quarta-feira, 19 de outubro de 2016

África do Sul/Rendido tributo a Samora Machel

19 outubro 2016, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

Raquel Betlehem
Pretória

Samora Machel durante a luta armada

Os Governos da África do Sul e de Moçambique rendem hoje uma profunda homenagem a Samora Moisés Machel, no dia em que recordam o trágico acontecimento que levou à morte o primeiro Presidente de Moçambique.

Trinta anos são passados desde o fatídico 19 de Outubro de 1986, quando o avião em que se fazia transportar o Mais Alto Mandatário da República de Moçambique se despenhou, causando a morte de 32 pessoas que com ele seguiam.

De um total de 40 passageiros
a bordo do Tupolev de fabrico russo, oito sobreviveram ao acidente que ocorreu em território sul-africano, na província de Mpumalanga, norte do país. Samora Machel regressava de uma conferência internacional de líderes africanos, quando o seu avião se despenhou nas montanhas de Lebombo, próximo a Mbuzini, África do Sul.

Uma nota oficial tornada pública pelo Governo sul-africano refere que as comemorações do “trigésimo aniversário da morte do ex-Presidente de Moçambique tiveram como ponto mais alto uma cerimónia realizada no dia 17, no “Museu Samora Machel”, um edifício erguido em sua memória, em Mbuzini, município de Nkomazi, província de Mpumalanga, África do Sul, local da tragédia.

O Vice-Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, orientou o acto, em representação do Chefe de Estado, Jacob Zuma, que se encontrava em Goa, Índia, a participar na Cimeira do BRICS, grupo composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Executivo moçambicano contou com a presença do primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, bem como de altas personalidades do xadrez político e cultural daquele país.

Representantes da Federação Russa de onde o avião era originário marcaram, igualmente, presença, bem como familiares do falecido Presidente Samora Machel e das demais 32 pessoas com os quais pereceu no acidente.

Ainda de acordo com o documento oficial do Executivo sul-africano a que a imprensa teve acesso, “foram levantadas fortes suspeitas de que o despenhamento do aparelho foi um acto deliberado e de sabotagem dirigido pelo então regime segregacionista do apartheid que vigorava na África do Sul.”

Em 1994, depois de a África do Sul ter enveredado pelo sistema democrático, foi aberta uma investigação pela Comissão da Verdade e Reconciliação Nacional (TRC) cujo trabalho conclusivo não encontrou evidências que pudessem apontar o regime do apartheid como causador do acidente de aviação.

Apoio à luta do ANC
Durante a sua liderança, o Presidente Samora Machel, à semelhança de outros Estadistas da região, prestou apoio e autorizou os revolucionários combatentes pela liberdade a operarem a partir de Moçambique e isto incluía também o “Umkhonto we sizwe”, braço armado do Congresso Nacional Africano (ANC), actualmente no poder na África do Sul. Isto fez com que o então regime do apartheid se tornasse inimigo dos países da Linha da Frente e, durante vários anos, lutasse pela  desestabilização destes. O ministro sul-africano das Artes e Cultura, Nathi Mthethwa, fez saber que este ano o lema das comemorações do trigésimo aniversário desta tragédia foi: “Celebrando 30 anos com elevada abnegação, dedicação para com os povos da África Austral; serão sempre lembrados”.

“Este lema faz-nos recordar com imensa gratidão e honra todos aqueles que dedicaram as suas vidas com o propósito de que os nossos países alcançassem a liberdade e a democracia que hoje todos podem desfrutar”, disse o governante.

Este evento é parte de um legado de projectos levado a cabo pela mais alta instituição das artes e cultura, com o objectivo de encorajar, restabelecer o equilíbrio e transformar este espaço em património histórico e cultural que expressa o verdadeiro sinónimo da longa jornada pela liberdade, desde a época colonial, a luta de libertação até à era democrática.

“É parte do nosso mandato fazer com que ambas histórias e culturas sejam preservadas, promovidas e usadas como veículo, para criar uma sociedade de coesão social, onde todos os cidadãos se possam sentir partícipes do desenvolvimento económico”, acrescentou.

A África do Sul, afirmou Nathi Mthethwa, deve aqui enfatizar todo o apoio e solidariedade,  providenciados pelos países vizinhos durante os anos de opressão.

Uma vez mais, prosseguiu, acreditamos que ao comemorarmos os 30 anos do desaparecimento físico de Samora Moisés Machel, os povos moçambicano e sul-africano deveriam tirar lições da história, dos sacrifícios e da significante contribuição dada por todos os que nos antecederam, pela total libertação do continente africano.

Relação de irmandade
O actual Governo democrático da África do Sul continua a beneficiar desta forte relação de irmandade para com o povo e Executivo moçambicanos, baseada igualmente na proximidade geográfica.
Moçambique desempenhou um papel crucial durante os tempos difíceis da luta de libertação  contra o regime do apartheid e de opressão colonial, frisou o ministro que enumerou as diversas áreas de cooperação entre os dois Governos e povos.

Estas boas relações são conduzidas através do Fórum Económico e Bilateral (de Chefes de Estado), estabelecido em 1997, assim como a Comissão Conjunta de Cooperação (JCC). Até ao presente momento, mais de 70 acordos em vários sectores foram    rubricados entre as duas nações, demonstrando o estreitamento e o aprofundamento destas relações bilaterais. Isto, adiantou Nathi Mthethwa, “é em consequência dos sacrifícios consentidos pelo povo moçambicano, liderado pelo ex-Presidente Samora Machel a quem hoje rendemos esta profunda homenagem.”

A integração da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) deve-se manter estável e firme na busca do real desenvolvimento económico da região, concluiu Nathi Mthethwa.

Legado para todas as idades

O antigo ministro da Defesa de Moçambique, durante os 11 anos da presidência de Samora Machel, Alberto Chipande, considerou, segunda-feira, em Maputo, que o Estadista deixou uma herança para todas as idades e a luta pela prosperidade de todos os moçambicanos como um grande ideal.

“A recordação de Samora Machel é enorme. Ele deixou uma herança para todas as idades, desde as crianças, que considerava as flores que nunca murcham, até à juventude, que dizia que era “seiva da nação”, afirmou Chipande, em declarações à imprensa.

A determinação de Machel na luta pela “independência total e completa” de Moçambique, realçou o antigo ministro da Defesa, é um exemplo de bravura que as actuais e futuras gerações devem seguir. Ele está connosco, na mentalidade e na cabeça. Ele já deixou um grande legado e fez tudo o que podia. Em todas as gerações, em todas as idades, Samora vive. Falta a presença física, mas Samora vive, 24 horas sobre 24 horas”, sublinhou Alberto Chipande.

Chipande é considerado pela historiografia oficial em Moçambique como o autor do primeiro tiro que marcou o início da luta armada contra o colonialismo português, em 25 de Setembro de 1964, que se prolongou até à assinatura do Acordo de Lusaka, que preparou as condições para a independência, em 25 de Junho de 1975.

Samora Moisés Machel permaneceu no poder desde Junho de 1975 (pouco depois da independência) até ao momento da sua morte.

Líder do movimento de libertação, FRELIMO, desde 1966, Machel perdeu a vida quando regressava de uma reunião de trabalho com outros altos mandatários da região realizada em Ndola, na Zâmbia.

O avião que o transportava despenhou-se como resultado de uma explosão em território sul-africano, a cinco quilómetros da fronteira com Moçambique. As autoridades moçambicanas mantêm, até ao momento, a versão de que o avião foi derrubado intencionalmente pela África do Sul.


Nenhum comentário: