6
janeiro 2015, Conselho Indigenista Missionário http://www.cimi.org.br (Brasil)
A
senadora Kátia Abreu, nova ministra da Agricultura, Abastecimento e Pecuária,
em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo teve a desfaçatez de dizer que não
existe mais latifúndio no Brasil e que os conflitos fundiários com indígenas
ocorreram porque "eles saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de
produção". A ministra também atacou a Funai, órgão indigenista do governo,
e o Decreto 1775/96 que regulamenta o procedimento de demarcação de terras, o
qual considera "inconstitucional, unilateral, ditatorial, louco,
maluco". Com esse pronunciamento ela não apenas anuncia quem serão seus
interlocutores no ministério, como também declara seu desconhecimento sobre a
história indígena brasileira.
Apesar
de todas as manifestações contrárias à indicação da senadora do Tocantins e
presidente da CNA -- Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária -- ao
Ministério da Agricultura, a presidente Dilma, a nomeou e garantiu a ela um
cargo estratégico. Analistas políticos e os próprios políticos dirão que
algumas nomeações são para assegurar a "governabilidade". No entanto,
é inadmissível que uma ministra recém-nomeada, conceda uma entrevista e fale de
grupos sociais e da realidade brasileira como se estivesse na cozinha da sede
de uma de suas fazendas ou em um dos latifúndios que a ministra alega não
existir mais no Brasil.
Ocupando
o cargo de ministra da Agricultura, Kátia Abreu deveria, no mínimo, tomar
conhecimento dos dados estatísticos oficiais, tais como os do Censo
Agropecuário do IBGE, no qual se demonstra (já em 2006) haver concentração de
228,5 milhões de hectares de terras improdutivas nas mãos de cerca de 70 mil pessoas,
sendo que
o território nacional total é de 851 milhões de hectares. O Censo
indica ainda que 43% das propriedades rurais têm mais de 1.000 hectares de
terras; cinco milhões de estabelecimentos rurais detém mais de 360 milhões de
hectares.
Os
povos indígenas são referidos de modo pejorativo e estereotipado pela nova
ministra. A jornalista Elaine Tavares, em seu artigo “Os índios estão de pé”,
afirma de modo enfático que “...a fazendeira desconhece a história do país da
qual hoje está ministra. Para Kátia, lugar de índio parece ser apenas a
profundeza da floresta amazônica, reforçando assim o estereótipo do
"selvagem" que, ou se integra no mundo branco como base da pirâmide,
ou que fique "no seu lugar", que é, obviamente, o recôndito da selva.
Nada poderia ser mais patético, embora outra coisa não se pudesse esperar de
alguém que certamente apenas conhece as fronteiras do seu latifúndio e o dos
seus iguais. Eles os indígenas estão em todos os estados do país, em regiões
que em nada pode lembrar a "floresta". Ocupam áreas - muitas delas
ainda não demarcadas - que muito mais parecem prisões insalubres do que
território digno de vida. Raros são os grupos que já conseguiram demarcar
territórios capazes de conter toda sua cosmovisão e de garantir o livre acesso
a sua cultura. Outros tantos aguardam nas margens das rodovias, morrendo como
moscas, que o governo demarque as terras que lhes são de direito”.
E,
em sintonia com os setores que representa, a ministra não esconde seu
descontentamento em relação aos direitos indígenas, consagrados na Constituição
Federal. Aliás, seu histórico como parlamentar vinculada ao Estado do Tocantins
demonstra que Kátia Abreu empreendeu uma verdadeira luta contra ideais de uma
sociedade mais justa e democrática, na qual sejam reconhecidos e respeitados os
direitos sociais, individuais e coletivos. A atuação desta, como parlamentar,
esteve pautada na negação sistemática das premissas constitucionais que, para
os setores econômicos que ela representa, são considerados indesejáveis, pouco
lucrativos, anti-progressistas. As palavras e ações da então senadora
mobilizaram uma verdadeira cruzada contra os direitos dos povos indígenas,
quilombolas e contra os direitos humanos de todas as lideranças que lutam pela
demarcação de terras e pela reforma agrária. Era de se esperar, então, que na
condição de ministra, ela fosse porta-voz da ideologia dominante e das demandas
de setores da extrema direita.
As
declarações da nova ministra da Agricultura são, na verdade, deboches às
mulheres e homens que doaram suas vidas por justiça no campo. São deboches aos
movimentos sociais, especialmente ao MST. São deboches aos povos indígenas,
historicamente desprezados, discriminados e marginalizados pelos poderes
públicos. São deboches a história do Brasil e aos movimentos de resistência ao
autoritarismo. São deboches às comunidades quilombolas, às comunidades
tradicionais e suas lutas por direito, respeito e dignidade.
Na
entrevista, a ministra Kátia Abreu explicitou cinicamente que "está no
governo da presidente Dilma para pisotear sobre os direitos daqueles
que lutam pela distribuição equânime da terra e pelos direitos dos povos
indígenas e quilombolas. A ministra assume sua pasta para efetivamente defender
o latifúndio e os privilégios que o governo tem concedido ao agronegócio”
(trecho extraído da Nota do Conselho Indigenista Missionário).
A
presidente Dilma, através da nomeação de Kátia Abreu como ministra da
Agricultura, ignora e desrespeita os defensores e defensoras dos direitos
humanos no Brasil, especialmente aqueles que incansavelmente denunciam a
concentração de terras, o trabalho escravo nos latifúndios, a grilagem de
terra, os assassinatos no campo. Tripudia sobre todos aqueles - mulheres e
homens - que foram assassinados lutando para que a terra, no Brasil, cumpra sua
função social.
Porto
Alegre, RS, 05 de janeiro de 2015.
Roberto
Antônio Liebgott
Missionário
do Cimi – Regional Sul - Equipe Porto Alegre
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