quarta-feira, 18 de março de 2009

CARTAS PARAGUAIAS 2: UM TRATADO DE DUAS DITADURAS

Na segundo texto da série sobre Itaipu, Colman trata do clima político do Paraguai na época da assinatura do Tratado

Roberto Colman *

13 março 2009/Brasil de Fato

Ao defender o"status quo" em Itaipu, alguns porta-vozes do governo brasileiro defendem tudo o realizado nos últimos 35 anos desde a assinatura do Tratado que viabilizou essa obra. Vejamos o absurdo que isso significa para um governo democrático e popular.

O Tratado de Itaipu foi assinado pelos governos do Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973. Não precisamos explicar para o povo braileiro o que era o governo de Emílio Garrastazu Médici, que encabeçou o período mais repressivo da ditadura militar brasileira.

Mas pode ser esclarecedor para o leitor e leitora do Brasil saber o que estava acontecendo no Paraguai por esses anos. Nosso país vivia sob a ditadura do general Alfredo Stroessner, que tomou o poder em maio de 1954 e somente seria derrubado por um golpe militar, em 1989, liderado por generais até então seus aliados.

Durante o período que aqui estamos tratando, houve sucessivas vagas repressivas. Em 1969, atingiu a juventude que se manifestou contra a presença do enviado dos Estados Unidos, Nelson Rockefeller. Sucessivas tentativas de organizar a resistência à ditadura foram dizimadas entre 1970 e 1975. Nesse último ano, dois dos principais dirigentes comunistas foram mortos sob tortura. Em 1976, foram centenas de presos, dezenas de torturados e um total de 18 mortos (muitos camponeses assassinados diante de suas comunidades como forma de amedrontá-las).

Em 1977, foram perseguidos e presos intelectuais críticos. Desde o final dos anos 1960, houve uma série de ataques à liberdade de imprensa, com o fechamento de meios de comunicação e a imposição de censura prévia. Vários jornalistas foram presos entre 1974 e 1979. Um dos alvos prioritários da ditadura foi a Igreja: entre 1967 e 1976, um total de 17 padres católicos
foram expulsos do país.

A assinatura do Tratado de Itaipu aconteceu bem no meio desse período. No Paraguai, a juventude, os partidos de oposição à ditadura e alguns meios de comunicação questionaram seus termos. Mas não houve debate democrático, nem poderia haver nessas circunstâncias.

Depois de Stroessner, governaram o Paraguai seus "herdeiros" nos negócios e na política. Somente no passado 20 de abril, com a vitória da candidatura de Fernando Lugo, aqueles setores que resistiram à ditadura e questionaram o Tratado de Itaipu chegaram ao governo do Paraguai, vinte anos depois de iniciada a "transição democrática"!.

Em Paraguai, então, há claramente duas épocas diferentes. E, desde 15 de agosto passado, com o início do governo Lugo, começou finalmente o período democrático. Acreditamos que no Brasil também ocorre algo assim com o governo Lula em relação a seus antecessores. No entanto, alguns funcionários do governo brasileiro agem em sentido oposto e defendem "tudo o realizado
nos últimos 35 anos" em Itaipu como uma obra da "genialidade diplomática" e um exemplo de transparência e honestidade a ser seguido etc. Assim, o ministro Lobão (Minas e Energia) argumentou recentemente que não houve "ditadura militar" no Brasil, mas um "regime de exceção" e que o Tratado é um "monumento jurídico" (O Globo, 13/10/2008). Como iremos mostrar, por
detrás desse discurso em defesa do"status quo" em Itaipu estão apenas alguns grandes interesses econômicos (em geral, privados) e não o "interesse nacional brasileiro".

Creio que seria hora de também o Brasil resgatar aqueles que no seu momento questionaram a política da ditadura militar em Itaipu e continuaram defendendo as mesmas posições depois. Entre eles, tem um lugar de destaque Paulo Schilling. Somente assim, a opinião pública brasileira entenderá corretamente as reivindicações do povo paraguaio.

* Roberto Colman, sindicalista eletricitário paraguaio, integra a Frente Social e Popular (FSP) e a Coordenação Nacional pela Soberania e a Integração Energética (CNSIE) do Paraguai.

* Para saber mais sobre a ditadura de Stroessner ver, entre outros livros: "Diccionario usual del stronismo", de Alfredo Boccia Paz. Asunción: Ed. Servilibro, 2004.

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/analise/cartas-paraguaias-2-um-tratado-de-duas-ditaduras

Leia mais:
Cartas paraguaias 1: Um agradecimento e nosso projeto comum
Cartas paraguaias 3: Uma usina que primeiro gerou corrupção

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