Cartas paraguaias 5: DEFENDEMOS NOSSA SOBERANIA JUNTO COM A INTEGRAÇÃO REGIONAL
Roberto Colman
O ponto de partida de toda integração verdadeira é o reconhecimento da soberania do outro
23 março 2009
O Paraguai reivindica recuperar a soberania do país sobre seus recursos hidrelétricos para implementar uma verdadeira integração regional a nível energético. Três países da região – Argentina, Chile e Uruguai – tem problemas periódicos e crônicos de falta de energia. O próprio Brasil sofreu um “apagão” em 2001 (que provocou um prejuízo para o país de 15 bilhões de dólares, segundo cálculos do professor Ildo Sauer). O “apagão” da Argentina, em 2007, custou-lhe quatro bilhões de dólares.
O Paraguai tem grandes excedentes: 85% de toda a energia elétrica que é vendida pelos países da América do Sul tem origem no nosso país, mas não podemos exportar o que sobra por que, em Itaipu, rege a cláusula de cessão forçosa ao Brasil. Yacyretá (a outra hidrelétrica binacional, com a Argentina), por sua vez, não está interligada a Itaipu e ao mercado brasileiro.
Há muitos anos, todos os técnicos da região (brasileiros incluídos) assinalam as vantagens que os países do Cone Sul teriam caso promovessem uma forte interligação elétrica, sobretudo em matéria de segurança no abastecimento (os ciclos se compensam: quando falta energia ao norte, sobra ao sul e vice-versa, e os picos de gastos de energia são diferentes de acordo com os fusos horários mais ao leste ou oeste etc) e de preços (os países deficitários poderiam ter acesso a una energia mais barata que a térmica que hoje utilizam).
Na própria Olade (Organização Latinoamericana de Energia), os técnicos detectaram, desde o início da década de 1990, que, em nossa região, haveria grandes benefícios para todos os países se houvesse uma interconexão regional que tivesse como coluna vertebral a interligação de Yacyretá e Itaipu. Porém, os estudos técnicos, até agora, não puderam ser desenvolvidos, por conta do veto dos representantes das empresas elétricas do Brasil. Podem interesses empresariais mesquinhos se sobreporem aos da região e de nossos países?
O ponto de partida de toda integração verdadeira é o reconhecimento da soberania do outro. Do contrário, é anexação, o que todos nossos países rejeitam. Por isso, em 2005, rechaçamos juntos o tratado da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) que os Estados Unidos queriam nos impor.
Para o Paraguai, soberania nacional sobre seus recursos hidrelétricos e integração regional energética são dois componentes de um mesmo projeto. A defesa da primeira está plenamente de acordo com a defesa da segunda, e com o espírito e a letra dos tratados do Mercosul e da Unasul, onde estamos juntos com o Brasil.
Poderão os interesses dos acionistas privados das empresas elétricas brasileiras se sobreporem aos anseios de nossos povos?
Roberto Colman (rrcolmanf@yahoo.com), sindicalista e eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.
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Cartas paraguaias 4: A SOBERANIA DE CADA PAÍS SOBRE SEUS RECURSOS: UMA BANDEIRA COMUM?
O Paraguai reivindica para si em relação à sua parte da energia hidrelétrica de Itaipu
Roberto Colman
20 março 2009
São seis as principais reivindicações paraguaias em relação à Itaipu. Aqui, vamos discutir a primeira: A “livre disponibilidade” da energia que corresponde ao Paraguai, isto é, sobre 50% da energia elétrica que é produzida por Itaipu.
Dessa forma, o Paraguai reivindica para si em relação à sua parte da energia hidrelétrica de Itaipu, o mesmo que o Brasil reivindica nos fóruns internacionais em relação a seus recursos naturais e energéticos: a soberania do país. Que se trate de um recurso “compartilhado” (cada país tem direito à metade da energia hidráulica do rio) não elimina esse princípio.
Quando começaram as negociações que resultaram no Tratado de Itaipu, em 1966, os governos dos dois países através dos seus chanceleres assinaram a “Ata de Foz de Iguaçu” (22.6.1966) onde se estabeleceram dois princípios fundamentais:
- que a energia elétrica produzida “será dividida em partes iguais entre os dois países”
- que qualquer quantidade que não seja utilizado por um dos países, o outro terá “o direito de preferência para a aquisição desta mesma energia a justo preço”. (Atos, pág. 16)
Traduzindo: que a energia que o Paraguai não consumisse, o Brasil teria a “preferência” de comprar caso pagasse o “justo preço”, se não, poderia ser vendida a um terceiro comprador.
O preâmbulo do Tratado de 1973 incorporou a Ata, mas no artigo XIII, o texto fala em “direito de aquisição” da energia do outro país, o que passou a ser aplicado desde início da operação de Itaipu como que toda energia que o Paraguai não consumisse estaria obrigado a “ceder” ao Brasil recebendo em troca uma “compensão” (não “justo preço”).
Traduzindo: o Paraguai está obrigado a entregar sua energia às empresas elétricas brasileiras (antes estatais, depois privatizadas) em troca de uma “compensação” que resultou ser um valor “chutado” (nunca ninguém conseguiu justificar a fórmula e os valores resultantes), que está por debaixo dos preços do mercado elétrico brasileiro e regional e sequer cobre o valor que Médici se comprometeu com Stroessner em 1973. (Em outra Carta, vamos mostrar o tamanho do prejuízo econômico que representa para o Paraguai, comparando com o que se paga no mercado do próprio Brasil e na região...).
Nesses dias, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão tentou desqualificar as reivindicações paraguaias, afirmando que o Paraguai entrou “apenas com água” em Itaipu (OESP, 14/03/2009). Como ele é um político que foi governista também na época da ditadura militar de Médici, não lhe faria mal lembrar que no mesmo ano de 1973 os países árabes, através da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) travaram uma feroz disputa com as multinacionais norte-americanas e européias que exploravam o petróleo do seu sub-solo para obter um melhor preço.
Também o argumento das “sete irmãs” (as maiores petroleiras da época) era que os países árabes não colocavam “nada, apenas o petróleo”. Pois não teria petroleiras multinacionais sem petróleo árabe, e não teria Itaipu Binacional sem as águas paraguaias. Foram as águas dos dois países que possibilitaram Itaipu.
Acompanhamos com entusiasmo a luta do governo Lula pela soberania do Brasil no seu território amazônico e sobre o petróleo do pré-sal em alto mar. E sabemos que os autênticos patriotas brasileiros também irão torcer para que esse princípio tão caro ao Brasil sobre seus recursos seja reconhecido a todos os países sobre os seus respectivos recursos, incluido ao Paraguai sobre sua energia hidrelétrica de Itaipu.
Contrariamente ao que se afirma nos meios de comunicação do Brasil, não é preciso modificar o Tratado de 1973 para que a soberania paraguaia seja reconhecida, bastaria que fosse reinterpretado (como houve outros momentos em que a “letra” do Tratado foi reinterpretada, porque as duas partes assim acharam conveniente) retomando os princípios da Ata de Foz que está incorporada no mesmo preâmbulo.
(Na próxima Carta, vamos explicar que o Paraguai propõe a recuperação de sua soberania hidrelêtrica em uma perspectiva de integração elétrica regional, onde “ganhamos todos”, também o Brasil)
Para saber mais:
Itaipu Binacional. Atos oficiais da Itaipu Binacional. Curitiba, 2005.
Roberto Colman (rrcolmanf@yahoo.com), sindicalista, eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.
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Cartas paraguaias 3: UMA USINA QUE PRIMEIRO GEROU CORRUPÇÃO
Roberto Colman
Quando se anunciou o projeto, falou-se que custaria dois bilhões de dólares. Com as obras em andamento, esses valores subiram rapidamente para sete bilhões.
16 março 2009
Itaipu esteve, desde que foi inaugurada, fora do controle dos órgãos de auditoria dos Estados brasileiro e paraguaio, amparada em seu caráter “binacional”. No Paraguai, temos provas contundentes da corrupção que houve ao longo desses 35 anos. No “lado brasileiro”, o quadro foi muito diferente?
Quando se anunciou o projeto de Itaipu, falou-se que ele custaria dois bilhões de dólares. Com as obras em andamento, esses valores subiram rapidamente para sete bilhões. No fim de sua construção, afirmava-se que seu custo final ficaria em 20 bilhões de dólares (custos financeiros incluídos). Mas, até o presente, já foram pagos 30 bilhões de dólares e, até 2023, quando a empresa prevê quitar todas suas dívidas, poderão ter sido pagos 60 bilhões de dólares.
No Paraguai, nos anos 1970 e 1980, Itaipu foi uma fonte de enriquecimento ilícito para Stroessner e seu entorno. As fortunas do ex-ditador e do general Andrés Rodríguez (seu segundo no mando, que deu o “golpe democratizador” em 1989 e foi, em seguida, presidente do país) se devem, em boa medida, à maneira como assaltaram os cofres da binacional durante sua construção. Os empresários aos quais Stroessner entregou os contratos ficaram multimilionários, e são conhecidos até hoje como “os barões de Itaipu” (um deles sucedeu Rodríguez na presidência).
Em troca dessas vantagens, o governo Stroessner fez todas as concessões exigidas pelos militares brasileiros para fazer do Paraguai uma espécie de “Porto Rico do Brasil”. O Tratado de Itaipu e, mais ainda, a forma como posteriormente foi aplicado, consolidou essa relação “neocolonial”. Isso foi denunciado na época não somente pela oposição democrática paraguaia, mas também por intelectuais brasileiros críticos da ditadura!
Conhecemos a corrupção que houve do lado paraguaio. Mas as empresas paraguaias tiveram apenas 15% das obras! Será que foi muito diferente com o 85% restante que ficou com as empresas contratadas do lado brasileiro sob o controle dos militares? Quando, no final dos anos 1970, foi denunciado pela imprensa brasileira que Itaipu tinha o metro cúbico de cimento armado mais caro do mundo, esse era o mesmo material que se usava dos dois lados da fronteira!
E a corrupção em Itaipu continuou mesmo depois do fim das ditaduras nos dois países. Ainda no início dos anos 1990, foi denunciado por funcionários do lado brasileiro o “desaparecimento” de barilhas de aço e sacas de cimento em um valor de vários milhões de dólares. O escândalo foi abafado e seus responsáveis foram protegidos já na gestão tucana de Itaipu.
Alguns dos atuais negociadores brasileiros se impuseram o objetivo de defender o “tudo o realizado nos 35 anos” e o “status quo” nas relações Brasil-Paraguai no marco de Itaipu, porque defendem que seu país continue usufruindo das vantagens conseguidas nas décadas passadas em detrimento do Paraguai.
Porém, pela primeira vez em 35 anos, um governo brasileiro se encontra diante de negociadores paraguaios que não têm “rabo preso” com os esquemas corruptos e entreguistas gestados na ditadura militar paraguaia. Assim, para que se avance nas relações bilaterais, será necessário que também os negociadores brasileiros deixem de defender a herança neocolonialista deixada pela sua ditadura militar.
(Nas próximas “ Cartas Paraguaias”, vamos apresentar e discutir as reivindicações paraguaias nas negociações bilaterais iniciadas em setembro passado).
Roberto Colman (rrcolmanf@yahoo.com), sindicalista eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.
Leia mais:
Cartas paraguaias 1: Um agradecimento e nosso projeto comum
Cartas paraguaias 2: Um Tratado de duas ditaduras
Cartas paraguaias 3: Uma usina que primeiro gerou corrupção
Cartas paraguaias 4: A soberania de cada país sobre seus recursos: uma bandeira comum?
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