30 outubro 2016, Página Global http://paginaglobal.blogspot.com
(Portugal)
Manuel Carvalho da Silva*
Jornal de Notícias, opinião
Esta semana, o ministro das finanças
alemão, Wolfgang Schäuble, uma vez mais se pronunciou sobre a política
portuguesa e o rumo da nossa democracia, de forma particularmente violenta.
Declarações deste tipo feitas por responsáveis políticos europeus são, no
mínimo, indecorosas. Mas, tratando-se de um alto responsável do mais poderoso
Governo europeu, tais declarações configuram uma clara ingerência política de
caráter imperialista sobre um país com quase nove séculos de história,
maltratando um povo reconhecidamente trabalhador, respeitador e solidário que,
ao longo dos séculos, algumas vezes se levantou, exemplarmente, contra tiranias
e ditaduras. Os órgãos de soberania, utilizando fundamentos, formas e vias
próprias da ação diplomática, têm de ser ativos no protesto junto do Estado
alemão.
Por certo, o senhor Schäuble teve em conta o facto de ter surgido
em Espanha uma solução governativa que conta com a participação dos
representantes históricos da social-democracia em posição de cócoras. Na sua
perspetiva, Portugal ficou mais enfraquecido no rumo que procura seguir e, vai
daí, toca a atacar. Mas as duas razões principais para, neste caso, fazer de
nós
saco de boxe são outras.
Primeira, todos sabemos e o ministro alemão também, que a
trajetória económica e financeira seguida pelo atual Governo de Portugal, se
bem que com importantes inflexões em comparação com o Governo anterior,
continua a obedecer aos constrangimentos do Tratado Orçamental de forma mais
acrítica do que o desejável. Dados recentes do INE mostram as monumentais
perdas de poupança que a população mais pobre sofreu, ao mesmo tempo que os
ricos ganharam com a crise. É essa receita que ele quer continuar a aplicar em
Portugal. Em junho, Schäuble, quando questionado sobre a delicada situação do
Deutsche Bank, dizia-se mais preocupado com Portugal, para assim desviar as
atenções dos problemas da economia alemã. Agora, a motivação é outra,
politicamente bem mais pesada para ele. Para Schäuble, alianças à esquerda
construídas em torno de um discurso e programa antiausteritário e mais
solidário, têm de pura e simplesmente ser destruídas. O perigo de contágio
assusta-o. É que hoje, na própria Alemanha, a perspetiva de uma coligação entre
o SPD, Verdes e Die Linke (A Esquerda) tem vindo a ser debatida, à imagem do
que já aconteceu para o Governo de Berlim.
A segunda motivação do senhor Schäuble diz respeito a outro forte
combate político, mas fora de portas. O primeiro-ministro italiano, Matteo
Renzi, anunciou que o défice orçamental italiano para 2017 não será de 1,8% do
PIB, inicialmente previsto, mas sim de 2,3%. Renzi não é um "radical"
de esquerda, e parte da política orçamental expansionista que defende serve
para financiar reformas "estruturais" de cariz marcadamente neoliberal.
Contudo, essa orientação está em colisão com as imposições de Bruxelas,
patrocinadas pelo Governo alemão. Portugal servirá a Schäuble como ameaça, mais
ou menos velada, à orientação italiana, país cujo tamanho e peso não lhe
permitem dirigir os insultos que dirige a Portugal. O ministro alemão quer à
viva força os portugueses subjugados e peados pelo medo, para com esse exemplo
amedrontar alemães, italianos e europeus em geral.
Schäuble joga tudo numa UE dicotómica e neoliberal, submetida aos
mercados e seus grandes interesses económicos e financeiros, em particular os
da Alemanha. A instabilização da vida dos mais pobres, por forma a que estes
não possam organizar-se e encontrarem rumo de desenvolvimento mais autónomo, é
uma das armas da sua loucura, que poderá chegar à desestabilização de toda da
UE.
É claro que um Governo submetido a um contexto de guerrilha tende a
concentrar a sua ação política nos problemas de curto prazo. Mas Portugal não
deve ser mero espectador a tentar passar pelos pingos da chuva das políticas
europeias e de um Tratado Orçamental cada vez mais obsoleto. O Governo tem a
obrigação de se engajar ativamente na definição de políticas estratégicas e no
debate sobre a reforma dos tratados europeus, sob pena de perder legitimidade
interna e externa.
*Manuel Carvalho da Silva: Investigador
e professor universitário
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