13 outubro
2016, Mauro Santayana http://www.maurosantayana.com (Brasil)
Revista do Brasil
Mauro
Santayana
Os países,
como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.
Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.
Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.
Não é por
acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em
colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.
Foi por
ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os
homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas
fizeram coisas extremamente "razoáveis", como guardar centenas,
milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de
formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de
crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar
tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos
tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de
Nuremberg.
De tanta
mentira, distorção, hipocrisia, servidas -- ou melhor, impostas,
cotidianamente -- à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se
transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo
substituída por
fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados
como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável
convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente,
sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.
Senão,
vejamos:
Muitíssimas
pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.
Assim como
têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo
sucesso do ponto de vista econômico, certo?
Errado.
Os números
oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em
dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de
Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e
aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de
dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário
mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período,
de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos
equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.
A queda
atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do
que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez,
a vaca para o brejo.
A maioria
das pessoas -- incluídos ministros do atual governo, que exageram os
problemas, para vender a sua "competência" e seus projetos,
muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada - têm
convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?
Errado.
Nona
economia do mundo em 2016 - éramos a décima-quarta em 2002 - o Brasil ocupa,
apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.
Temos uma
Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em
2002 (80%); e menor que a dos EUA (104%), Zona do Euro (Europa) (90%), Japão
(220%), Alemanha (71.20%), Inglaterra (89.20%), França (96,10%), Itália
(132.70%), Canadá (91.50%).
Além de
possuirmos mais reservas internacionais (370 bilhões de dólares) que qualquer
uma dessas nações e de não estar devendo -- somos credores do FMI -- um centavo
para o Fundo Monetário Internacional.
E, mesmo
assim, ninguém fica fazendo, nesses países que citamos, o mesmo carnaval --
verdadeiro massacre -- que se faz aqui, com relação à questão da dívida
pública.
Uma grande
pilantragem midiática que ajuda a justificar, entre outras coisas, o absurdo
teto de despesas públicas proposto pelo atual governo -- que não existe em
nenhum país desenvolvido e irá engessar e tolher o desenvolvimento nacional nos
próximos 20 anos -- os juros pornográficos que a nação paga, a cada
12 meses, aos bancos, e a privatização e entrega de empresas estatais
brasileiras a países estrangeiros.
Muitas
pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de
que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista,
certo?
Errado.
O PT
sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e
capital estrangeiro, e apoiou - a ponto de estar sendo execrado por isso --
as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro --
expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de
crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando
a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões,
automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e
fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra,
duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem
atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.
E, na área
bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando,
por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de
rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.
Nem nos
governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos
estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de
construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.
Ou o do
submarino atômico -- além de outros quatro, convencionais -- como se está fazendo
em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.
Ou o da
construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único
contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército
Brasileiro.
Ou o do
maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para
substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também
múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento
de outras aeronaves em vôo.
Para não
falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa
Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de
disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar
A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel,
sul-africana.
Da mesma
forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o
partido mais corrupto do Brasil, certo?
Errado.
Em ranking
publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 -- que,
estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso -- o
PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.
Na lista
de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja
maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos
impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20
são do Partido dos Trabalhadores.
Dados que
não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só
existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o
início -- na tradição golpista da UDN -- à direita e à extrema direita em nosso
país.
A
esquerda, que costuma cair com facilidade nessa esparrela moral dos imorais,
principalmente quando pretende utilizá-la, como seus adversários o fazem, como
arma política, precisa tratar de outros temas, sem deixar - prudentemente - de
colocar suas barbas de molho.
Como, por
exemplo, o futuro do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, com foco,
principalmente, nas áreas social, científica, da educação, da indústria bélica,
naval e de petróleo e de infraestrutura.
Ou a
defesa da Democracia, do Estado de Direito e da Soberania Nacional,
em tempos de risco -- quase certeza, a depender do avanço da imbecilidade
vigente -- de inserção subalterna do país em um processo de globalização
que não deixará outras opções, a não ser o fortalecimento ou a capitulação.
Tudo isso,
no contexto do urgente estabelecimento de uma aliança que permita manter a
estabilidade da República e evitar a vitória da Antipolítica com a ascensão do
fascismo -- em aliança com partidos conservadores tradicionais -- à presidência
da República em 2018.
É nesse
país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia
mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal
vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem "convicção" de
que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o "Capo di tutti capi"
da corrupção nacional, neste Brasil "casto" e "ilibado",
nunca dantes atingido -- como diziam no Caso do "Mensalão", estão
lembrados? -- por semelhante tsunami antiético.
Que ele,
que nunca teve contas no exterior, como, digamos, Eduardo Cunha ou Maluf, teria
recebido "virtualmente", para o padrão de consumo de nossa impoluta
elite, acostumada a apartamentos em Paris, Miami e Higienópolis, um modesto
apartamento de 215 metros quadrados, de cooperativa -- no qual nunca dormiu e
do qual não se tem notícia de escritura em seu nome.
Além de um
sitiozinho mambembe, até mesmo para o gosto de nossa pseudo classe média
paneleira, que também não está em seu nome.
E de uma
ajuda para a guarda de seus documentos presidenciais -- de inestimável valor
histórico, por abarcarem oito anos de história nacional -- tudo isso
apresentado como a parte do leão, do "Pai", do
"Comandante", de um suposto esquema de propina que o mesmo MPF afirma
-- ainda sem provas cabais -- ter movimentado a extraordinária soma de 42
bilhões de reais em desvios da Petrobras (antes eram 6 bilhões, segundo
"impecável" "auditoria" da "competentíssima",
jamais multada, "honestíssima", "imparcialíssima",
consultoria norte-americana Price Watherhouse).
Cinismo
por cinismo, poderíamos dizer que, na hipótese, difícil de provar, que tivesse
recebido os alegados 3.7 milhões em propina pelos quais foi acusado, em um
negócio de mais de 40 bilhões, Lula seria o mais "ingênuo" senão um
dos mais "modestos", políticos brasileiros, considerando-se a quantidade
de empregos, negócios, projetos, obras, programas, que ajudou a proporcionar à
economia nacional nos anos em que esteve à frente da Presidência da República.
E o PT,
que teria pedido apenas miseráveis 5 milhões de reais para pagar contas
atrasadas devidas a publicitários, em um contrato de aproximadamente 1
bilhão de dólares para a construção de duas plataformas de petróleo pela
empresa do Senhor Eike Batista -- um sujeito que resolveu depor
"espontaneamente", depois de ter recebido bilhões do BNDES, durante
anos, em apoio às suas empresas falidas -- teria sido, diante das franciscanas
proporções da solicitação, de uma tacanhice digna de fazer corar outras
legendas e personagens do espectro político nacional.
Ora, nos
poupem.
Ninguém
está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula
da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo -- respeitada sua
condição de réu primário -- na mesma proporção de seus erros.
O que nos
indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a
desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão
tratando a verdade, a maior vítima desse atual "surto" de
"convicções" brasileiro.
Não nos
venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão
ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade,
razoabilidade e verossimilhança -- como já mostram as matérias e editoriais dos
jornais estrangeiros -- o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à
opinião pública internacional.
Correndo o
risco, seus "convictos" acusadores, de verem o tiro sair pela
culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for
impedido de concorrer à presidência da República.
Ou em um
mártir -- caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão -- para boa
parte do planeta.
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