9
janeiro 2015, https://leonardoboff.wordpress.com (Brasil)
Leonardo Boff*
Uma
coisa é se indignar, com toda razão, contra o ato terrorisa que dizimou os
melhores chargistas franceses. Trata-se de ato abominável e criminoso,
impossível de ser apoiado por quem quer que seja.
Outra
coisa é procurar analiticamente entender porque tais eventos terroristas
acontecem. Eles não caem do céu azul. Atrás deles há um céu escuro, feito de
histórias trágicas, matanças massivas, humilhações e discriminações, quando
não, de verdadeiras guerras preventivas que sacrificaram vidas de milhares e
milhares de pessoas.
Nisso
os USA e em geral o Ocidente são os primeiros. Na França vivem cerca de cinco
milhões de muçulmanos, a maioria nas periferias em condições precárias. São
altamente discriminados a ponto de surgir uma verdadeira islamofobia.
Logo
após o atentado aos escritórios do Charlie Hebdo, uma mesquita foi atacada com
tiros, um restaurante muçulmano foi incendiado e uma casa de oração islâmica
foi
atingida também por tiros.
Que
signfica isso? O mesmo espírito que provocou a tragédia contra os chargistas, está
igualmente presente nesses franceses que cometeram atos violentos às
instituições islâmicas. Se Hannah Arendt estivesse viva, ela que acompanhou
todo o julgamento do criminoso nazista Eichmann, faria semelhante comentário,
denunciando este espírito vingativo.
Trata-se
de superar o espírito de vingança e de renunciar à estratégia de enfrentar a
violência com mais violência. Ela cria uma espiral de violência interminável, fazendo
vítimas sem conta, a maioria delas inocentes.
Paradigmático
foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A
reação do Presidente Bush foi declarar a “guerra infinita” contra o terror;
instituir o “ato patriótico” que viola direitos fundamentais ao permitir
prender, sequestrar e submeter a afogamentos a suspeitos; criar 17 agências de
segurança em todo o país e começar a espionar todo mundo no mundo inteiro, além
de submeter terroristas e suspeitos em Guantánamo a condições desumanas e a
torturas.
O
que os USA e aliados ocidentais fizeram no Iraque foi uma guerra preventiva com
uma mortandade de civis incontável. Se no Iraque houvesse somente ampla
plantação de frutas e cítricos, nada disso ocorreria. Mas lá há muitas reservas
de petróleo, sangue do sistema mundial de produção.
Tal
violência barbárica, porque destruíu os monumentos de uma das mais antigas
civilizações da humanidade, deixou um rastro de raiva, de ódio e de vontade de
vingança.
A
partir deste transfundo, se entende que o atentado abominável em Paris é
resultado desta violência primeira e não causa originária. O efeito deste
atentado é instalar o medo em toda a França e em geral na Europa. Esse efeito é
visado pelo terrorismo: ocupar as mentes das pessoas e mantê-las reféns do
medo.
O
significado principal do terrorismo não é ocupar territórios, como o fizeram os
ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória
sinistra.
A
profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, o então ainda
não assassinado Osama Bin Laden, feita no dia 8 de outubro de 2001,
infelizmente, se realizou: “Os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão
paz”.
Ocupar
as mentes das pessoas, mantê-las desestabilizadas emocionalmente, obrigá-las a
desconfiar de qualquer gesto ou de pessoas estranhas, eis o que o terrorismo
almeja e nisso reside sua essência. Para alcançar seu objetivo de dominação das
mentes, o terrorismo persegue a seguinte estratégia:
(1)
os atos têm de ser espetaculares, caso contrário, não causam comoção
generalizada;
(2)
os atos, apesar de odiados, devem provocar admiração pela sagacidade empregada;
(3)
os atos devem sugerir que foram minuciosamente preparados;
(4)
os atos devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis;
(5)
os atos devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais
suspeitos, maior o medo;
(6)
os atos devem provocar permanente medo;
(7)
os atos devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode
configurar o terror. Basta ver alguns rolezinhos entrando nos shoppings e já se
projeta a imagem de um assaltante potencial.
Formalizemos
um conceito do terrorismo: é
toda violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes
com medo e pavor.
O
importante não é a violência em si, mas seu caráter espetacular, capaz de
dominar as mentes de todos. Um dos efeitos mais lamentáveis do terrorismo foi
ter suscitado o Estado terrorista que são hoje os EUA. Noam Chomsky cita um
funcionário dos órgãos de segurança norte-americano que confessou: “Os USA são
um Estado terrorista e nos orgulhamos disso”.
Oxalá
não predomine no mundo, especialmente, no Ocidente este espírito. Aí sim,
iremos ao encontro do pior.
*Leonardo Boff é colunista do JBonline
e escreveu: Fundamentalismo,
terrorismo, religião e paz, Vozes,
Petrópolis 2009.
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