10 outubro 2016,
Brasil 247 http://www.brasil247.com (Brasil)
Por Aloizio
Mercadante*, especial para o 247
"A PEC 241 é o marco histórico desta reversão golpista do novo
desenvolvimentismo ao neoliberalismo tardio. Ela estabelece um teto para todos
os gastos sociais, alterando radicalmente o conceito estabelecido na
Constituição de 1988 de formação de um Estado do Bem-Estar Social", diz o
ex-ministro da Educação e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em artigo
exclusivo para o 247; "Os pobres estão, mais uma vez na história, saindo
do orçamento, do acesso as políticas sociais e de consumo. Falta só acabar com
o PT, que derrotou de forma democrática, nas urnas, por quatro vezes seguidas,
essa agenda de retrocesso histórico e social"
A
estratégia econômica dos governos do PT foi a de construir um novo
desenvolvimentismo, que articulava políticas de inclusão social, com
distribuição de renda e construção de um amplo mercado interno de consumo de
massas. Este processo histórico começou, em 2003, com uma política de transição
que procurava tirar o país do acordo com o FMI, recuperar a estabilidade
ameaçada e
reduzir a vulnerabilidade externa e a fragilidade das finanças
públicas.
A
política externa, que integrou a América do Sul, formou os BRICS e incrementou
das relações sul-sul, foi favorecida pelo ciclo favorável das commodities e a abertura de novos mercados e
viabilizou um acúmulo de reservas cambiais de mais de U$ 370 bilhões.
O
esforço fiscal, acompanhado da retomada do crescimento econômico, permitiu
reduzir a dívida pública líquida de 64% do PIB em 2003, para cerca de 32% em
2013 e, depois da crise econômica e da política decorrente do golpe e suas
consequências, para 42% em 2016. A inflação se manteve quase sempre dentro do
regime de metas. A única exceção foi o ano de 2015, em razão do impacto do
desabamento dos preços das commodities,
acompanhado de uma forte desvalorização do real e pela elevação dos preços do
alimentos e energia, desdobramento da maior seca dos últimos 80 anos. É
evidente que a articulação golpista bloqueou a pauta legislativa e patrocinou
instabilidade agravando a recessão e a crise. A inflação já cedeu ao choque
externo e da seca, aponta para o centro da meta, abrindo espaço para uma forte
e acelerada queda na taxa básica de juros.
A
política de transição de 2003 foi essencial para a recuperação da capacidade de
investimento do Estado com o PAC e o PIL, que alavancaram o setor de construção
civil, transportes, energia, mobilidade urbana, aeroportos, portos e habitação
popular. O mais inovador foram as políticas de inclusão social e distribuição
de renda, que começaram a mudar o padrão histórico da economia brasileira,
altamente concentrador de renda e riqueza e marcado por níveis alarmantes de
pobreza e exclusão social.
O Bolsa
Família, a recuperação do emprego e salários, o crescimento do salário mínimo,
o acesso popular ao crédito consignado, a reforma agrária e o fortalecimento da
agricultura familiar, a formalização do mercado de trabalho, as políticas de
apoio à micro e pequena empresa impulsionaram um amplo mercado interno de
consumo de massas. Este mercado interno foi decisivo para a resistência à
grande crise econômica e financeira de 2009. Este mercado interno fortalecido
ampliou as escalas de produção e aumentou a competitividade sistêmica da
economia brasileira.
O golpe
está ancorado, no plano econômico, na restauração da agenda neoliberal tardia.
Isto significa abandono do novo desenvolvimentismo e da formação deste amplo
mercado interno de consumo de massas. Além da redução do custo do trabalho-
direto e indireto, retorno ao modelo exportador de commodities e a um padrão de consumo altamente
concentrador de renda e socialmente excludente.
A PEC
241 é o marco histórico desta reversão golpista do novo desenvolvimentismo ao
neoliberalismo tardio. Ela estabelece um teto para todos os gastos sociais,
alterando radicalmente o conceito estabelecido na Constituição de 1988 de
formação de um Estado do Bem-Estar Social. A constituição estabeleceu um piso
de gastos fiscais para Saúde e Educação. A emenda Calmon garantiu 18% da
receita líquida de impostos da União para a educação. Com a retirada da
DRU, a partir dos governos Lula e Dilma, a educação teve um
ganho de R$ 96 bilhões a mais no orçamento. Só nos últimos
cinco anos, o governo da presidenta Dilma investiu, em educação, R$ 54 bilhões
acima do piso. Foi estabelecida, também, a vinculação dos royalties do petróleo e do fundo social do
Pré-Sal como instrumento inovador de financiar a implantação Plano Nacional de
Educação. A privatização de reservas estratégias do Pré-Sal e a PEC 241 acabam,
definitivamente, com as metas ambiciosas do Plano Nacional de Educação, que não
tinha resolvido de forma efetiva o problema do financiamento público, mas
apontava para avanços significativos.
A
população brasileira deve aumentar em 21 milhões de pessoas até 2027 e a
população idosa, neste período, deverá crescer de 16,8 milhões para 36,1
milhões. Temos para além do acesso, imensos desafios de qualidade nos serviços
públicos. Como esta PEC estabelece como teto a inflação do ano anterior,
podemos ter despesas inclusive inferiores ao teto, ou seja, o gasto per capita
em Educação e Saúde deverá cair significativamente.
Os
cálculos demonstram que se esta fosse a política fiscal desde 2003, teríamos
uma redução dos gastos em educação e cultura de R$ 1,1 trilhão para R$ 686
bilhões. E na Saúde de R$ 955 bilhões para R$ R$ 701 bilhões acumulados até
2015. Viveríamos em um país sem o Bolsa Família, sem a recuperação do Salário
Mínimo e sem o “Minha Casa Minha Vida”.
Na
educação, sem expansão das Universidades e Institutos Federais, sem o Prouni,
sem as Cotas, sem o Fies e sem este modelo de Enem, que se consolidou,
especialmente para os mais pobres, como o caminho de oportunidades para o
acesso ao ensino superior. Seguramente não teríamos o Fundeb, o esforço de
formação e o piso nacional dos professores, o Pronatec, a expansão da
pós-graduação, a política de creches e o Ciência sem Fronteiras.
Na
Saúde, não teríamos o Mais Médicos, o Samu, as UPAS, a farmácias populares e a
expansão da rede básica e da rede hospitalar. Este é o tamanho do retrocesso
que já começou a ocorrer e poderemos assistir na próxima década. Os pobres
estão, mais uma vez na história, saindo do orçamento, do acesso as políticas
sociais e de consumo. Falta só acabar com o PT, que derrotou de forma
democrática, nas urnas, por quatro vezes seguidas, essa agenda de retrocesso
histórico e social. Tivemos muitos e graves erros, mas é muito mais do que isto
que está em disputa para o futuro do Brasil. O Brasil profundo que construímos
distribuindo renda, riqueza, conhecimento e oportunidades vai resistir. Temos
nossa capacidade de lutar. É disto que precisamos.
*Aloizio
Mercadante foi ministro da Casa Civil e da Educação no governo da presidente
Dilma Rousseff
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