quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O ULTIMATO DE PUTIN AOS ESTADOS UNIDOS

7 outubro 2016, Resistir.info http://resistir.info (Brasil)

por Rostislav Ishchenko*

– Não só exigiu desculpas como uma mudança de toda a política estado-unidense 

– Mas os media corporativos silenciam isto


Depois de o presidente da Federação Russa decretar que a Rússia suspendia a implementação do acordo com os EUA sobre a eliminação de plutónio apto a fins militares, e após a apresentação ao parlamento de um projecto de lei nesse sentido, os media começaram a perguntar se isto estava relacionado com a ruptura de cooperação na Síria. A segunda pergunta era a razão porque a Rússia, sabendo que os Estados Unidos não estavam a cumprir a sua parte do acordo, respondeu só vários anos depois. 

Alguns peritos nucleares dizem que o acordo beneficiou a Rússia. É possível; não sou um perito e assim não posso dizer se eles estão a ser objectivos. Além disso, o que é lucrativo para a indústria nuclear pode ser não benéfico para a segurança. 

Embora pense que a Rússia não tem problemas especiais de segurança, ela tem suficiente poder nuclear para infligir um golpe mortal aos EUA, e
Washington admitiu isso. Há suficiente material para fabricar novas ogivas. No caso de uma grande permuta nuclear, seria inútil produzir outra fornada de ogivas, além de ser impossível. O problema seria preservar o que permaneceu da civilização ao nível da Idade da Pedra. 

Quanto à questão síria, não é a primeira vez que os EUA assinam acordos e a seguir os rompem. A resposta da Rússia não podia claramente ser comparada à recusa oficial dos EUA a continuar a cooperação. 

Embora Putin tenha retirado a Rússia do acordo de reprocessamento, ele anunciou que este poderia ser recomeçado, sob certas condições, incluindo o cancelamento de todas as sanções contra a Rússia, a compensação a Moscovo por perdas resultantes não só daquelas sanções como das contra-sanções russas, o cancelamento da Lei Magnitsky, a redução da presença militar americana em países da NATO próximos da fronteira da Rússia e o fim da política de confrontação com Moscovo. 

Os pedidos de Putin só podem ser definidos como um ultimato. 

Anteriormente isto só aconteceu uma vez, em 1861, quando a Grã-Bretanha apresentou um ultimato a Washington em relação ao Trent Affair, durante a Guerra Civil Americana. Naqueles tempos, embora em severas dificuldades, a América só parcialmente satisfez os pedidos britânicos, embora nada houvesse de humilhante quanto a eles. Os EUA haviam violado o direito internacional, prendendo pessoas (britânicos) de navios neutrais, infringindo a soberania da Grã-Bretanha, quase provocando uma guerra. Depois de desautorizar o capitão e libertar as pessoas presas, a América recusou-se a pedir desculpas. 

Agora Putin exige não só pedido de desculpas e a libertação de um par de prisioneiros como uma mudança de toda a política da América, além de compensação. Isto é uma exigência não prática e insultuosa de rendição incondicional, numa guerra híbrida que Washington não considera irreparavelmente perdida. 

Só a Grã-Bretanha reclamou aos EUA algo semelhante, antes do fim da Revolução Americana, quando ainda era um súbdito rebelde. Durante a última centena de anos, ninguém podia imaginar falar a Washington desse modo. Putin claramente intencionalmente humilhou os EUA, mostrando perante o mundo que se podia falar desse modo. 

Ao que Putin estava a responder? Pensava ele realmente que os EUA cumpririam o acordo entre Kerry e Lavrov sobre a Síria? Estava ele realmente desapontado? A Rússia esteve consciente durante anos de que Washington não esteve a cumprir o Pacto do Plutónio, mas isto beneficiava sua indústria nuclear, a qual praticamente tornou-se um monopólio global e pouco se importava com as limitações técnicas que impediam os EUA de se desfazerem do seu plutónio apto para fins militares como estipulado no acordo. 

À resposta dura e quase imediata da Rússia seguiu-se um anúncio do Departamento de Estado dos EUA de que a partir da Síria esta iria enviar sacos de cadáveres de volta para casa, perder seus aviões e que terroristas poderiam atacar cidades russas. 

Imediatamente a seguir àquela declaração, o Pentágono anunciou sua prontidão para um ataque nuclear preventivo sobre a Rússia e o ministro russo das Relações Exteriores disse que Moscovo estava consciente da intenção dos EUA de começar uma guerra aérea contra tropas sírias e a presença legal da Rússia ali. 

Que outras razões haverá para o ultimato de Putin? 

O treino em defesa míssil, defesa aérea e de Forças Estratégicas de Mísseis para repelir um ataque nuclear à Rússia, incluindo um lançamento sob ataque, verificou-se seis meses atrás. Exercícios do Ministério de Situações de Emergência da Rússia (envolvendo até 40 milhões de civis) são anunciados para os próximos dias a fim de verificar a prontidão dos aparelhos de defesa civil quanto à guerra nuclear e informar a população de medidas de emergência. 

Se colocarmos tudo isto junto, vemos que os EUA têm há muito, de modo não oficial, intimidado a Rússia com a ameaça do conflito nuclear, enquanto Moscovo deixava saber que estava pronta e não em vias de recuar. 

Agora, os falcões de Washington decidiram elevar a aposta durante os últimos meses da presidência Obama, incertos quanto à vitória de Clinton. Eles chegaram a um ponto extremamente perigoso, quando o conflito começa a desenvolver-se independentemente. Nesta etapa, o Armagedão nuclear poderia ocorrer a qualquer momento, devido à incompetência (inadequacy)do pessoal do Pentágono e da Casa Branca. 

Moscovo tomou a iniciativa e elevou as apostas, mudando a confrontação de outro modo. Ao contrário dos Estados Unidos, não ameaça com guerra, mas dá uma resposta política e económica dura, a qual, ao invés de fazer com que o sonho de Obama se torne verdadeiro, ameaça arruinar a economia dos EUA se se comportar mal. 

A acção da Rússia minou gravemente o prestígio internacional dos EUA, mostrando que a América pode ser batida com a sua própria arma. Assim como você dá, assim você recebe. Com esta sequência de eventos, poderíamos ver centenas de pessoas das elites americanas no tribunal de Haia, não só dentro da nossa esperança de vida como antes do fim do primeiro mandato do próximo presidente americano. 

Os EUA devem escolher: ou implementar suas ameaças e lançar uma guerra nuclear ou suportar o facto de que isto não é mais um mundo unipolar e começar a comportar-se consequentemente. 

Não sabemos o que Washington escolherá. Há bastantes pessoas estúpidas e ideologicamente motivadas no establishment político americano prontas a imolarem-se num incêndio nuclear juntamente com o resto da humanidade, ao invés de aceitar o fim da hegemonia estado-unidense. Eles terão de escolher, porque quanto mais Washington pretender que nada aconteceu, mais dos seus vassalos (que são chamados de aliados mas são realmente dependentes) ignorarão ambições americanas e desertarão para o novo pode multipolar. 

Os EUA podem esperar até não haver nem um único centro num mundo multipolar. Não só africanos, asiáticos e latino-americanos como também europeus vingar-se-ão do antigo poder hegemónico por humilhações passadas. E eles não são tão atenciosos quanto a Rússia. 

Finalmente, o ultimato de Putin foi uma resposta a todos aqueles que perguntaram indignadamente porque tanques russos não haviam capturado Kiev, Lvov – e Varsóvia e Paris – ainda em 2014, especulando sobre qual era o plano de Putin. 

Escrevi então que se você fosse ter uma confrontação com o poder hegemónico, era preciso estar seguro de que seria capaz de responder a qualquer coisa que ele fizesse. A economia, os militares, o governo e toda a sociedade precisam estar preparados. Se você não estiver preparado, você precisa tentar ganhar tempo. 

Agora está tudo pronto e as cartas estão sobre a mesa. Veremos como os EUA respondem. Mas o quadro geopolítico nunca será o mesmo outra vez. O mundo já mudou. A luva foi lançada aos Estados Unidos e este não teve a coragem de apanhá-la de imediato. 

06/Outubro/2016

*Rostislav Ishchenko: Observador político da Agência Internacional de Notícias Rossiya Segodnya 

O original encontra-se na RIA Novosti e a versão em inglês em
russia-insider.com/en/politics/putins-ultimatum/ri16851


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