tentaram “eclipsá-lo”, como Daviz Simango, que foi fundar o seu próprio partido, o MDM, que para os mais videntes foi concebido à imagem e semelhança da Renamo, vendo-se isso pela maneira como é gerido, que é também à imagem e semelhança da “perdiz” e cuja marca é a centralização das decisões e nomeações nas mãos do líder. Isto fica mais do que claro pela composição das pessoas que integram a sua Comissão Política. Basta dizer que o chefe da bancada é um dos seus irmãos, Lutero Simango. Na verdade, Simango e todos os que foram expulsos ou marginalizados por Dhlakama continuam a sentir-se renamos e isso fica evidente quando se pronunciam publicamente, como foi o caso de Daviz Simango, que quando visitou Nampula este mês para lançar a sua pré-campanha disse lamentar que não se esteja a dar condições de Dhlakama sair das matas e gozar da sua liberdade. Daviz Simango diz também que é contra a compra das armas pelo Governo, como quem diz que deixem a Renamo esmagar o poder da Frelimo para que possamos também ascender a esse poder. Também o edil do MDM em Quelimane, Manuel de Araújo, deu uma entrevista ao Savana, publicada na sua edição de 5 do mês passado, em que faz um elogio à guerra dos 16 anos que a Renamo moveu ao serviço do “Apartheid” e que matou mais de um milhão de moçambicanos e aponta os ataques que agora está a fazer como sendo também um mal necessário, porque é o que está a forçar a Frelimo a ceder na mesa do diálogo com a Renamo. Isto prova que estão certos os que dizem que o MDM é um dos lados da mesma moeda que é a Renamo e nada mais.
De resto, há um estudo dum académico alemão que diz que o MDM só sabe falar mal da Frelimo, tal como o fazia ou o faz a Renamo e que não se conhece nenhum programa político de ambos. Todos espelham uma áurea de ódio e um potencial de se vingarem da Frelimo, como se tivesse sido um partido que só fez mal ao país, quando foi esta Frelimo que libertou os moçambicanos do tenebroso colonialismo português, incluindo os que a diabolizam e os seus veteranos e negam homenagear os seus melhores líderes, como Eduardo Mondlane e Samora Machel, que tombaram lutando contra a colonização e contra os regimes racistas que imperavam na região.
”Desde as eleições de 1999 a Renamo tem visivelmente enfraquecido e não tem sido capaz de desafiar significativamente a hegemonia da Frelimo e esta ganhou vitórias esmagadoras nas eleições de 2009. O novo Parlamento, eleito em 2009 para um período de cinco anos através da representação proporcional, é dominado pela Frelimo.
A Frelimo ganhou 75 por cento dos votos e tem a maioria em todas as antigas zonas que outrora eram de maior influência da Renamo. A Frelimo domina o país a um tal ponto que nunca antes conseguira após a introdução do sistema multipartidário nos começos de 1990”, diz este académico no seu estudo, que tem como título em Inglês Renamo’s Rise and Decline: The Politics of Reintegration in Mozambique, o que em Português se pode traduzir como Ascensão e Declínio da Renamo: A Política de Reintegração em Moçambique.
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