Dili, 7 julho 2008 (Lusa) - As bombas de gás lacrimogêneo e a detenção de cerca de 20 estudantes que protestavam no centro de Dili, capital do Timor Leste, acrescentou nesta segunda-feira mais um capítulo à crise do governo do primeiro-ministro Xanana Gusmão.
Os estudantes universitários timorenses iniciaram há um mês um protesto contra a compra de veículos pelo Parlamento, oportunidade para estender acusações de corrupção a outros órgãos do governo.
O incidente desta segunda-feira aconteceu dois dias depois de Xanana Gusmão ter ido à televisão se defender de acusações explícitas de corrupção e favoritismo publicadas na imprensa timorense na última sexta-feira.
No centro da polêmica está a concessão assinada pelo primeiro-ministro, em regime de exclusividade e sem licitação, de um contrato de importação de arroz a um dirigente de seu partido, o Congresso Nacional de Reconstrução do Timor Leste (CNRT).
Segundo documentos do Ministério das Finanças obtidos pela Agência Lusa, Xanana Gusmão concedeu a licença de importação de 16 mil toneladas de arroz em 2008, no valor de US$ 14,4 milhões, à companhia Três Amigos, de Germano da Silva, vice-presidente do CNRT.
No sábado passado, Xanana Gusmão justificou a concessão pelo imperativo de não deixar o povo timorense “morrer de fome” em uma época de escassez.
O protesto estudantil desta segunda-feira foi o ápice, levado às portas do Parlamento e do Palácio do Governo, de uma insatisfação crescente em torno de diferentes casos suspeitos, que vão desde a revelação de acordos secretos com companhias estrangeiras até a polêmica retificação do orçamento de 2008, que mais do que duplica o valor aprovado há seis meses.
Os pontos de atrito entre governo, partidos de oposição, da aliança no poder e diferentes setores da sociedade timorense encontram-se resumidos de forma indireta na petição redigida nesta segunda-feira pela Ação Solidariedade Universitária Timor Leste (ASUTL).
Além da compra de carros para todos os 65 deputados, prevista pelas mudanças no orçamento, a petição estudantil também condena a revisão dos montantes da transferência do Fundo do Petróleo.
Em votação, a proposta de retificação do orçamento do Timor Leste prevê a elevação do montante de 2008 para um total de US$ 773,3 milhões, o que significa um aumento de US$ 425,6 milhões nos gastos públicos.
Estes valores alarmaram o Fundo Monetário Internacional (FMI), que na semana passada alertou Dili para o risco de a inflação sair fora de controle.
"Muito do aumento do Orçamento do Estado para 2008 está relacionado com novos subsídios e aumentos de salários, e incorpora decisões políticas apressadas", acusaram as organizações reunidas na Rede Transparência Timor Leste.
A petição estudantil redigida nesta segunda questiona também a liberalidade da Lei das Armas, tema tão quente diante do violento histórico do país que, há uma semana, o debate quase levou dois deputados a trocarem socos no plenário.
Os estudantes questionam ainda o ministro da Agricultura, Mariano Sabino, sobre três contratos na área dos biocombustíveis, que concedem terras e benefícios fiscais a empresas estrangeiras para produzirem cana-de-açúcar e pinhão-manso.
Os acordos foram questionados no Parlamento, não apenas pelo maior partido da oposição, a Fretilin, mas também por um dos líderes da aliança no poder, Mário Viegas Carrascalão, presidente do Partido Social-Democrata e ex-governador do território durante a ocupação indonésia.
“O governo não tem capacidade de executar o orçamento, que apenas é usado para engordar apenas um grupo”, diz a petição assinada pelos estudantes.
“O processo de elaboração do orçamento no Timor Leste é cada vez mais ineficaz, não democrático, apressado, pouco inteligente e reservado”, acusam as organizações da Rede Transparência.
Os estudantes prometem continuar as manifestações nos próximos quatro dias, tendo, à sua frente, como nesta segunda-feira, a "Task Force" da política timorense.
A "Task Force" é um corpo de intervenção, criado no final de 2007, à margem da Polícia das Nações Unidas, e que em poucos meses acumulou uma lista de acusações de abuso da força e da autoridade por parte de diferentes instituições timorenses e internacionais.
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