segunda-feira, 2 de junho de 2014

Portugal/RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS FEITAS PELO SEMANÁRIOEXPRESSO – mas este diz que não as recebeu e por isso não publica(ou)

2 junho 2014, Resistir.info http://www.resistir.info (Portugal)

por Eugénio Rosa*

Em 26 de Maio de 2014, recebi do Expresso um email a solicitar a minha participação num artigo que o semanário estava a preparar sobre o livro de Thomas Piketty, "Capital no século XXI", com cinco perguntas para eu responder. E pedia-me o envio das respostas até 4ª feira (28 de Maio) por correio eletrónico, o que fiz, cumprindo assim o prazo estabelecido. Como não recebesse a confirmação da receção das minhas respostas, apesar de ter solicitado, enviei nova mensagem pedindo uma resposta, tendo só então sido informado que não tinham recebido as minhas respostas (!!!) e que por isso não tinham sido incluídas no artigo do Expresso, e não seriam publicadas. Para que os leitores possam ler e avaliar as respostas às perguntas feitas pelo semanário Expressoque não serão publicadas na edição de 31/05/2014 decidi divulgá-las, até porque é previsível que no Expresso do próximo sábado serão publicadas opiniões diferentes sobre as mesmas questões e, assim, os leitores interessados no contraditório, essencial para uma informação objetiva, poderão confrontá-las.

1º PERGUNTA FEITA PELO EXPRESSO : A principal contradição do capitalismo (pág. 571 do livro de Piketty) faz sentido? É de esperar que se mantenha no futuro?

RESPOSTA QUE O EXPRESSO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO. O agravamento da desigualdade na repartição do rendimento entre o Capital e o Trabalho, que tem aumentado ao longo dos anos, e que se agravou com o domínio do capital financeiro, facilitada pela liberdade total dos movimentos do capital, e a apropriação parasitária por este de uma parcela crescente da riqueza, que Piketty prefere designar, para suavizar, por "uma taxa de retorno do capital superior ao crescimento do PIB". não é em si uma causa, mas sim uma consequência de uma contradição mais profunda que carateriza o capitalismo: o domínio da economia, quer nacionais quer mundial, pelos grandes grupos económicos e financeiros e, consequentemente, a concentração numa minoria cada vez mais reduzida (os 0,1% da população
que refere Stiglitz, premio Nobel da economia) de uma parcela cada vez maior da riqueza, com a exclusão do resto da população dos instrumentos de criação de riqueza e da riqueza, e com a fragilidade crescente dos Estados cada vez mais dominados pelos grupos económicos e financeiros, muitos deles transnacionais, ainda por cima apoiados por entidades internacionais (FMI, Banco Mundial, Comissão Europeia, OMC, etc.) que defendem apenas os seus interesses. Portanto, enquanto esta contradição fundamental do capitalismo se mantiver, é inevitável que o agravamento na repartição do rendimento se mantenha e até se agrave até porque os instrumento de criação ou apropriação da riqueza, e própria riqueza, mesmo em Portugal, se está a concentrar numa minoria cada vez mais reduzida .

2ª PERGUNTA FEITA PELO EXPRESSO : Propostas fiscais: impostos progressivos no IRS e IRC e taxa anual sobre as fortunas (avaliadas em termos líquidos)

RESPOSTA QUE O EXPRESSO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO: Impostos progressivos (que não existem verdadeiramente em Portugal, basta recordar que, em 2013, alguns escalões mais baixos da tabela de IRS foram aumentados em 132%, o que não se verificou nos escalões mais elevados onde alguns tiveram uma subida apenas de 11%) e um imposto sobre grandes fortunas poderiam suavizar as desigualdades mas nunca resolveriam a gravidade existente, mesmo em Portugal, na repartição do rendimento até porque atualmente as grandes fortunas estão aplicadas principalmente em valores mobiliários, e com a total liberdade de movimentos de capitais e com os paraísos fiscais, que só servem para fugir aos impostos, tornam-se difíceis de calcular, e as receitas obtidas seriam insuficientes. Uma taxa, que não podia ser ridícula como propõe a Comissão Europeia, sobre todas as transações financeiras, e não apenas sobre as transações dos mercados regulados, assim como a eliminação total dos paraísos fiscais daria certamente um maior volume de receitas aos Estados.

3ª PERGUNTA FEITA PELO EXPRESSO : Caso português: austeridade agrava a desigualdade pela subida do r; caso português é a prova da tese de Piketty?

RESPOSTA QUE O EXPRESSO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO: No caso português em que a austeridade tem tido como base uma politica que atinge fundamentalmente as classes médias e as com mais baixos rendimentos (fundamentalmente trabalhadores e pensionistas) poupando a minoria rica, o que agravou as desigualdades generalizando a pobreza no país, confirma a contradição fundamental do capitalismo referida na resposta à 1ª pergunta. Neste caso concreto o governo e a "troika" foram instrumentos dos interesses do poder económico, que toma expressão nos grupos económicos e financeiros que dominam a economia portuguesa e mundial (os "credores" como gostam de referir) e, consequentemente, a minoria que os controla (0,1% da população de que fala o Nobel da economia J. Stiglitz).

4ª PERGUNTA FEITA PELO EXPRESSO : Solução de emergência para a redução do sobre endividamento público na Europa: taxa extraordinária sobre as fortunas acima de 1 milhão de euros; justifica-se ou é preferível optar por meta de inflação mais elevada ou prosseguir na consolidação orçamental com geração de excedentes?

RESPOSTA QUE O EXPRESSO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO: Cada país é um caso e, em relação a Portugal, a divida pública atingiu um tal montante (258.391 milhões € em Fev. de 2014, que corresponde já 152,9% do PIB, e que não parou de crescer este ano) que é impossível de pagar com um crescimento económico anémico, com uma inflação reduzida, e com taxas de câmbio fixas e perda da soberania monetária. A reestruturação da divida pressupõe, não só redução das taxas de juro e o aumento do período de amortização mas também um corte significativo dessa divida pois o país não tem possibilidades de a pagar, sob pena de sacrifícios insuportáveis impostos aos portugueses. É uma questão que se vai colocar inevitavelmente. E quanto mais tarde pior para os portugueses, para o país e para os "credores". Só a miopia politica do governo e dos partidos que o apoiam, e infelizmente também do PS, os impede de ver..

5ª PERGUNTA FEITA PELO EXPRESSO : Os erros apontados pelo Financial Timessão, na sua opinião, justificados e conduzem à não avaliação da conclusão de Piketty sobre a evolução a partir dos anos de 1980?

RESPOSTA QUE O EXPRESSO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO: É uma questão que, como economista, penso que não põe em causa a tendência verificada. Quem esteja habituado a trabalhar com séries longas e referentes a épocas e países diferentes, sabe bem que o que é importante é a tendência identificada. E a tendência de agravamento na distribuição da riqueza e dos rendimentos no capitalismo atual, dominado pelos grandes grupos transnacionais, em que os governos são meros serventuários, é indesmentível. Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, num livro que passou despercebido em Portugal – " O Preço da desigualdade" – já referia que o problema atual mais importante, que estava a destruir as sociedades, incluindo as ocidentais, é o agravamento brutal das desigualdades (0,1% cada vez mais ricos e a restante população com cada vez menos, nos Estados Unidos e nos outros países) constituindo também isso um obstáculo sério ao crescimento económico e ao desenvolvimento e sendo um fator importante do agravamento das tensões e conflitos sociais.

27/Maio/2014

Acerca do livro de Piketty ver também: 
A tributação da riqueza, Prabhat Patnaik
Velhas distribuições, nova economia, Rick Wolff e Max Fraad Wolff



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