terça-feira, 4 de agosto de 2009

Brasil/Palestinos e israelenses discutem paz em seminário no Rio

Promovido pela ONU, espaço foi palco durante dois dias do Seminário Internacional de Mídia sobre a Paz no Oriente Médio

3 agosto 2009/Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br

Mário Augusto Jakobskind

O Rio de Janeiro foi palco durante dois dias do Seminário Internacional de Mídia sobre a Paz no Oriente Médio – “Promovendo o diálogo israelense palestino – Um ponto de vista sul-americano”, que contou com a participação de jornalistas e representantes de entidades civis das duas partes em conflito. O evento, primeira vez realizado na América Latina, teve os auspícios das Nações Unidas e do governo brasileiro e contou no primeiro dia dos trabalhos com a presença do Ministro do Exterior Celso Amorim e do assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, que defenderam a participação ativa do Brasil nas gestões pela paz na região.

Segundo eles, os dois lados se mostram favoráveis à intermediação brasileira. Amorim lembrou o convívio fraterno de brasileiros de origem árabe e judaica em várias cidades do país, o que dá uma forte credencial ao país de participar ativamente nas negociações de paz. O chanceler destacou três condições que teriam um impacto decisivo para se alcançar um entendimento na região: o fim dos assentamentos em território palestino, o término do bloqueio a Gaza e ainda das mais de 600 barreiras de segurança (check points) espalhadas pelo território palestino, o que caracteriza uma situação “insustentável”.

O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon na mensagem de abertura exortou o governo de Israel a se comprometer com o fim da atividade de assentamento e seu crescimento natural, pois a continuidade disso o estará não só agindo cont ra a legislação, mas também contra um forte consenso internacional. E complementou: “se o país parar com a atividade de assentamento, isso facilitaria um novo ambiente de cooperação e propósitos comuns para os países da região, montando a estrutura para construir a Iniciativa Árabe de Paz (proposta pelos países árabes que prevê o reconhecimento de Israel se o país se retirar dos territórios palestinos ocupados)”.

Ban Ki-moon lamentou também que o Hamas não tenha renunciado à violência e se comprometido claramente com os acordos já existentes para a construção de dois Estados.

Jornalista israelense vê ocupação como “crime”
Em meio a alguns momentos de tensão em função de posicionamentos conflitantes, o pronunciamento do colunista do jornal israelense Haaretz, Gidon Levy foi o que provocou maior impacto. Levy condenou com grande veemência a ocupação israelense dos territórios palestinos, os assentamentos, que considera um “crime” e culpou os meios de comunicação do seu país como um dos principais responsáveis por essa política iniciada depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967.

O jornalista israelense mostrou-se cético quanto a possibilidade de uma mudança da mentalidade vigente em seu país que discrimina os palestinos que “não são consideradas pessoas como nós”. Levy lembrou pronunciamento da então Primeira Ministra de Israel, Golda Meir, que é usado como pretexto às ações discriminatórias contra os palestinos, segundo a qual “depois do Holocausto os israelenses podem fazer tudo”.

Ao assinalar que há dois tipos de amigos de Israel, os que apóiam qualquer coisa que o país faça, como aconteceu na gestão de George W. Bush, “o amigo mais perigoso”, e os que alertam que o que Israel está fazendo com os palestinos precisa parar, Gidon Levy advertiu que se esgotou o tempo regulamentar para a criação de dois Estados na região conflagrada. Ele fez uma comparação com uma partida de futebol assinalando que os 90 minutos se esgotaram e “estamos na fase de prorrogação” e que se não acontecer a criação do novo Estado palestino agora a situação na região vai se deteriorar ainda mais.

Gidon Levy admitiu há forças políticas em Israel que apostam no desaparecimento dos palestinos e que se empenham no sentido de evitar qualquer tipo de acordo. Diante dessa situação preocupante, fica difícil de prever o que acontecerá na região daqui a 20 anos.

O jornalista observou que se Israel não for pressionado e sofrer sanções internacionais a ocupação jamais terminará.

Embaixador palestino demonstra otimismo
Já o embaixador palestino nas Nações Unidas, Riyad Mansour, mostrou-se otimista quanto a possibilidade de um novo momento que se abre para a paz na região em função das gestões do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

No entender de Mansour há quatro posições que estão em jogo para a solução do problema que enfrenta o seu povo. A primeira é a desistência dos palestinos que vivem nos territórios ocupados e a sua transferência para outras partes, que Israel vem tentando há 42 anos, mas que se mostra inviável. “Os palestinos ainda estão lá e somos muito teimosos, somos 250 mil em Jerusalém e resistimos, somos como a gente de Hebron, ainda mais teimosos”.

A outra opção seria a expulsão pura e simples. Há setores em Israel que defendem essa saída, mas são minoritários, A alternativa do apartheid, de separar os palestinos em bantustões, é vergonhoso para a moralidade judaica e internacional. “Não acredito que a sociedade israelense aceite essa alternativa”.

Finalmente, a quarta opção seria a separação através de dois Estados com o fim da ocupação. “É o nascimento de um bebê, somos a favor da vida, portanto o bebê tem de nascer”, enfatizou.

Com essa alternativa, explicou o embaixador palestino na ONU, volta-se aos anos 40, ou seja, a separação em um primeiro momento com a criação de dois Estados e numa etapa posterior a integração como iguais. Para comparar o momento atual entre Israel e Palestina, Mansour lembrou as situações históricas da França e Alemanha, que se odiaram durante muito tempo até que finalmente conseguiram uma forma de associação e prosperarem. “Precisam se ver como iguais e depois fazerem juntos coisas maravilhosas”, disse.

Para Mansour se as gestões fracassarem, o que vai prevalecer de um lado é o extremismo de Liberman (chanceler israelense) e do outro o do Hamas, o que não resolverá os problemas. “Se não acontecer a paz agora e o fim da ocupação israelense, daqui há cinco anos estaremos debatendo os mesmos problemas de novo aqui no Rio de Janeiro ou em qualquer outra parte do mundo”.

Argentino denuncia pressão da embaixada de Israel
Entre os 20 debatedores das mais diversas tendências, o jornalista argentino Pedro Brieger, da TV Pública, canal 7, depois de destacar a preocupação dos Estados Unidos com a Tríplice Fronteira e nada ter sido encontrado em termos de ramificações de grupos terroristas, revelou que a embaixada de Israel em Buenos Aires tinha pedido o seu afastamento da emissora por ter ele comentado que o Hezbollah não seria destruído pela força porque tinha fortes ramificações sociais arraigadas. A direção da TV Pública, no entanto, não atendeu a exigência.

Um dos painéis do debate reuniu dois integrantes do Círculo de Pais – Fórum de Famílias, que tiveram familiares mortos em confrontos. Robi Damelin, mãe israelense que teve o filho de 19 anos morto em um confronto em Hebron e o palestino Ali Abu Awwad, cujo irmão foi morto em uma barreira (check point) por um soldado de Israel. Os dois hoje militam em favor da paz e contaram as suas experiências no sentido de convencer que a solução dos problemas na região só poderá ter resultados por meio de métodos não violentos.

Enquanto Awwad explicou que participou ativamente com paus e pedras na primeira intifada (a revolta dos palestinos contra a ocupação israelense) e agora milita pela paz através de outros métodos, Damelin lembrou que o seu filho morto sempre foi contra os assentamentos, mas acabou morrendo quando era obrigado a defender colonos em Hebron.

O israelense Danny Nishlis, diretor da rádio Haifa contou a experiência, segundo ele, muito bem sucedida, da emissora no sentido de aproximar árabes e israelenses que vivem naquela cidade portuária de Israel. Ele convidou Ali Abu Awwad para conversar com os ouvintes da emissora durante duas horas com o único compromisso de responder no ar todas as perguntas que forem feitas por palestinos e israelenses.

Já a brasileira Julia Bacha, diretora de cinema radicada em Nova York que tem se dedicado a fazer documentários mostrando a sociedade civil palestina e israelense exortou os meios de comunicação a ouvirem protagonistas palestinos e israelenses de importantes experiências que estão sendo feitas em busca da paz.

Entre as propostas apresentadas durante o seminário para forçar a paz na região e um novo enfoque dos problemas, destaca-se a sugestão no sentido de se formular, através da Unesco, um currículo de jornalismo pela paz. Apesar de momentos de tensão resultantes de posições diametralmente opostas, palestinos e israelenses não descartaram a possibilidade de que as gestões em favor da paz sejam coroadas de êxito.

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