26 janeiro 2015, ADITAL, Agência de
Informação Frei Tito para América Latina http://site.adital.com.br (Brasil)
Benedito Teixeira, Adital
Um dos principais compromissos
assumidos pela presidenta do Brasil, Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores
– PT) nas eleições de 2014, o combate ao trabalho escravo no país está
seriamente ameaçado. Trata-se da decisão do presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, às vésperas do Natal de 2014, que
proíbe a divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à escravidão, conforme determina a Portaria
Interministerial TEM/SDH 2, de 12 de maio de 2011. A atualização desse Cadastro
era feita semestralmente, mas o que deveria ser divulgado em dezembro último
não saiu por causa da liminar.
A Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que reúne empresas do setor da
construção civil – segmento que está entre os campeões no ranking de casos de
trabalho escravo no país -- é a autora da
Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) que contesta a constitucionalidade e solicita a retirada imediata da
eficácia da Portaria que estabelece as regras para a chamada "Lista Suja”
do trabalho escravo no Brasil. A Adin interposta pela Abrainc tem dois pedidos:
um imediato, na forma de liminar, já atendido pelo STF; e outro, mais
permanente, de julgamento do mérito da ação, o que pode acontecer se não houver
mobilização por parte dos movimentos sociais e do governo.
Em entrevista à Adital, Xavier Plassat,
coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra
(CPT) e membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,
informa que a decisão continua em vigor e afeta, gravemente, os esforços dos
movimentos sociais e de direitos humanos, além do governo, para coibir a
prática ainda recorrente em pleno século XXI.
A Procuradoria Geral da República já
entrou com um recurso para derrubar a liminar, mas Plassat alerta que, se não
houver mais pressão e mobilização, além de um posicionamento mais firme da
presidenta Dilma, ocorrerá um profundo retrocesso. Para ele, a presidenta pode
atuar em duas frentes, mesmo que não tenha poder de interferir diretamente numa
decisão judicial: do ponto de vista jurídico, acionando a Advocacia Geral da
União (AGU) para que também recorra da decisão do STF; e na seara política, a
mais importante, "se pronunciar, de maneira firme, para defender os
instrumentos de combate ao trabalho escravo”.
Por trás dessa Adin estão as empresas
do setor de construção civil, muitas delas já incluídas em "Listas Sujas”
anteriores. A última foi divulgada em
julho de 2014. Estar incluída nesse Cadastro acarreta para as empresas
prejuízos de imagem e, consequentemente, financeiros. "A empresa permanece
na Lista por no mínimo dois anos e tem que cumprir todas as suas obrigações
trabalhistas para sair dela. Além disso, estar no Cadastro, para o mercado, é
um fator de risco, que influi, por exemplo, na assinatura de novos contratos e
no financiamento por bancos”, salienta Plassat. Os Planos Nacionale Estaduais de Erradicação do Trabalho Escravo
também recomendam que os governos não façam negócios com quem está na
"Lista Suja”.
Plassat conta um caso recente de
identificação de condições análogas ao trabalho escravo envolvendo a construção
civil, que aconteceu na Região Metropolitana de São Paulo, a maior do país. Há
dois anos, cerca de 100 pessoas, principalmente oriundas da região Nordeste do
Brasil, foram identificadas em situação análoga à escravidão durante as obras
para a ampliação do aeroporto de Guarulhos, de responsabilidade de grandes
empreiteiras. Segundo Plassat, geralmente, esses trabalhadores/as são
contratados de forma terceirizada em regiões distantes dos locais de trabalho,
são mantidas em alojamentos precários sem previsão de início das obras, vítimas
de promessas falsas e já chegam previamente endividados, a exemplo de aluguel,
alimentação e passagens. Também são submetidos a uma carga horária extenuante
de trabalho, sem o atendimento dos padrões básicos de segurança.
O coordenador da Campanha da CPT
ressalta ainda que cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil estão
nas empresas que já assinaram o Pacto
Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), criado em 2005 por organizações da
sociedade civil.
Leia na íntegra a Carta da CPT enviada
à presidente Dilma Rousseff, à ministra da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República, Ideli Salvatti, a Judith K. Cavalcanti Santos, da
Comissão Nacional contra o Trabalho Escravo (Conatrae), ao- ministro-chefe da
Casa Civil, Aloizio Mercadante, e ao secretário-geral do Governo, Miguel Rossetto.
Números
Entre 2003 e 2013, foram registrados
2.655 casos de trabalho escravo no Brasil, totalizando 66.585 trabalhadores
submetidos.
Foram libertadas 42.726 pessoas.
O último Cadastro de Empregadores
(Lista Suja), publicado em julho de 2014, possui 609 nomes de empregadores
flagrados na prática de submeter trabalhadores a condições análogas às de
escravo, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
Desse total, o Estado do Pará apresenta
o maior número de empregadores inscritos na lista, totalizando cerca de 27%,
sendo seguido por Minas Gerais com 11%, Mato Grosso com 9% e Goiás com 8%.
A pecuária constitui a atividade
econômica desenvolvida pela maioria dos empregadores (40%), seguida da produção
florestal (25%), agricultura (16%) e indústria da construção (7%).
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